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1 de junho de 2017

HISTÓRIA E RELIGIOSIDADE DO EGITO ANTIGO - O fascínio de uma antiga civilização.


História e religião andam juntas há muitos séculos. É quase impossível desassociar uma da outra. As antigas civilizações (Mesopotâmia, Egito, Roma, Grécia, etc.) ainda hoje causam fascínio, admiração e curiosidade em muitas pessoas, sejam elas cultas ou incultas. O Antigo Egito, especificamente, é uma dessas civilizações que tem atiçado o imaginário dos pesquisadores. Como esse povo antigo conseguiu construir as gigantescas e fascinantes piramides? E a esfinge? E tantas outras obras faraônicas? Quais foram os métodos arquitetônicos usados para criarem esses espetaculares empreendimentos? Eis um dos mistérios do Antigo Egito. Sem dúvida essa antiga civilização continua nos fascinando. 

O presente texto tem como fundamento a história das religiões. E objetivamente descreve um pouco da história do Antigo Egito e sua religiosidade. Preferencialmente, esse material se destina a ser usado como uma proposta para aulas de Ensino Religioso, nos anos finais (8° e 9°ano) do Ensino fundamental. Caberá ao professor adaptar esse material a realidade de sua classe.    

1. ASPECTOS GERAIS DA SOCIEDADE EGÍPCIA.
Na época do antigo Egito, Estado, religião e cultura estavam completamente entrelaçados. Era praticamente impossível falar de um sem mencionar os outros. E também se um caísse os outros teriam o mesmo destino. A história do Egito antigo é dividida em várias dinastias. Segundo os historiadores, o Egito teve ao todo trinta dinastias, que abrangeram um período de mais de três mil anos. O antigo Egito foi, em sua época, um dos mais poderosos e esplendidos impérios da humanidade.  
"O que caracteriza uma cultura é seu estilo. Nenhuma cultura na história mundial foi tão completamente atravessada por um estilo de tamanho requinte quanto a egípcia. Esse estilo se estabeleceu para sempre durante o Antigo Império, sendo que, na maioria dos aspectos, se instalara desde seu principio. [...] Os egípcio talvez tenham sido o povo mais autoconfiante do mundo: comparativamente, o egocentrismo cultural do "Império Celestial" da China foi menos exclusivista. Os egípcios não se viam como povo escolhido; eles eram, simplesmente, gente, categoria na qual não enquadravam os outros povos" (JOHNSON, 2002, p. 58).
Os egípcios eram um povo essencialmente agrícola. Eles viviam da colheita da terra, da criação de animais e do comércio. Pelo pouco que sabemos à ascensão do Egito como potencia econômica, deu-se por causa de sua localização geográfica e estratégica. O antigo Egito se desenvolveu às margens do rio Nilo. Foi a partir da utilização e exploração dos recursos deste rio que os egípcios foram desenvolvendo o seu domínio. Onde tem água tem vida. Sem água não poderia existir plantações, nem animais e muito menos população. 

Quando se fala ou se escreve sobre o antigo Egito, inevitavelmente, vem a nossa mente à imagem do Faraó. Politicamente o Egito foi uma "teocracia totalitária", onde o faraó ditava as regras. Em suma, a palavra do faraó era lei.  

Mas por trás disso existia à crença de que o faraó era divino. Ele foi uma espécie de mediador entre o povo e os deuses. Historicamente, uma das principais funções do faraó era preservar a ordem cósmica do universo (maat), para os antigos egípcios se essa ordem não fosse preservada o cosmos cairia no caos e na desordem. E isso explica o porquê do faraó ser reverenciado como um ser divino.
"Em seu apogeu, a teoria da monarquia sacrossanta apresentava o rei como deus manifesto. Ele era representante da terra entre os deuses, o único intermediário oficial entre o povo e os deuses, o sacerdote oficial exclusivo de todos os deuses" (JOHNSON, 2002, p. 64).
Desde a primeira até a trigésima dinastia vários faraós governaram o Egito. Uns se destacaram mais do que outros. E esses que se destacaram foram os que construíram as monumentais pirâmides, é possível afirmar que elas eram as tumbas sagradas dos faraós. No momento em que um faraó era embalsamado e enterrado, todos os seus pertences deveriam ser enterrado juntamente com ele. Por trás disso existia à crença de que a vida terrena era apenas uma "sombra" da vida eterna. Os egípcios eram muito obcecados pela imortalidade. No além (onde os deuses viviam) a vida é bem melhor do que essa. 

Algo que até hoje tem atiçado a curiosidade, principalmente de arqueólogos e historiadores, é o modo como os egípcios conseguiram construir as grandes pirâmides. Sem dúvida eles não possuíam as maquinas de construção e a tecnologia que temos hoje. Tudo indica que eles usaram métodos rudimentares de sua época, e mais especificamente a força braçal masculina.
"Sabemos que no Antigo Império o grupo de trabalhadores usados na construção das pirâmides consistia sobretudo em pedreiros treinados, organizados como em linhas de batalha, divididos em tropas nomeadas e comandadas por "generais". Esses homens habilidosos eram mantidos permanentemente ocupados, e o próprio Estado os provia, e suas famílias, de moradia e farta provisões de comida, roupas e outras necessidades. [...] De qualquer maneira, tem de ser lembrado que esses trabalhos eram de inspiração e intenção religiosa; tratá-los benignamente também parece ter sido uma tarefa religiosa" (JOHNSON, 2002, p. 81).
Para os antigos egípcios dar à sua parcela de contribuição na construção das pirâmides, se constituía em um tipo de devoção religiosa. Não era um trabalho penoso, mas prazeroso e sagrado. Isso porque na mente de um nativo egípcio, essa obra de construção garantia a posse da vida eterna e da imortalidade. Diferente do conceito cristão de redenção individual, o conceito de redenção egípcio era coletivo. A imortalidade da alma abrange toda à sociedade egípcia, e não indivíduos particulares. Servir e obedecer ao faraó era a porta de entrada para à vida eterna.
"Nesse sentido, O Egito era composto por uma sociedade coletivista de um tipo bastante rigoroso. O rei personificava o coletivo. Se ele adentrasse a eternidade em segurança, como um deus alado, a imortalidade de todo seu povo - servindo-o na próximo mundo como o serviram nesse - estava garantida" (JOHNSON, 2002, p. 87). 
Outro aspecto da sociedade egípcia (que muita gente desconhece) foi o seu amor à natureza. Como tudo ao seu redor era sagrado, a fauna e a flora não poderiam ficar de fora. É possível dizer que os egípcios eram naturalistas, no sentido de cuidarem da natureza. Se fosse possível, todo o nativo egípcio teria um jardim em sua casa.
"Os egípcios amaram a natureza mais que qualquer povo da antiguidade, parecendo ansiosos por levá-la, quando possível, para dentro de casa. Eles foram também os que melhor a representaram. Como mostram muitos exemplos de sua religião, eles adoravam os bichos, mantendo inúmeros animais de estimação, como cães, gatos, gansos e macacos. [...] Os egípcios de todas as classes se devotavam a jardins, fazendo todo o possível para cultivar um nas proximidades de suas residências, transportando terras, escavando poços, canais e tanques artificiais onde colocavam aves aquáticas" (JOHNSON, 2002, p. 169).
A modernidade precisa aprender com a antiguidade. Nem tudo o que é moderno é bom, e nem tudo o que é antigo é ruim. Amar e preservar à natureza é uma atitude que, progressivamente, está desaparecendo. O homem "moderno" que é obcecado pelo progresso industrial e pelo cientificismo, se transformou em um grande destruidor da natureza. O desmatamento das florestas tropicais, o alto índice de poluição nos oceanos e rios, a matança e extinção de animais silvestres. Em parte mostram, que os antigos egípcios eram mais evoluídos ecologicamente do que o homem moderno de hoje. 

2. RELIGIÃO E MITOLOGIA EGÍPCIA.
"Mesmo escrevendo em uma época na qual o dinamismo da fé do povo tinha se esgotado e apenas as formas, em vez da essência, prevaleciam, Herótodo descreveu os egípcios como as pessoas mais religiosas do mundo" (JOHNSON, 2002, p. 22).
A religiosidade egípcia foi caracteristicamente politeísta e coletiva. Politeístas porque os egípcios prestavam culto há várias divindades, ou seja, havia uma pluralidade de deuses. E coletiva no sentido de que à imortalidade era algo público e não particular. O conceito de "religião privada" era algo estranho para os egípcios. Na medida em que o Faraó (como líder de Estado) adentrava na imortalidade, toda a população egípcia teria a imortalidade garantida. É possível afirmar que à religião era um bem do Estado, e com isso, acessível a qualquer pessoa.

