Jesus de Nazaré foi um judeu e isso é inquestionável. Ele nasceu, cresceu e viveu em uma cultura judaica. Qualquer pessoa que queira compreender mais profundamente quem foi Jesus, inevitavelmente, terá que conhecer o judaísmo. É impossível separar Jesus do seu contexto cultural.
O presente texto vai se
fundamentar no eixo temático culturas e
tradições religiosas. Que “é o estudo
do fenômeno religioso à luz da razão humana, analisando questões como: função e
valores da tradição religiosa, relação entre tradição religiosa e ética, teodiceia,
tradição religiosa natural e revelada, existência e destino do ser humano nas
diferentes culturas” (PCNER, 2009, p.50).
E tem o objetivo de proporcionar
um conhecimento básico sobre o judaísmo. Dando atenção às origens históricas, crenças, à vida devocional dos judeus e à relação de Jesus com o judaísmo de sua época.
1.
ORIGENS HISTÓRICAS.
Historicamente não se
sabe como surgiu o judaísmo. Ele vai progressivamente sendo formado com o
passar do tempo. O principal documento histórico que registra os primeiros
passos da criação do judaísmo é a Bíblia Hebraica. É nela onde estão preservados
os primeiros fatos que mostram como o judaísmo tomou forma. Tudo indica que
Abraão e Moisés são os principais fundadores do judaísmo, ou seja, foram eles que
construíram às bases de sustentação do judaísmo. Nas palavras de Wilkinson:
“Ninguém sabe ao certo como ou quando o judaísmo surgiu, mas segundo a Bíblia duas figuras foram cruciais para a sua origem. A primeira delas foi Abraão, o patriarca dos judeus, que migrou da Mesopotâmia (o atual Iraque) para a terra de Canaã no Mediterrâneo oriental. A fome impeliu os descendentes de Abraão de lá para o Egito, onde viveram como escravos. Mais tarde seu líder Moisés os levou de volta para Canaã, que Deus prometera aos judeus no tempo de Abraão” (WILKINSON, 2011, p.62).
Há alguns detalhes sobre
a vida de Abraão e Moisés que precisam ser mencionados. E que muitas vezes não
são observados pelos leitores da Bíblia. Em primeiro lugar, o patriarca Abraão
não foi um judeu, ele foi um mesopotâmico.
Abraão nasceu e cresceu em um ambiente politeísta, isto é, ele viveu em uma
cultura onde várias divindades eram cultuadas.
Em um momento de sua
vida, e que está registrado no livro do Gênesis, Abraão teve uma experiência mística
com uma divindade que muito tempo depois seria conhecida pelos judeus como YHWH
(Javé ou Jeová). Em obediência a essa divindade, Abraão junto com outras pessoas,
deixa a sua terra e vai em busca de uma terra cuja a divindade prometeu que seria
sua. É com Abraão que o monoteísmo judaico (adoração a um único Deus) começa a tomar
forma.
Em segundo lugar, Moisés foi um judeu criado na cultura egípcia.
Conforme os relatos que estão registrados no livro do Êxodo, Moisés (que é um
nome de origem egípcia), ainda bebê foi encontrado pelas criadas e a filha
do faraó, dentro de um cesto no rio. Durante boa parte de sua vida Moisés foi
criado e educado segundo os preceitos egípcios. Infelizmente a própria Bíblia
não é muito clara sobre esses aspectos “ocultos” da vida de Moisés. Há
muitos detalhes sobre ele que continuaremos sem saber. Entretanto, pode-se
afirmar que Moisés foi um homem de vasta cultura e conhecimento.
O Êxodo foi um dos acontecimentos
mais importantes para os judeus. Pois mostra como o Deus Javé que por intermédio
de Moisés conseguiu tirá-los da escravidão do Egito e conduzi-los de volta
para a terra que prometeu a Abraão e seus descendentes.
2.
A CRENÇA JUDAICA.