A relação entre os faraós e os deuses é um ponto importante quando se quer entender a religião dos antigos egípcios. Desde o momento da coroação de qualquer faraó, ele era reverenciado com um deus e "filho de deus". 
"Desde o momento de sua elevação ao trono, um faraó egípcio (rei) desempenhava o papel de um deus. Ele era uma manifestação do deus do céu Hórus e filho do deus-sol Rá. [...] Os títulos de um rei proclamavam esses e outros relacionamento. Seu nome-trono, único para cada soberano, anunciava a maneira pela qual ele manifestava o deus-sol. Assim, Tutmósis IV era Menkheprura, "A Mais Duradoura das Manifestações de Rá" (WILLIS, 2007, p. 52)
A mitologia egípcia tem a sua forma própria de explicar a "suposta" criação do mundo. Houve, nos tempos primordiais, um deus solitário que teve à iniciativa de criar uma família. E foi a partir da criação dessa família divina, que o mundo e os seres vivos passaram a existir. Essa família é conhecida como os "Nove deuses de Heliópolis" ou Ennead.    
"O relato egípcio mais detalhado da criação diz respeito às divindades conhecidas como os Nove Deuses de Heliópolis ou o Ennead. O primeiro deles foi Rá-Aton, que passou a existir no outeiro primitivo e planejou a multiplicidade da criação em seu coração. Ele fez a primeira divisão entre macho e fêmea quando colocou o próprio sêmen na boca e desovou ou espirrou Shu, o deus do ar, e Tefnut, a deusa da umidade. [...] Da união sexual de Shu e Tefnut resultaram Geb, o deus da terra, e Nut, a deusa do céu. [...] Os filhos de Nut eram dois pares de gêmeos, Osíris e Ísis, e Seth e Néftis. Dizia-se que Osíris e Ísis haviam se apaixonado ainda no útero, mas Néftis desprezava seu irmão Seth. Como filho mais velho de Geb e Nut, Osíris estava destinado a governar o Egito" (WILLIS, 2007, p. 40).
2.1. Osíris, Ísis e Horus.
Quando o assunto é o poder, até entre os deuses pode existir desentendimentos e brigas. O deus que governa o Egito, governa o mundo. Segundo a mitologia egípcia Osíris seriam o governante, no entanto, seu irmão Seth queria o poder. A partir disso começa-se dentro da "sagrada família" uma luta pelo poder. 

O mito de Osíris, Ísis e Horus é uma das principais narrativas da mitologia egípcia. Osíris era reverenciado como o deus da agricultura, que ensinou aos homens o segredo do cultivo e da civilização. Osíris seria o deus que governaria o Egito, no entanto, seu irmão o deus Seth queria para si o poder. Segundo o mito, Seth matou e esquartejou o seu irmão Osíris, para com isso assumir o seu lugar no trono. Aqui vale ressaltar que qualquer semelhança entre Abel e Caim não é mera coincidência. 
"Os primeiros relatos dizem que Osíris foi derrubado por seu irmão Seth na margem do rio em Nedyert, local místico às vezes identificado com parte de Abidos, o sitio sagrado onde os mistérios de Osíris eram celebrados. Versões posteriores do mito afirmam que Osíris foi afogado no Nilo, e Seth é apontado como o assassino" (WILLIS, 2007, p. 42).
Ísis irmã e esposa de Osíris teve um papel importante na narrativa mitológica egípcia.  Foi ela quem procurou as partes do corpo do marido, juntou-as e depois com o ser poder o ressuscitou. Depois disso Ísis ficou gravida e pariu um filho divino chamado Hórus o deus-falcão. Por causa disso Ísis é considerada como "mãe de deus"
"Desde tempos remotos, Ísis, consorte de Osíris, desempenhou papel importante nos mitos. Recuperou o corpo de seu marido para conceber um filho dele: pairando em forma de um pequeno gavião, ela atiçou o sopro da vida nele com suas asas. Em outra versão da história, Ísis foi engravidada pelo fogo divino. [...] Ísis pariu um filho divino, Hórus, em Chemmis, perto de Buto. Lá o criou, protegida por divindades, tais como a deusa-escorpião Selqet, e esperou Hórus crescer o suficiente para vingar seu pai" (WILLIS, 2007, p. 43). 
Hórus com o herdeiro do trono, lutou contra o seu tio Seth, que de forma ilegitima tomou o trono de seu pai Osíris. Essa luta dos deuses é algo importante na mitologia egípcia. Segundo o mito, Hórus vai ao tribunal divino reivindicar o seu direito como herdeiro legitimo do trono do Osíris. Os deuses declaram que Hórus tem direito ao trono. Seth não satisfeito desafia Hórus para um duelo. A mitologia não é muito clara sobre essa suposta "luta dos deuses". É possível supor que Hórus tenha conquistado o seu lugar como herdeiro do trono de Osíris, e Seth tenha se transformado no deus da tempestade. No final não houve vencedor e perdedor.

Fontes: 
JOHNSON, Paul. História ilustrada do Egito Antigo. Rio de Janeiro, ediouro, 2002.
WILLIS, Roy. Mitologias. São Paulo, Publifolha, 2007.

16 de maio de 2017

SINTESE SOBRE A EXPANSÃO DO MOVIMENTO PENTECOSTAL NO BRASIL.


Passam-se os anos e as religiões sofrem algum tipo de mudança. Isso acontece por que às religiões são um pertencimento social, e na medida que à sociedade sofre mudanças, as religiões também são afetadas. O cristianismo de hoje é muitíssimo diferente do cristianismo antigo do 1° século d.C. Houve muitas mudanças, principalmente na teologia e no culto. Historicamente em 1054 aconteceu um cisma que deu origem à Igreja Ortodoxa Grega. Alguns séculos depois (mais especificamente em 1517), surge à Reforma Protestante na Alemanha, que tem como fundador o monge agostiniano Martinho Lutero. Depois desses cismas o cristianismo foi sofrendo mudanças e adquirindo novas faces. 

A partir da Reforma outras Igrejas e seitas foram surgindo, e se espalhando pelo Ocidente. Mas, se existe um ramo do protestantismo, que com o passar dos anos, conquistou uma significativa influencia religiosa no Brasil, este é o movimento pentecostal. Em quase todas as localidades do território brasileiro, existe uma comunidade que pertence a este movimento religioso. Mas quais foram os motivos que levaram esse movimento a ter tanta representatividade entre os brasileiros? O que ele oferece para ser tão cativante? Vamos descobrir.


O presente texto tem como fundamento à história das religiões, ele tenta analisar o movimento pentecostal com um olhar histórico e, com isso, deixa de lado o confessionalismo e o dogmatismo. E também, na medida do possível, ser uma fonte de conhecimento para à elaboração das aulas do Ensino Religioso. 


1. A ORIGEM PENTECOSTAL.

Quase todo novo movimento religioso é uma tentativa de retornar as origens primordiais, que com o passar do tempo foram ficando no esquecimento. A nomenclatura "pentecostal" é derivada de uma festa judaica cujo o nome é pentecostes ou festa da colheita. No segundo capítulo do livro dos Atos dos apóstolos relata um evento na cidade de Jerusalém, onde um pequeno grupo de cristãos estava participando dessa festividade. E de forma inesperada esse pequeno grupo teve uma experiência místico-religiosa, conhecida como "enchimento do Espírito Santo" ou "batismo no Espírito Santo". 

De forma inexplicável este pequeno grupo de cristãos começou à "falar em outros idiomas", de forma que as pessoas próximas a eles compreendiam o que eles falavam. A partir deste evento (segundo alguns especialistas e interpretes), dá-se inicio  à expansão do movimento cristão para outras partes do mundo. Mas, com o passar do tempo essa "experiência pentecostal" foi se arrefecendo e caindo no esquecimento. 


O moderno movimento pentecostal procura ser um resgatador dessa experiência que aconteceu nos tempos primordiais. Mas, historicamente o pentecostalismo que existe no Brasil, é um movimento religioso importado dos Estados Unidos. O movimento pentecostal originou-se em Los Angeles, mais especificamente na Rua Azuza, em uma comunidade de negros. Onde o pastor negro Willam Seymour foi o seu dirigente. 
"De qualquer forma, o começo do pentecostalismo tem um tempo e um espaço demarcados: uma comunidade de negros na Azuza Street em Los Angeles, 1906. Essa comunidade, dirigida por William J. Seymour, um negro ecumênico que animava uma espiritualidade entusiasta acima de raça e classes, produz uma interpretação da tradição metodista da santidade e presencia um fenômeno que se tornará o estopim dos fatos que se sucederão posteriormente. Seymour desenvolveu uma interpretação da passagem de At 2,4 que diz: "Todos ficaram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar novas línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem". [...] No dia 06 de abril, após longa jornada de oração e imposição das mãos, um menino fala em línguas, sendo seguido por outros fieis. O fenômeno alastra-se pela cidade e atrai um número cada vez maior de fieis protestantes, que vêm presenciar o milagre. Chicago será um centro divulgador do movimento, que vai, então apresentar-se como um grupo autônomo denominado pentecostal" (PASSOS, 2005, p.50). 
Com o surgimento do pentecostalismo à religião cristã sofre mais uma mudança de paradigma. Antes somente existia à Igreja Católica, Igreja Ortodoxa e as Igrejas protestantes históricas (Luterana, Presbiteriana, Batista, Anglicana e Metodista). O pentecostalismo passa a ser outro sub-grupo cristão. Pode-se dizer que à principal distinção entre as comunidades pentecostais e as outras Igrejas, é a sua ênfase na experiência pessoal do Batismo no (ou com) Espírito Santo, que tem como evidência, o falar em outras línguas. Quando se tira esses elementos, as comunidades pentecostais perdem à sua identidade. 

2. O PENTECOSTALISMO NO BRASIL.
Ser dinâmico e místico são características do pentecostalismo. Ele é capaz de se moldar e se recriar conforme o contexto social onde está localizado. Por ser místico e apelar muito para a emoção do que para a razão, o pentecostalismo conquistou o seu espaço entre os brasileiros. Principalmente entre as classes mais pobres da sociedade. 

As maiores representantes do pentecostalismo clássico no Brasil são: 1) Assembleia de Deus; 2) Congregação Cristã no Brasil (conhecida com "Igreja do véu"); 3) Igreja do Evangelho Quadrangular; e 4) Igreja o Brasil para Cristo. Existem outras, mas essas são as que logo no início tiveram mais representatividade. 
"De 1910 a 1950 a presença pentecostal no Brasil foi discreta. Entre 1910 e 1911 surgiram no Brasil as duas principais Igrejas pentecostais - Assembleia de Deus e Congregação Cristã do Brasil -, que ao longo desses quarenta anos desenvolveram-se discretamente. A partir dos anos 1950 até os primeiros anos da década de 1970 as Igrejas pentecostais floresceram no Brasil a ponto de ser difícil, hoje, fazer um levantamento completo delas, principalmente por causa da efemeridade e da itinerância de alguns grupos" (MENDONÇA; FILHO, 2002, p. 46).
De todas as comunidades pentecostais no Brasil a Assembleia de Deus foi a que mais cresceu em número de adeptos. Já as outras não se tornaram tão populares. A Assembleia de Deus foi fundada por dois missionário suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, que no início realizaram o seu trabalho missionário, especificamente, no norte e nordeste do Brasil. A Congregação Cristã do Brasil foi fundada por um imigrante italiano chamado Luigi Francesco. Francesco iniciou suas atividades no bairro do Brás, em São Paulo. 
"As Assembleias de Deus se diferenciam da Congregação Cristã no Brasil porque fazem concessão à comunicação escrita. Têm sua casa publicadora, que edita livros, revistas e o semanário "O Mensageiro da Paz". Tem institutos bíblicos que preparam sua liderança a já começam a sistematizar a teologia através de sucessivas publicação de textos teológicos. O preparo teológico ainda não resultou, nas Assembleias de Deus, em diferença de classe entre liderança e povo. Pode ser que isso ainda venha a acontecer na medida em que a educação intelectual provoque sensível desnível de mentalidade entre líderes e liderados" (MENDONÇA; FILHO, 2002, p. 51).
O ponto fraco do pentecostalismo é não dar tanta atenção à formação teológica superior de seus fieis, principalmente dos líderes. A principal exigência para ser líder de uma comunidade pentecostal é ter sido "batizado no (ou com) Espírito Santo", e, consequentemente falar outras línguas. Não há tanta necessidade de ter curso superior ou algum tipo de educação formal. Talvez isso tenha contribuído com à expansão do pentecostalismo na periferia das grandes cidades brasileiras. Não precisava ser formado para ser um pastor pentecostal, basta apenas falar em línguas.  

Diferentemente, as Igrejas protestantes históricas (que já estavam em atividade no Brasil antes do advento do pentecostalismo), sempre deram muita importância à formação teológica de seus líderes. O aspirante a ser pastor de uma comunidade protestante histórica não pode ser leigo em questões de doutrina e teologia. No entanto, várias comunidades protestantes históricas se estagnaram com o passar do tempo, e não tiveram a mesma expansão numérica das comunidades pentecostais. Esse é o ponto fraco das Igrejas protestantes históricas. 

3. AFINIDADES PENTECOSTAIS
Será que existe alguma afinidade entre o pentecostalismo e o catolicismo popular? Em parte sim. Catolicismo e pentecostalismo são duas tendencias religiosas que tem muito influenciado a vida dos brasileiros. O catolicismo é mais antigo, e o pentecostalismo é mais recente, no entanto, ambos tem algo em comum: o misticismo

O brasileiro sempre está em busca do miraculoso. E isso faz parte de sua cultura. Ele quer de imediato à solução para os seus problemas e angústias. Teorias e estudos teológicos sistematizados não são atrativos. 

As missas de cura e libertação católicas, como as campanhas de oração pentecostais, são meios sagrados pelos quais as pessoas buscam à ajuda de Deus, e também a esperança de encontrarem uma solução para as suas agruras. Podemos dizer que o misticismo une o pentecostalismo e o catolicismo popular. Na medida em que ambos buscam, cada um a seu modo, aliviar os problemas da população. 


Fontes:
MENDONÇA, Antônio Gouvêa; FILHO, Prócoro Velasques. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 2002.
PASSOS, João Décio. Pentecostais: origens e começo. São Paulo, Paulinas, 2005.

2 de abril de 2017

A PRESENÇA PROTESTANTE NO BRASIL: Uma breve síntese histórica.


O protestantismo brasileiro foi gerado pelo protestantismo norte americano, que por sua vez foi gerado pelo puritanismo calvinista britânico do século XVII. Ou seja, os puritanos colonizaram, evangelizaram e implantaram sua cultura religiosa na América do norte, tornando-se assim um país culturalmente protestante. Muitos anos depois vários missionários americanos foram enviados para o Brasil. Com o objetivo de darem continuidade à missão de evangelizar os nativos brasileiros na fé cristã protestante.

O objetivo do presente texto é ser uma concisa fonte de conhecimento histórico para todos os interessados em saber como as Igrejas protestantes históricas chegaram ao Brasil e também, na medida do possível, servir de auxílio nas aulas do Ensino religioso. 


1. Protestantismo imigratório.

Houve durante o período do Brasil colônia duas tentativas  de colonização protestante. Uma feita pelos franceses que durou de 1555 a 1560, e outra realizada pelos holandeses que vai de 1630 a 1654. Entretanto, essas duas expedições caíram no fracasso. Só a partir de 1810, mais ou menos dois século depois, é que os protestantes vão conseguir conquistar algum espaço nas terras brasileiras. 

Os luteranos alemães foram os primeiros a imigrarem para o Brasil. Logo no inicio eles não estavam interessados em realizar alguma atividade proselitistas, isto é, conquistas novos adeptos para sua religião. Estavam com o objetivo de fixar residência, de preferência nas regiões sul e sudeste. 

"Esses luteranos, especialmente da região Sul do Brasil, não tiveram quase nenhum apoio de sua matriz na Alemanha. Eles eram agricultores de pouca escolaridade e a religião era o seu espaço de identidade social. Por isso, organizaram-se numa forma popular de religião, através de Igrejas autônomas que não foram consideradas plenamente igrejas. Permanecendo em grupos, conservando sua língua e tradição. Desse modo, constituíram um protestantismo de imigração, camponês e de língua alemã, que praticavam através de arranjos possíveis" (DOMEZI, 2015, p. 146).
Não era fácil ser imigrante luterano em um país majoritariamente católico. A legislação brasileira de 1824 concedia uma certa liberdade religiosa para os estrangeiros, no entanto, os imigrantes luteranos não usufruíam plenamente de todos os direitos constitucionais. Além disso existia também o preconceito da população, que olhavam os luteranos como hereges e inimigos da Igreja. 

Com o passar do tempo os imigrantes luteranos foram se adaptando ao contexto brasileiro, e começaram lentamente a implantar a cultura protestante em várias regiões do Brasil. Além do Rio Grande do Sul foram progressivamente fixando residencia no Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Espírito Santo e no sul de Minas Gerais.


No inicio duas igrejas luteranas foram implantadas no Brasil: A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB), e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB).  


Essas duas comunidades são as maiores representantes da fé protestante luterana no Brasil. No entanto, é possível que com o passar do tempo elas podem ter feito ou sofrido algum tipo de mudança teológica e litúrgica. Antropologicamente é possível afirmar isso. Toda religião que sai do seu lugar de origem, e se expande para lugares e contextos diferentes, será obrigada a fazer algum tipo de mudança. Caso contrário ela não conseguirá se adaptar ao novo contexto. Para mais informações sobre essas comunidades acesse esses links: IECLB , IELB   

2. As missões protestantes.

As missões protestantes só tiveram um avanço significativo com à chegada dos missionários americanos na segunda metade do século XIX. As comunidades luteranas que nesta época já estavam instaladas no Brasil, ficaram um tanto que fechadas entre si. Eram comunidades de alemães para alemães. Entretanto, com o passar dos anos, os luteranos perceberam à necessidade de terem um envolvimento mais próximo com os brasileiros, e abrindo suas portas para recebê-los.