2.1. MONOTEÍSMO.
A base da confissão de fé
judaica é: “Ouve, ó Israel: Javé nosso Deus é o único Javé! Portanto, amarás a
Javé teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua
força” (Deuteronômio 6.4).
Para os judeus só existe
um único Deus, e ele é o criador e sustentador do mundo. Sua adoração não pode
ser direcionada para nenhum outro deus ou objeto. O Deus único do judaísmo não
tem imagem ou ícone. Nada que existe na terra pode ser usado para representá-lo.
Até mesmo os judeus evitam pronunciar o nome de Deus, pois o tal é sagrado.
Em comparação com o
cristianismo, o judaísmo não reconhece Jesus de Nazaré como “Deus encarando”. A
divindade de Jesus é um dogma exclusivo dos cristãos, o qual não encontra
espaço na crença judaica. Se há somente um único Deus, como um judeu pode
prestar culto e adoração a outro deus? Se fosse assim, o judaísmo seria uma religião politeísta e não
monoteísta.
2.2. O MESSIAS.
As alas ortodoxa e
conservadora do judaísmo ainda preservam à crença na vinda de um futuro messias.
Que será um personagem escatológico que reinará sobre Jerusalém e restaurará o
Templo e trará paz ao mundo.
“Essa crença messiânica continua forte no judaísmo ortodoxo, cujos seguidores creem que um Messias reinará um dia em Jerusalém, onde reerguerá o Templo. Outros ramos do judaísmo dão menos ênfase à crença messiânica, concentrando-se nos modos como os mandamentos de Deus devem ser obedecidos” (WILKINSON, 2011, p. 66).
O judaísmo não acredita
que Jesus de Nazaré seja o messias prometido. Ele está mais para um judeu
subversivo - que tentou reformar a religião - do que um messias. Para o
judaísmo Jesus não é o messias por que ele não reina sobre Jerusalém e não
restaurou o templo. Porém, o judaísmo não nega a historicidade de Jesus, ele
realmente existiu. Entretanto, ele é reconhecido como Messias apenas na crença
cristã clássica.
2.3. A TORÁ E O TALMUDE.
O judaísmo é uma religião
do livro e consequentemente erudita. A essência da fé judaica está contida nos
seus textos sagrados, mais especificamente na Torá, que quer dizer ensino ou
instrução. Todo judeu deve ser um profundo conhecedor das leis e mandamentos
que estão registrados na Torá. E para isso é necessário que ele tenha um domínio
básico da língua hebraica. Só assim ele será capaz de ler e interpretar os textos
da Torá. Por ser o texto mais sagrado do judaísmo, nas sinagogas a Torá é guardada
em um lugar especial chamado Arca.
“Toda sinagoga tem um exemplar da Torá, escrito à mão em hebraico num rolo que é mantido num armário chamado Arca, o ponto focal da sinagoga. Cada rolo é escrito com grande cuidado, pois o texto nunca muda e deve ser transcrito com exatidão. O texto é sagrado demais para ser tocado com a mão. A pessoa que lê a Torá de uma sinagoga usa um ponteiro especial, yad, com uma mão de metal na ponta, para seguir as palavras. Isso assegura que o texto não fique danificado. Caso isso ocorra, o rolo é declarado inútil e enterrado num cemitério judaico dentro de um vaso de barro”. (WILKINSON, 2011, p. 68).
O Talmude é o resultado de
vários anos de comentários, discussões e interpretações feitas pelos rabinos e eruditos judeus.
Ele é constituído pela Mixná e a
Gemara. Essas duas obras juntas formam o
Talmude, que segundo Wilkinson é constituído “com cerca de 2,5 milhões de
palavras, abrange temas diversos como folclore e preces, rituais e remédios.
Cerca de um terço desse material é halakha,
ou lei; o resto são histórias e lendas e máximas conhecidas como a aggadah. ” (2011, p. 69).
3.
A DEVOÇÃO JUDAICA.