Como falei no início desta postagem, o protestantismo brasileiro é "filho" do protestantismo americano. Os missionários americanos das mais diversas denominações (congregacionais, presbiterianos, metodistas, batistas, episcopais e como muito tempo depois os pentecostais), encontraram um momento muito oportuno para realizarem o seu trabalho missionário no Brasil.


Um dos fatores para essa abertura (que estrangeiros de igrejas não-católicas fossem recebidos no Brasil), foi o clima de tolerância religiosa que à legislação brasileira da época proporcionava. Ainda que catolicismo fosse à religião majoritária entre o povo brasileiro. Mas diga-se de passagem que essa tolerância não foi plena. Uma religião dominante nunca vai perder o seu status para outra religião concorrente.

"Essa imigração fez com que a Constituição brasileira de 1824, mesmo mantendo o catolicismo como religião do Estado, estabelecesse uma tolerância em relação aos outros cultos, como convinha a uma sociedade burguesa. Porém, era proibido a prática pública desses cultos, e os imigrantes não católicos eram considerados de segunda categoria, sem acesso a diversos dos direitos sociais" (DOMEZI, 2015, p. 142).
Como qualquer religião institucional o protestantismo tem dentro de si várias vertentes. Assim, é mais coerente falar em "protestantismo" no plural, do que protestantismo no singular. 

Essa postagem ficaria muito extensa se cada uma dessas vertentes fosse analisada. Um ponto convergente entre todas essas vertentes do protestantismo é que elas tem o mesmo objetivo: conquistar o maior número possível de pessoas para a fé cristã


Então darei ênfase ao trabalho missionário dos presbiterianos calvinistas. Mas por que? Por possuir um conhecimento histórico mais sólido sobre eles, e também pela significativa atuação na área da educação entre as pessoas mais pobres da sociedade. 


2.1. Ashbel Green Simonton - O implantador do presbiterianismo no Brasil.


O missionário americano Ashbel Green Simonton (1833-1867), foi o responsável pela implantação do presbiterianismo no Brasil em 1859. Essa vertente do protestantismo é muito fiel ao pensamento teológico-religioso do reformador francês João Calvino (1509-1564). 
Simonton começou suas atividades no Rio de Janeiro, onde, em 1862 fundou a primeira Igreja Presbiteriana no Brasil. O presbiterianismo foi o ramo do protestantismo que mais de expandiu em meados do século XIX. No entanto, foi sendo superado pelos batista já no inicio do século XX.
"Os presbiterianos brasileiros são fieis a João Calvino quanto ao governo eclesiástico. Organizam-se a partir de relativa autonomia da congregação local, num sistema federativo e piramidal de concílios. Cada congregação local tem um conselho de presbíteros leigos eleitos poe ela; um grupo de congregações locais forma um presbitério; um grupo de presbitérios forma um sínodo, e todos os presbitérios formam o supremo concílio ou assembleia geral" (MENDONÇA;FILHO. 2002, p. 36).
Como o passar do tempo, o presbiterianismo brasileiro foi se dividindo e engendrando outras denominações. No início haviam somente seis denominações presbiterianas, são elas: Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPI), Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU), Igreja Presbiteriana Conservadora (IPC), Igreja Presbiteriana Fundamentalista (IPF) e Igreja Presbiteriana Renovada (IPR).  Para mais informações sobre o presbiterianismo no Brasil acesse este link: Presbiterianismo no Brasil

2.2. A educação como estratégia missionária. 
O protestantismo histórico é essencialmente "uma religião do livro", ou seja, a Bíblia é a principal coluna da fé protestante. Então, para poder lê-la e interpretá-la é necessário que o individuo seja alfabetizado. Os missionários protestantes, e mais especificamente os presbiterianos, ao chegarem ao Brasil viram a carência educacional da população mais pobre. As pessoas eram, em sua maioria, analfabetas.
"A carência de instrução também era um notável empecilho ao aprendizado da doutrina protestante, todo ele calcado na leitura da Bíblia, livros, revistas e jornais, que logo começaram a ser publicados por iniciativa das missões. O cultos protestante, especialmente como foi introduzido aqui, é, ao contrário do católico essencialmente simbólico e ritualizado, caracteristicamente informal e discursivo. [...] Daí não ser difícil concluir que a evolução do protestantismo dependia, em grande dose, da alfabetização de seus adeptos atuais, e em potencial da criança" (MENDONÇA, 2008, p. 148).
Mas que tipo de educação foi essa? Quais foram os seus métodos pedagógicos? Essa educação conseguiu erradicar o analfabetismo entre as camadas mais pobres? Há pouquíssimos dados históricos que nos conduzam a uma afirmação concreta. Entretanto, é possível supor que essa educação seguia os padrões norte-americanos. 
"É justo pensar que parecia estar presente no espírito missionário a necessidade de reproduzir no Brasil o acontecido na América do Norte: se o êxito americano podia ser atribuído à colonização por povos protestantes, o Brasil podia ser colocado no mesmo caminho por via de um transplante cultural em todos os seus aspectos" (MENDONÇA, 2008, p. 163).
Será que se o Brasil tivesse sido colonizado pelos americanos, logo no início, ele seria um país melhor do que é hoje? Talvez sim. A America do Norte ainda é a maior potencia econômica do mundo. Logo no início à sociedade americana foi moldada por princípios éticos protestantes que até hoje fazem parte da vida de muitos americanos. É característico do protestantismo valorizar a educação. Quando um país não tem interesse pela educação a tendencia dele é ser um país atrasado e subdesenvolvido. 

Não é possível comprovar se as missões protestantes conseguiram introduzir à Bíblia como leitura habitual do povo brasileiro. Existiram muitos obstáculos como a intolerância por parte do catolicismo, que era a religião dominante, como o alto índice de analfabetismo da população. E sejamos sinceros, de lá para cá, à situação não mudou muito!



Fontes:

DOMEZI, Maria Cecilia. Religiões na história do Brasil. São Paulo. Paulinas, 2015.
MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo. Edusp, 2008.
MENDONÇA, Antonio Gouvêa; FILHO, Prócoro Velasques. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo. Loyola, 2002.

5 de março de 2017

A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA EXPANSÃO DO CRISTIANISMO PRIMITIVO - Um estudo sociológico.


Há muitos detalhes sobre a vida dos cristãos primitivos que nós desconhecemos. Existe muita literatura escrita e publicada contando e recontando a história deles. A principal fonte é o livro histórico dos Atos do Apóstolos, escrito pelo médico Lucas, que segundo a tradição cristã foi companheiro de viagens do apóstolo Paulo. Depois vem outras literaturas históricas que procuram fazer algumas complementações sobre como era o cotidiano da comunidade cristã primitiva. Mas aqui cabe uma observação: tem sido dada muita ênfase às atividades dos homens, e pouquíssima coisa é dita sobre à atuação das mulheres.

Pessoalmente comparo a história dos cristãos primitivos como um "grande bolo", no qual o livro dos Atos dos apóstolos é apenas uma "pequena fatia" deste bolo. Ou seja, Lucas não diz tudo o que aconteceu naquela época do primeiro século da era cristã. Há muito mais coisas para serem descobertas e escritas.

O presente texto tem como objetivo dar destaque especial à atuação das mulheres na sociedade de seu tempo, e como elas contribuíram na expansão da religião cristã antiga. E ao mesmo tempo conhecer um pouco melhor o "contexto social" onde elas viveram.

1. A decadência moral do mundo greco-romano clássico.
Historicamente a religião cristã surgiu em um contexto onde quem dominava o mundo era o Império Romano. Naquele tempo à sociedade era politicamente dominada pelos romanos e intelectualmente dominada pelo pensamento grego. Com essa junção surgiu o que podemos chamar de ambiente "greco-romano".

Naquela sociedade o homem era o centro de tudo, isto é, os homens eram quem ditavam as regras. Em um contexto como esse, onde homem é o chefe supremo, as mulheres não tinham vez e voz. Elas tinham um status inferior na sociedade. As mulheres romanas e atenienses sofriam bastante.
"O status das mulheres atenienses era muito inferior. As meninas recebiam pouca ou nenhuma educação. Em geral, as mulheres de Atenas casavam-se na puberdade e muitas vezes até antes. Segundo a lei ateniense, a mulher era considerada como criança, independentemente da idade, e, portanto, constituía propriedade legal de alguns homens em todos os estágios de sua vida. Os homens podiam divorciar-se pela simples dispensa de uma esposa da casa. Além disso, se uma mulher fosse seduzida ou raptada, seu marido era legalmente obrigado a divorciar-se dela. Se uma mulher quisesse o divórcio, seu pai ou algum outro homem tinha de levar o caso à apreciação de um juiz. Por fim, as mulheres atenienses podiam possuir bens, mas o controle da propriedade sempre cabia aos homens, aos quais ela "pertencia". (STARK, 2006, p.117).
Pelo que podemos ver, as leis eram feitas para proteger e conceder mais direitos aos homens do que para as mulheres. Igualdade entre homens e mulheres era algo estranho para o mundo greco-romano. É possível afirmar que nesse contexto a mulher era mais considerada com um objeto do que como pessoa. 