A prece é o centro da prática
religiosa judaica. Os judeus têm o hábito de fazerem suas rezas pela manhã, à tarde e à noite. E também em momentos especiais como no sábado e nas festas. As preces
podem ser feitas usando as próprias palavras ou recitando trechos do livro de
orações conhecido como Sidur. Os
homens em seus momentos devocionais cobrem a cabeça com um pequeno gorro que se chama quipat. Outro acessório muito usado é um
tipo de véu posto sobre a cabeça conhecido como tallit.
O uso dos filactérios no
uso devocional é muito comum entre os judeus. São pequenas caixas presas na
testa e no braço do devoto, que guardam trechos da Torá, mais especificamente o
Shema. Essa prática serve para sempre lembrar ao fiel judeu que à lei de Deus deve
sempre está na mente e no coração.
Além da prece à sinagoga
tem muita importância para a devoção judaica. É bom dizer que, quase todas as
religiões possuem os seus lugares sagrados particulares. Para os cristãos são às
Igreja, para os muçulmanos às mesquitas, e para os judeus às sinagogas. São nas
sinagogas onde à comunidade judaica se reúne para aprender mais sobre as
Escrituras, tradições e também fortalecer a socialização dos fiéis.
As sinagogas são
dirigidas pelos rabinos, que são os líderes espirituais da comunidade. Eles têm
as funções de organizar e conduzir o culto, pregar, educar e aconselhar. Os
primeiros rabinos não eram remunerados. Porém com o passar do tempo tornaram-se líderes remunerados.
O sábado é um dia sagrado
para os judeus. “Clímax da semana judaica, vai do pôr do sol da sexta-feira ao
de sábado. Em casa, os judeus o assinalam acendendo velas e orando. Fora de
casa, o respeito ao sábado varia de um ramo do judaísmo para o outro. Essencialmente,
porém, é uma ocasião para repouso, culto e convívio com a família ou a
comunidade” (WILKINSON, 2011, p. 77).
4.
JESUS E O JUDAÍSMO.
Uma coisa bem
interessante é saber que nos tempos de Jesus à Igreja cristã ainda não existia.
Naquele tempo somente existiam o judaísmo e as religiões pagãs do Império
Romano. Somente muitos anos depois é que os seguidores de Jesus (que não eram
conhecidos como cristãos, mas como uma nova seita), iriam criar os fundamentos
para o advento do cristianismo.
Jesus e seus primeiros discípulos
eram judeus e tudo o que eles sabiam sobre à criação do universo e à origem
da humanidade vinham do judaísmo. Infelizmente Jesus não deixou nada escrito. Tudo
o que se sabe sobre sua vida e ensinos foi escrito por seus seguidores, ou seja,
o conhecimento sobre Jesus é um conhecimento de segunda mão. Talvez se o
próprio Jesus tivesse escrito os evangelhos hoje teríamos uma
compreensão diferente sobre ele.
A visão que os evangelhos
transmitem sobre Jesus é a de um judeu
subversivo, isto é, um indivíduo que está sempre em conflito com as autoridades
religiosas e próximo de pessoas rejeitadas pela sociedade
judaica como: cegos, leprosos, prostitutas, ladrões, ricos gananciosos,
samaritanos, etc. E conforme os relatos dos evangelhos Jesus não era bem visto
pelos religiosos de seu tempo.
Mas o que realmente Jesus
queria com tudo isso? Somente se tornar famoso e ser visto? Ou somente causar tumulto e agitação? É possível afirmar que Jesus teria à intensão de reformar a sua própria religião, neste caso o judaísmo.
Provavelmente Jesus queria que a essência da Torá não fosse substituída pelas
interpretações dos fariseus. Talvez por isso ele tenha tomado a postura de um
reformador religioso.
Fontes:
FONAPER: Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Religioso. São Paulo, Mundo mirim, 2009.
WILKINSON, Philip. Religiões: guia ilustrado Zahar. Rio de
Janeiro, Zahar, 2011.