Além desse fato, existia uma prática mais desumana: o aborto e o infanticídio de crianças recém-nascidas. Penso que em uma sociedade onde esse tipo de prática é aprovada, ela não ficará de pé por muito tempo. Talvez esse tenha sido um dos motivos da desgraça do mundo greco-romano. 
"Era comum abandonar ao relento uma criança indesejada, pois assim ela podia, em principio, ser recolhida por alguém que desejasse criá-la, mas nessas condições geralmente era vitimada pelas intempéries ou pelo animais e pássaros. O abandono de crianças era prática não só muito corriqueira, como também legalmente justificada e defendida pelos filósofos" (STARK, 2006, p. 134).
Nem tudo o que os filósofos gregos disseram ou ensinaram merece o nosso respeito. Qualquer tipo de filosofia que pregue ou incentive à morte de inocentes deve ser descartada. 

No mundo greco-romano o número de homens era maior do que o das mulheres.  Isso por causa do aborto. Muitas mulheres morriam ao abortarem seus bebês. E os métodos abortivos da época eram muito inadequados.  
"Dessa forma, o aborto não só impedia a ocorrência de muitos nascimentos, como também levava à morte grande número de mulheres, antes que pudessem dar sua contribuição à fertilidade. O resultado dessa prática era uma incidência significativa de casos de infertilidade nas mulheres que sobreviviam aos abortos" (STARK, 2006, p. 135).
Há algumas razões para que a prática do aborto no mundo greco-romano fosse tão comum: 1) Promiscuidade - é possível que mulheres casadas (e também solteiras) engravidavam de outro homem na ausência do marido, e com isso, secretamente praticavam o aborto; 2) Questões econômicas - mulheres pobres abortavam por não terem condições de sustentar um filho, e as mulheres ricas faziam aborto para não compartilhar os seus bens com muitos herdeiros; 3) O poder do homem - a legislação romana dava ao homem o poder de vida e morte sobre os membros da família. Tudo indica que uma das maiores causas de aborto no mundo greco-romano vinha por determinação masculina. Quando uma criança era indesejada o marido mandava a esposa ou amante abortar. Somente bebês com boa formação física e do sexo masculino poderiam viver. 

Esses fatores sociais servem para mostrar o que pode levar uma sociedade ao declínio. Por trás de todos os problemas sociais, culturais e econômicos, existe o declínio moral. Não é à toa que grandes reinos e impérios caíram. E qualquer semelhança com o Brasil e com outros países não é mera coincidência!

2. A contribuição das mulheres na expansão do cristianismo primitivo. 

A situação das mulheres dentro da religião cristã era muito melhor, comparando com à realidade das mulheres pagãs do mundo greco-romano. O cristianismo antigo tinha valores que proporcionavam as mulheres a terem um "status mais elevado" dentro da comunidade cristã. 

Se no mundo greco-romano pagão tinha mais homens do que mulheres. No cristianismo antigo a situação era inversa: tinha mais mulheres do que homens. Essa diferença parte do princípio de que dentro da religião existiam normas éticas que proibiam o aborto e o infanticídio de crianças de ambos os sexos. É possível supor que nasciam mais meninas do que meninos. 
"Em primeiro lugar, um aspecto importante do avançado status das mulheres na subcultura cristã é que as cristãs não toleravam o infanticídio. Isso decerto era o resultado da proibição contra todos os infanticídios. No entanto, a concepção mais favorável do cristianismo em relação às mulheres também é demonstrada em sua condenação do divórcio, do incesto, da infidelidade conjugal e da poligamia". (STARK, 2006, p. 119).
Havia muitas mulheres solteiras, férteis e prontas para o casamento. Mas como o número de homens cristãos era menor, muitas dessas mulheres se casaram com homens pagãos do mundo greco-romano. E isso gerou um grande número de casamentos exogâmicos, isto é, casamentos mistos. Os homens acabavam se "convertendo" à religião da esposa, e muito provavelmente os filhos que eram gerados foram sendo criados nos princípios da religião cristã. 
"Tanto Pedro como Paulo sancionaram o casamento entre cristãos e pagãos. Pedro exortava que as mulheres de maridos inconvertidos se sujeitassem a eles, de modo que os homens pudessem ser atraídos para a fé ao "observarem vosso comportamento casto e respeitoso" (1Pd 3,1-2). Paulo dá instruções semelhantes, notando que "o marido incrédulo é santificado pela esposa" (1Cor 7,13-14). Ambas as passagens são comumente interpretadas como dirigidas a pessoas cuja conversão se dera após o casamento" (STARK, 2006, p. 127).
Também é possível afirmar que algumas dessas mulheres tiveram à sorte de contrair núpcias com homens da elite romana. Esses casamentos mistos geraram muitas "conversões secundarias", para à religião cristã. Ou seja, as mulheres abraçavam a fé (conversão primária), e os homens por causa da influência religiosa da esposa também abraçavam a fé (conversão secundária). Sem dúvida o cristianismo antigo era muito atraente para as mulheres.

Tudo também indica que as mulheres assumiam posições de liderança dentro da religião. Mas diga-se de passagem que esse é um tema que causa muita polêmica em algumas comunidades cristãs tradicionais contemporâneas. 
"No que se refere ao status das mulheres na Igreja primitiva, acredita-se muito na passagem de 1Cor 14,34-35, em que Paulo parece proibir as mulheres até de falar na Igreja. Laurence Iannaccone (1982) sugeriu que esses versículos teriam sido o oposto da posição de Paulo, configurando-se na realidade como citação de alegações feitas em Coríntios e que Paulo então refutara. Certamente a afirmação discrepa de qualquer coisa mais que Paulo tenha escrito a respeito do papel adequado das mulheres na Igreja. Além disso, por diversas vezes Paulo reconhece as mulheres em posição de liderança em várias comunidades" (STARK, 2006, p. 123).
É comprovado que na religião cristã antiga as mulheres assumiam a função de "diaconisas" (servas), e que estavam a frente das obras de caridade e beneficência.  Houve uma diaconisa na cidade de Roma cujo o nome era Febe, que contribuía na ordem litúrgica dos cultos e na obra social.
"Em Rm 16,1-2, Paulo apresenta e recomenda à comunidade de Roma "nossa irmã Febe, diaconisa da Igreja de Cencréia", que lhe fora de grande préstimo. Os diáconos tinham importância considerável na Igreja primitiva, prestando assistência às funções litúrgicas e administrando as atividades beneficentes e assistenciais da Igreja" (STARK, 2006, p. 124).
É grande a diferença entre o mundo greco-romano pagão e o cristianismo primitivo, em relação a atitude para com as mulheres. Mas por trás disso existe algo machado "cosmovisão", isto é, visão de mundo. O cristianismo primitivo nasceu em um contexto onde o poder do macho (machismo) era a ideologia dominante. Já a religião cristã defendia (e defende) que "homens e mulheres são juntos "a imagem e semelhança de Deus", e com isso um não pode subjugar o outro. 

Para concluir podemos dizer que o cristianismo antigo foi, em sua época, um movimento religioso revolucionário, porque ele trouxe dignidade e respeito para as mulheres, coisa que o mundo greco-romano pagão desconhecia. 

Fonte:
STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo: Um sociólogo reconsidera a história. São Paulo. Paulinas, 2006.

24 de janeiro de 2017

RELIGIOSIDADE AFRICANA: conhecendo um pouco sobre nossas raízes.

É possível dizer que geneticamente todo brasileiro tem um pouco de africanidade no sangue. E isto é comprovado pela herança cultural que os africanos deixaram na formação do Brasil desde os tempos da colonização portuguesa. Conhecer a cultura e a religiosidade africana é ao mesmo tempo conhecer um pouco melhor à nossa própria formação histórica.

O presente texto tem o objetivo de mostrar alguns aspectos peculiares da religiosidade do povo africano, e ao mesmo tempo suscitar reflexão e conscientização sobre a relevância de respeitar os seus costumes e crenças. 
Três religiões dominam a África moderna. O cristianismo se encontra sobretudo no sul e ao longo dos litorais leste e oeste. O centro do Islã fica na África setentrional árabe, mas historicamente essa religião sempre teve penetração também ao sul do Saara. Há, por fim, as religiões primais, ou tribais, ou tradicionais, as mais difundidas antes da invasão cultural ocidental e árabe. Na África moderna, a estrutura tradicional baseada na aldeia está desaparecendo e, juntamente com ela, o fundamento das antigas religiões, que era a vida familiar e tribal. As religiões africanas tradicionais não têm textos escritos, o que torna seu estudo difícil para os pesquisadores. Boa parte do conhecimento que temos sobre essas religiões, reunidos durante os últimos séculos, apóia-se nos relatos de observadores europeus, sejam eles mercadores, colonizadores ou missionários (GAARDER; NOTAKER;HELLERN, 2000, p.89).
As religiões tribais africanas são essencialmente "animistas", isto é, acreditam que em todos os lugares existe algum tipo de espírito, e são esses espíritos os responsáveis pela vida e movimento da vida. Por causa dessa crença, as religiões africanas olham tudo ao seu redor como sagrado. Uma coisa interessante é a preservação da natureza. Para o africano o homem tem o dever de estar em harmonia com a natureza, e em troca ela o recompensará lhe dando a chuva e uma boa safra.   


Animismo - "Crença em seres espirituais", segundo definição do etnólogo inglês E.B. Tylor (1832-1917). Em sentido amplo, o termo indica o conjunto de crenças pertinentes a um princípio superior (força vital, alma) que existe nos lugares e objetos (Dicionário histórico de religiões, p. 35).


Estudar e compreender a mitologia africana é a forma mais sensata para analisar a religiosidade africana. Os mitos foram passados de geração em geração pela oralidade, ou seja, os mais velhos narravam e explicavam aos mais jovens as histórias e façanhas dos deuses e dos antepassados míticos na criação do mundo. 
"Baseando-se nos mitos, que nunca eram escritos, mas passados oralmente de geração em geração, os estudiosos já tentaram descobrir o que caracteriza a crença divina dos africanos. Na maioria das tribos existe a crença num deus supremo, embora este receba muitos nomes. Normalmente associado ao céu, é ele que concede a fertilidade, e em alguns mitos é representado ao lado da deusa associada à terra. Foi esse deus supremo que criou todas as coisas vivas, os animais e o ser humano. Foi ele ainda o responsável pelos decretos que regulam a sociedade, pelos costumes a que a tribo tem o dever de obedecer. (GAARDER; NOTAKER; HELLERN, 2000, p. 91)".
Qualquer semelhança com o Deus judaico-cristão (Javé) não é mera coincidência. Se os africanos tivessem deixado escrito todas as suas crenças muito provavelmente teriam melhor preservado as suas  tradições. Esse é o lado bom de se ter textos escritos, eles são um eficaz meio de preservação. Vejamos agora algumas divindades da mitologia africana e que com o passar do tempo já fazem parte das religiões de matriz africana-brasileira. 

1. Iansã (Oiá) - Deusa das tempestades, dos ventos e da sexualidade feminina. Domina os eguns (mortos). Antes mulher de Ogun, fugiu de Xangô, que a seduzira, o que provocou grandes lutas entre os orixás.

2. Ogum - Deus do ferro e da guerra. Vencedor das Demandas. Artífice da forja, patrono das armas manuais, vida cheia de aventuras amorosas. Segundo filho de Iemanjá, aventureiro e conquistador de reinos.


3. Xangô - Poderoso orixá iorubá, deus dos raios e do trovão, filho de Iemanjá e Oxalá. Foi grande rei, orgulhoso e dominador, mas justo.


4. Oxalá - Grande pai do orixás. Filho de Olórum, o criador supremo, criou o mundo e a humanidade. Possui duas formas: um guerreiro vigoroso e nobre, Oxaguiã, e um ancião cheio de bondade, Oxalufã.


5. Exu -  Mensageiros do orixás, é um diabrete que mantém a ordem e pune os transgressores. Primeiro filho de Oxalá e Iemanjá, foi expulso de casa por ser muito travesso, e o país onde vivia ficou na miséria até que lhe foram dados presentes; por isso é o primeiro a receber oferendas nos rituais. [...] No sincretismo religioso foi associado ao diabo cristão e transformado em uma multidão de entidades que formam o Povo da Rua e as linhas da quimbanda. (Dicionário histórico de religiões, p. 424). 


Será que o deus africano Exu e o diabo bíblico são o mesmo personagem? Certamente não. Há três diferenças entres eles: 


1) Exu é um deus para os africanos. No caso do diabo, segundo alguns especialistas, ele foi um ser (anjo) criado pelo Deus Javé, que com o passar do tempo se corrompeu (mas diga-se de passagem que a própria Bíblia não explica detalhadamente a origem do diabo). 


2) Exu para os africanos mantém a ordem e castiga os transgressores. Diferentemente o diabo bíblico não possui essas características, ele causa a desordem no mundo e incentiva os homens ao pecado. 


3) Exu tem pai e mãe. Já o diabo bíblico não. Acredito que essas diferenças mostram que Exu e o diabo são apenas personagens diferentes de culturas diferenças e de religiões diferentes. Qualquer coisa que passe disso é ignorância e falta de conhecimento.


Outra característica das religiões tribais africanas é o culto aos antepassados. Para o africano à morte não aniquila os laços familiares. Mesmo depois de mortos os parentes continuam tendo ligações com a tribo. Pode acontecer de um adulto se transformar em uma espécie de espírito ancestral ou deus ancestral, e ser respeitado e venerado pelos membros da família. 

"O homem que é considerado o pai fundador de uma linhagem de chefes com frequência é cultuado como um deus acima de todos os outros, uma divindade nacional. [...] Culto aos antepassados é uma expressão que implica interação entre os vivos e os mortos. O vivos obtêm força e socorro de seus ancestrais; ao mesmo tempo, os mortos dependem das oferendas de seus descendentes: é por meio desses sacrifícios que adquirem sua força e potência. Se não receberem oferendas, irão "morrer", isto é, cessar completamente de existir" (GAARDER; NOTAKER; HELLERN, 2000, p. 93).
O Brasil não é somente católico ou evangélico, ele também é afrodescendente. Os brasileiros são um povo mestiço, formado por três etnias: indígena, portuguesa e africana. E essa mistura faz dos brasileiros um povo culturalmente rico. Principalmente na música e na gastronomia. Entretanto, essa mistura trouxe alguns problemas. A religiosidade africana, com seus ritos e crenças, continua sendo algo estranho para muitos brasileiros. O preconceito contra as religiões de matriz africana como à umbanda e o candomblé está muito presente em nossa sociedade. 

Para que haja uma mudança de mentalidade é necessário que exista uma boa educação. O preconceito é o resultado da ignorância. E ele poderá ser diminuído quando existir nos brasileiros interesse de conhecer mais profundamente as suas raízes, e também tentar compreender o porquê das origens e crenças dos povos africanos.



Fontes: 
AZEVEDO, Antonio C. do Amaral. Dicionário histórico de religiões. Nova fronteira, 2002.
GAARDER, Jostein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das religiões. Cia das letras, 2000.

13 de dezembro de 2016

RELIGIÃO E LUTO - O que as religiões entendem sobre a morte?


Ninguém gosta da morte, mas também nenhum ser vivo conseguiu escapar dela. Para morrer basta estar vivo. O luto é um momento muito difícil. A morte de uma pessoa querida pode causar mudanças radicais na vida de uma família. Ela pode aproximar as pessoas como também pode separá-las. E quando existe herança do falecido para ser repartida, aí à situação pode se agravar ainda mais. Esses são apenas alguns dos efeitos sociais que a morte causa.

Outro efeito é levar as pessoas a pensarem e refletirem sobre a transitoriedade da própria existência humana. O homem nasce, cresce, se reproduz e morre. Esse ciclo repetitivo acompanha a humanidade desde a sua origem. E durante esse tempo as pessoas sempre fizeram essas perguntas: O que acontece depois da morte? Será que só existe esta vida terrena? As religiões (cada uma ao seu modo), sempre tentaram dar um resposta para esses questionamentos existenciais. Que de tempos em tempos voltam a atiçar à cabeça das pessoas.

Em nossa sociedade ocidental que se tornou materialista e hedonista, o tema morte é um grande tabu. Entretanto, é necessário encararmos esse assunto de frente, principalmente quando as crianças fazem perguntas sobre à vida, seja em casa e na escola. 

O objetivo dessa postagem é tentar entender como à morte é vista nas grandes tradições religiosas. E também, na medida do possível, amadurecer nosso entendimento sobre essa temática. 

1. Cristianismo
É consenso entre os cristãos a crença na existência de vida após a morte. Entretanto, católicos e protestantes possuem algumas ideias diferentes sobre esse tema. Além da crença do céu e inferno, os católicos defendem a existência de um lugar chamado purgatório.
"Embora haja distinções entre os cristãos quanto ao que qualifica a pessoa para a salvação ou a condenação eterna, é consenso em todas as denominações que os salvos passarão a eternidade recompensados na paraíso ou no céu, ao passo que os condenados serão punidos para sempre no inferno. A localização exata da vida eterna é uma questão complexa tanto para os teólogos quanto para os devotos. Na Idade Média os cristão viam quatro locais possíveis para a alma depois da morte: céu, inferno, purgatório ou limbo". (HALE, 2007, p. 84).
Historicamente algumas Igrejas cristãs que são originárias da Reforma Protestante não aceitam a ideia do purgatório. Para essas comunidades somente a fé em Cristo é suficiente para conduzir a alma do falecido ao reino dos céus. Para os protestante a ideia do purgatório passa a mensagem de que à morte de Cristo na cruz não foi totalmente eficaz. Esse é um ponto de divergência. Para um estudo mais especifico sobre o purgatório acesse este link: Purgatório.

Um ponto importante que quero destacar aqui é que a morte para o verdadeiro cristão não é algo que cause medo. Pelo contrário, deve ser vista como uma porta de entrada para a bem-aventurança eterna. Infelizmente em nossa sociedade ocidental contemporânea, a morte causa muito medo nas pessoas. Talvez um dos principais motivos para isso seja não saber o que existe do "outro lado da vida". 

Na Idade Média morrer era visto como algo normal. Até mesmo as pessoas ao saberem que a morte estava próxima, se preparavam para recebê-la.  
"Sem fanfarronadas, sem criar casos, sem se vangloriar de que não morriam; todos admitiam a morte tranquilamente (grifo do autor). Não apenas não retardavam a o momento de prestar contas, como também se preparavam calma e antecipadamente, designavam quem ficaria com o jumento, quem ficaria com a galinha... E extinguiam-se com uma espécie de alívio como se devessem simplesmente mudar de isbá" (ARIÈS, 2012, p. 40).
Que diferença entre os medievais e os contemporâneos! Os primeiros conseguiram "domesticar" a morte, ou seja, ela não causava medo neles. Eles viam a morte como algo normal da existência humana. Por traz disso estava a crença de que ao morrer, a alma do falecido estaria segura com Deus. 

Já os contemporâneos, por viverem em uma sociedade liquida, que não tem valores e convicções, acabam sendo "domesticados" pela morte. Ela causa medo. E tudo deve ser feito para evitá-la. Com isso posso afirmar que os medievais tinham mais tranquilidade diante da morte do que os contemporâneos. Para eles a morte não era um tabu.

2. Islamismo.
A comunidade islâmica também acredita que existe vida após a morte. Semelhante aos cristãos, os muçulmanos creem que haverá uma grande ressurreição dos justos e o juízo final. Só que o caminho para se alcançar a vida eterna é ser fiel aos ensinamentos do Alcorão. 
"... a tradição islâmica mantém-se fiel à ideia da vida após a morte, cujo conhecimento só pode ser adquirido por meio da revelação divina, o Alcorão. Considera-se a crença na vida após a morte um aspecto essencial da fé islâmica, porque com ela os muçulmanos afirmam Deus e sua presença venerável. Ela também explica o significado e a finalidade desta vida, com suas muitas provações e exigências" (GORDON, 2007, p. 118).
Para o cristão é a fé em Cristo que garante a entrada no paraíso, para o muçulmano é a fé no Alcorão que vai lhe dar à certeza de que após a morte ele estará seguro. Cada religião tem sua forma particular de entender o pós-morte.

3. Hinduísmo.
Diferente dos cristãos e muçulmanos, os hindus acreditam na ideia de reencarnação da alma. A doutrina do carma é de grande importância para entender a ideia de vida após a morte no Hinduísmo. 
"A lei do carma refere-se, assim, a um sistema de causa e efeito que pode abarcar várias vidas: os seres humanos ganham mérito (punya) ou demérito (papa) com base em cada ação realizada" (NARAYANAN, 2007, p. 136).
O que se faz aqui trará consequências nas outras vidas. A lei do carma tem uma influência muito grande no comportamento dos hindus. Se alguém deseja viver melhor em outra reencarnação terá que se esforçar para fazer boas ações na presente vida. Caso contrário, as outras vidas não serão muito boas.

Há no hinduísmo vários textos sagrados como: Vedas, Upanishard, Bragavad-Gita e os Puranas. Esses textos são que dão base as crenças religiosas do hinduísmo.  Um coisa interessante é que os puranas relatam a existência de céus e infernos no universo religioso hindu.
"Embora a reencarnação e a libertação sejam os aspectos da vida após a morte mais discutidos no hinduísmo, os Puranas falam de muitos tipos de céus e infernos. Em alguns textos descrevem-se detalhadamente sete mundos inferiores e sete céus, conquanto os relatos das diversas regiões paradisíacas refiram-se normalmente a dançarinas e árvores que realizam desejos - um imaginário de um lugar de deleite orientado pela perspectiva masculina. Na tradição hindu a permanência de uma alma num inferno ou paraíso geralmente é vista como temporária. A alma renasce numa dessas regiões se acumulou alguns tipos de carmas bons ou maus; mas, quando esse carma se esgota, ela passa para uma forma de existência diferente" (NARAYANA, 2007, p. 157).
Céu e inferno não são crenças exclusivas de cristãos e muçulmanos, até os hindus acreditam nisso. A diferença é que a permanência no céu ou inferno vai depender da quantidade de carma que a alma do falecido tem. É interessante quando se descobre que existem pontos comuns entre as diferentes religiões. 

4. Budismo.
Como o budismo foi um movimento religioso que saiu do hinduísmo, muito do que os budista entendem sobre vida após a morte veio do hinduísmo.
"As ideias budistas tradicionais sobre a morte baseiam-se na antiga doutrina indiana do samsara, traduzindo como "reencarnação", "transmigração" ou simplesmente "renascimento", mas que significa literalmente "rotação" de uma vida para outra" (ECKEL, 2007, p.192).
A diferença é que Buda procurou quebrar esse ciclo repetitivo de reencarnações. Para ele a samasa era uma prisão eterna. Mas como assim? Buda viu que as pessoas eram obcecadas em fazer boas obras com o objetivo de alcançar uma vida melhor. E isso causava apego e consequentemente o sofrimento. Em suma, alimentar a roda da samasa com ações cármicas não trazia para o budista a libertação do sofrimento. Era necessário alcançar o nirvana. Significado do nirvana
"De acordo com a tradição budista, Buda atingiu o nirvana em duas etapas. Sob a árvore bodhi, no momento do seu "despertar", ele entendeu que não estava mais alimentando o samsara com ações cármicas; em outras palavras, todo o desejo nele havia acabado. Décadas mais tarde, no momento de sua morte, conhecido como parinirvana ou "nirvana final (ou completo)", todo o carma residual de Buda se esgotou e ele foi inteiramente libertado do samsara, para nunca mais reencarnar. Com sua morte, ele parou de existir" (ECKEL, 2007, p. 192).
A ideia do nirvana distancia o budismo do hinduísmo. Agora o alvo de todo budista não é viver reencarnado constantemente, mas sim se libertar desse ciclo e deixar de existir. Com isso, é possível afirmar, que o conceito de céu e inferno não tem espaço no mundo religioso budista. 


Fontes:
ARIÈS, Philippe. História da morte no ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro. Nova fronteira, 2012. 
HALE, Rosemary Drage. Cristianismo. In: COOGAN, Michael. Religiões. São Paulo. Publifolha, 2007.
GORDON, Matthew S. Islamismo. In:____
NARAYANA, Vasudha. Hinduísmo. In:____
ECKEL, Malcolm David. Budismo. In:____

6 de dezembro de 2016

JUDAÍSMO - A religião dos tempos de Jesus.


Jesus de Nazaré foi um judeu e isso é inquestionável. Ele nasceu, cresceu e viveu em uma cultura judaica. Qualquer pessoa que queira compreender mais profundamente quem foi Jesus, inevitavelmente, terá que conhecer o judaísmo. É impossível separar Jesus do seu contexto cultural.  

O presente texto vai se fundamentar no eixo temático culturas e tradições religiosas. Que “é o estudo do fenômeno religioso à luz da razão humana, analisando questões como: função e valores da tradição religiosa, relação entre tradição religiosa e ética, teodiceia, tradição religiosa natural e revelada, existência e destino do ser humano nas diferentes culturas” (PCNER, 2009, p.50). 

E tem o objetivo de proporcionar um conhecimento básico sobre o judaísmo. Dando atenção às origens históricas, crenças, à vida devocional dos judeus e à relação de Jesus com o judaísmo de sua época.

1. ORIGENS HISTÓRICAS.
Historicamente não se sabe como surgiu o judaísmo. Ele vai progressivamente sendo formado com o passar do tempo. O principal documento histórico que registra os primeiros passos da criação do judaísmo é a Bíblia Hebraica. É nela onde estão preservados os primeiros fatos que mostram como o judaísmo tomou forma. Tudo indica que Abraão e Moisés são os principais fundadores do judaísmo, ou seja, foram eles que construíram às bases de sustentação do judaísmo. Nas palavras de Wilkinson:
“Ninguém sabe ao certo como ou quando o judaísmo surgiu, mas segundo a Bíblia duas figuras foram cruciais para a sua origem. A primeira delas foi Abraão, o patriarca dos judeus, que migrou da Mesopotâmia (o atual Iraque) para a terra de Canaã no Mediterrâneo oriental. A fome impeliu os descendentes de Abraão de lá para o Egito, onde viveram como escravos. Mais tarde seu líder Moisés os levou de volta para Canaã, que Deus prometera aos judeus no tempo de Abraão” (WILKINSON, 2011, p.62).
Há alguns detalhes sobre a vida de Abraão e Moisés que precisam ser mencionados. E que muitas vezes não são observados pelos leitores da Bíblia. Em primeiro lugar, o patriarca Abraão não foi um judeu, ele foi um mesopotâmico. Abraão nasceu e cresceu em um ambiente politeísta, isto é, ele viveu em uma cultura onde várias divindades eram cultuadas.

Em um momento de sua vida, e que está registrado no livro do Gênesis, Abraão teve uma experiência mística com uma divindade que muito tempo depois seria conhecida pelos judeus como YHWH (Javé ou Jeová). Em obediência a essa divindade, Abraão junto com outras pessoas, deixa a sua terra e vai em busca de uma terra cuja a divindade prometeu que seria sua. É com Abraão que o monoteísmo judaico (adoração a um único Deus) começa a tomar forma.

Em segundo lugar, Moisés foi um judeu criado na cultura egípcia. Conforme os relatos que estão registrados no livro do Êxodo, Moisés (que é um nome de origem egípcia), ainda bebê foi encontrado pelas criadas e a filha do faraó, dentro de um cesto no rio. Durante boa parte de sua vida Moisés foi criado e educado segundo os preceitos egípcios. Infelizmente a própria Bíblia não é muito clara sobre esses aspectos “ocultos” da vida de Moisés. Há muitos detalhes sobre ele que continuaremos sem saber. Entretanto, pode-se afirmar que Moisés foi um homem de vasta cultura e conhecimento.

O Êxodo foi um dos acontecimentos mais importantes para os judeus. Pois mostra como o Deus Javé que por intermédio de Moisés conseguiu tirá-los da escravidão do Egito e conduzi-los de volta para a terra que prometeu a Abraão e seus descendentes.  

2. A CRENÇA JUDAICA.
2.1. MONOTEÍSMO.
A base da confissão de fé judaica é: “Ouve, ó Israel: Javé nosso Deus é o único Javé! Portanto, amarás a Javé teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força” (Deuteronômio 6.4).

Para os judeus só existe um único Deus, e ele é o criador e sustentador do mundo. Sua adoração não pode ser direcionada para nenhum outro deus ou objeto. O Deus único do judaísmo não tem imagem ou ícone. Nada que existe na terra pode ser usado para representá-lo. Até mesmo os judeus evitam pronunciar o nome de Deus, pois o tal é sagrado.

Em comparação com o cristianismo, o judaísmo não reconhece Jesus de Nazaré como “Deus encarando”. A divindade de Jesus é um dogma exclusivo dos cristãos, o qual não encontra espaço na crença judaica. Se há somente um único Deus, como um judeu pode prestar culto e adoração a outro deus? Se fosse assim, o judaísmo seria uma religião politeísta e não monoteísta.  

2.2. O MESSIAS.
As alas ortodoxa e conservadora do judaísmo ainda preservam à crença na vinda de um futuro messias. Que será um personagem escatológico que reinará sobre Jerusalém e restaurará o Templo e trará paz ao mundo.
“Essa crença messiânica continua forte no judaísmo ortodoxo, cujos seguidores creem que um Messias reinará um dia em Jerusalém, onde reerguerá o Templo. Outros ramos do judaísmo dão menos ênfase à crença messiânica, concentrando-se nos modos como os mandamentos de Deus devem ser obedecidos” (WILKINSON, 2011, p. 66).
O judaísmo não acredita que Jesus de Nazaré seja o messias prometido. Ele está mais para um judeu subversivo - que tentou reformar a religião - do que um messias. Para o judaísmo Jesus não é o messias por que ele não reina sobre Jerusalém e não restaurou o templo. Porém, o judaísmo não nega a historicidade de Jesus, ele realmente existiu. Entretanto, ele é reconhecido como Messias apenas na crença cristã clássica.    

2.3. A TORÁ E O TALMUDE.
O judaísmo é uma religião do livro e consequentemente erudita. A essência da fé judaica está contida nos seus textos sagrados, mais especificamente na Torá, que quer dizer ensino ou instrução. Todo judeu deve ser um profundo conhecedor das leis e mandamentos que estão registrados na Torá. E para isso é necessário que ele tenha um domínio básico da língua hebraica. Só assim ele será capaz de ler e interpretar os textos da Torá. Por ser o texto mais sagrado do judaísmo, nas sinagogas a Torá é guardada em um lugar especial chamado Arca.
“Toda sinagoga tem um exemplar da Torá, escrito à mão em hebraico num rolo que é mantido num armário chamado Arca, o ponto focal da sinagoga. Cada rolo é escrito com grande cuidado, pois o texto nunca muda e deve ser transcrito com exatidão. O texto é sagrado demais para ser tocado com a mão. A pessoa que lê a Torá de uma sinagoga usa um ponteiro especial, yad, com uma mão de metal na ponta, para seguir as palavras. Isso assegura que o texto não fique danificado. Caso isso ocorra, o rolo é declarado inútil e enterrado num cemitério judaico dentro de um vaso de barro”. (WILKINSON, 2011, p. 68).
O Talmude é o resultado de vários anos de comentários, discussões e interpretações feitas pelos rabinos e eruditos judeus. Ele é constituído pela Mixná e a Gemara. Essas duas obras juntas formam o Talmude, que segundo Wilkinson é constituído “com cerca de 2,5 milhões de palavras, abrange temas diversos como folclore e preces, rituais e remédios. Cerca de um terço desse material é halakha, ou lei; o resto são histórias e lendas e máximas conhecidas como a aggadah. ” (2011, p. 69).


3. A DEVOÇÃO JUDAICA.
A prece é o centro da prática religiosa judaica. Os judeus têm o hábito de fazerem suas rezas pela manhã, à tarde e à noite. E também em momentos especiais como no sábado e nas festas. As preces podem ser feitas usando as próprias palavras ou recitando trechos do livro de orações conhecido como SidurOs homens em seus momentos devocionais cobrem a cabeça com um pequeno gorro que se chama quipat. Outro acessório muito usado é um tipo de véu posto sobre a cabeça conhecido como tallit.

O uso dos filactérios no uso devocional é muito comum entre os judeus. São pequenas caixas presas na testa e no braço do devoto, que guardam trechos da Torá, mais especificamente o Shema. Essa prática serve para sempre lembrar ao fiel judeu que à lei de Deus deve sempre está na mente e no coração.

Além da prece à sinagoga tem muita importância para a devoção judaica. É bom dizer que, quase todas as religiões possuem os seus lugares sagrados particulares. Para os cristãos são às Igreja, para os muçulmanos às mesquitas, e para os judeus às sinagogas. São nas sinagogas onde à comunidade judaica se reúne para aprender mais sobre as Escrituras, tradições e também fortalecer a socialização dos fiéis. 

As sinagogas são dirigidas pelos rabinos, que são os líderes espirituais da comunidade. Eles têm as funções de organizar e conduzir o culto, pregar, educar e aconselhar. Os primeiros rabinos não eram remunerados. Porém com o passar do tempo tornaram-se líderes remunerados.  

O sábado é um dia sagrado para os judeus. “Clímax da semana judaica, vai do pôr do sol da sexta-feira ao de sábado. Em casa, os judeus o assinalam acendendo velas e orando. Fora de casa, o respeito ao sábado varia de um ramo do judaísmo para o outro. Essencialmente, porém, é uma ocasião para repouso, culto e convívio com a família ou a comunidade” (WILKINSON, 2011, p. 77).

4. JESUS E O JUDAÍSMO.
Uma coisa bem interessante é saber que nos tempos de Jesus à Igreja cristã ainda não existia. Naquele tempo somente existiam o judaísmo e as religiões pagãs do Império Romano. Somente muitos anos depois é que os seguidores de Jesus (que não eram conhecidos como cristãos, mas como uma nova seita), iriam criar os fundamentos para o advento do cristianismo.

Jesus e seus primeiros discípulos eram judeus e tudo o que eles sabiam sobre à criação do universo e à origem da humanidade vinham do judaísmo. Infelizmente Jesus não deixou nada escrito. Tudo o que se sabe sobre sua vida e ensinos foi escrito por seus seguidores, ou seja, o conhecimento sobre Jesus é um conhecimento de segunda mão. Talvez se o próprio Jesus tivesse escrito os evangelhos hoje teríamos uma compreensão diferente sobre ele.

A visão que os evangelhos transmitem sobre Jesus é a de um judeu subversivo, isto é, um indivíduo que está sempre em conflito com as autoridades religiosas e próximo de pessoas rejeitadas pela sociedade judaica como: cegos, leprosos, prostitutas, ladrões, ricos gananciosos, samaritanos, etc. E conforme os relatos dos evangelhos Jesus não era bem visto pelos religiosos de seu tempo.

Mas o que realmente Jesus queria com tudo isso? Somente se tornar famoso e ser visto? Ou somente causar tumulto e agitação? É possível afirmar que Jesus teria à intensão de reformar a sua própria religião, neste caso o judaísmo. Provavelmente Jesus queria que a essência da Torá não fosse substituída pelas interpretações dos fariseus. Talvez por isso ele tenha tomado a postura de um reformador religioso. 


Fontes:
FONAPER: Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso. São Paulo, Mundo mirim, 2009.
WILKINSON, Philip. Religiões: guia ilustrado Zahar. Rio de Janeiro, Zahar, 2011.