6 de dezembro de 2016

JUDAÍSMO - A religião dos tempos de Jesus.


Jesus de Nazaré foi um judeu e isso é inquestionável. Ele nasceu, cresceu e viveu em uma cultura judaica. Qualquer pessoa que queira compreender mais profundamente quem foi Jesus, inevitavelmente, terá que conhecer o judaísmo. É impossível separar Jesus do seu contexto cultural.  

O presente texto vai se fundamentar no eixo temático culturas e tradições religiosas. Que “é o estudo do fenômeno religioso à luz da razão humana, analisando questões como: função e valores da tradição religiosa, relação entre tradição religiosa e ética, teodiceia, tradição religiosa natural e revelada, existência e destino do ser humano nas diferentes culturas” (PCNER, 2009, p.50). 

E tem o objetivo de proporcionar um conhecimento básico sobre o judaísmo. Dando atenção às origens históricas, crenças, à vida devocional dos judeus e à relação de Jesus com o judaísmo de sua época.

1. ORIGENS HISTÓRICAS.
Historicamente não se sabe como surgiu o judaísmo. Ele vai progressivamente sendo formado com o passar do tempo. O principal documento histórico que registra os primeiros passos da criação do judaísmo é a Bíblia Hebraica. É nela onde estão preservados os primeiros fatos que mostram como o judaísmo tomou forma. Tudo indica que Abraão e Moisés são os principais fundadores do judaísmo, ou seja, foram eles que construíram às bases de sustentação do judaísmo. Nas palavras de Wilkinson:
“Ninguém sabe ao certo como ou quando o judaísmo surgiu, mas segundo a Bíblia duas figuras foram cruciais para a sua origem. A primeira delas foi Abraão, o patriarca dos judeus, que migrou da Mesopotâmia (o atual Iraque) para a terra de Canaã no Mediterrâneo oriental. A fome impeliu os descendentes de Abraão de lá para o Egito, onde viveram como escravos. Mais tarde seu líder Moisés os levou de volta para Canaã, que Deus prometera aos judeus no tempo de Abraão” (WILKINSON, 2011, p.62).
Há alguns detalhes sobre a vida de Abraão e Moisés que precisam ser mencionados. E que muitas vezes não são observados pelos leitores da Bíblia. Em primeiro lugar, o patriarca Abraão não foi um judeu, ele foi um mesopotâmico. Abraão nasceu e cresceu em um ambiente politeísta, isto é, ele viveu em uma cultura onde várias divindades eram cultuadas.

Em um momento de sua vida, e que está registrado no livro do Gênesis, Abraão teve uma experiência mística com uma divindade que muito tempo depois seria conhecida pelos judeus como YHWH (Javé ou Jeová). Em obediência a essa divindade, Abraão junto com outras pessoas, deixa a sua terra e vai em busca de uma terra cuja a divindade prometeu que seria sua. É com Abraão que o monoteísmo judaico (adoração a um único Deus) começa a tomar forma.

Em segundo lugar, Moisés foi um judeu criado na cultura egípcia. Conforme os relatos que estão registrados no livro do Êxodo, Moisés (que é um nome de origem egípcia), ainda bebê foi encontrado pelas criadas e a filha do faraó, dentro de um cesto no rio. Durante boa parte de sua vida Moisés foi criado e educado segundo os preceitos egípcios. Infelizmente a própria Bíblia não é muito clara sobre esses aspectos “ocultos” da vida de Moisés. Há muitos detalhes sobre ele que continuaremos sem saber. Entretanto, pode-se afirmar que Moisés foi um homem de vasta cultura e conhecimento.

O Êxodo foi um dos acontecimentos mais importantes para os judeus. Pois mostra como o Deus Javé que por intermédio de Moisés conseguiu tirá-los da escravidão do Egito e conduzi-los de volta para a terra que prometeu a Abraão e seus descendentes.  

2. A CRENÇA JUDAICA.
2.1. MONOTEÍSMO.
A base da confissão de fé judaica é: “Ouve, ó Israel: Javé nosso Deus é o único Javé! Portanto, amarás a Javé teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força” (Deuteronômio 6.4).

Para os judeus só existe um único Deus, e ele é o criador e sustentador do mundo. Sua adoração não pode ser direcionada para nenhum outro deus ou objeto. O Deus único do judaísmo não tem imagem ou ícone. Nada que existe na terra pode ser usado para representá-lo. Até mesmo os judeus evitam pronunciar o nome de Deus, pois o tal é sagrado.

Em comparação com o cristianismo, o judaísmo não reconhece Jesus de Nazaré como “Deus encarando”. A divindade de Jesus é um dogma exclusivo dos cristãos, o qual não encontra espaço na crença judaica. Se há somente um único Deus, como um judeu pode prestar culto e adoração a outro deus? Se fosse assim, o judaísmo seria uma religião politeísta e não monoteísta.  

2.2. O MESSIAS.
As alas ortodoxa e conservadora do judaísmo ainda preservam à crença na vinda de um futuro messias. Que será um personagem escatológico que reinará sobre Jerusalém e restaurará o Templo e trará paz ao mundo.
“Essa crença messiânica continua forte no judaísmo ortodoxo, cujos seguidores creem que um Messias reinará um dia em Jerusalém, onde reerguerá o Templo. Outros ramos do judaísmo dão menos ênfase à crença messiânica, concentrando-se nos modos como os mandamentos de Deus devem ser obedecidos” (WILKINSON, 2011, p. 66).
O judaísmo não acredita que Jesus de Nazaré seja o messias prometido. Ele está mais para um judeu subversivo - que tentou reformar a religião - do que um messias. Para o judaísmo Jesus não é o messias por que ele não reina sobre Jerusalém e não restaurou o templo. Porém, o judaísmo não nega a historicidade de Jesus, ele realmente existiu. Entretanto, ele é reconhecido como Messias apenas na crença cristã clássica.    

2.3. A TORÁ E O TALMUDE.
O judaísmo é uma religião do livro e consequentemente erudita. A essência da fé judaica está contida nos seus textos sagrados, mais especificamente na Torá, que quer dizer ensino ou instrução. Todo judeu deve ser um profundo conhecedor das leis e mandamentos que estão registrados na Torá. E para isso é necessário que ele tenha um domínio básico da língua hebraica. Só assim ele será capaz de ler e interpretar os textos da Torá. Por ser o texto mais sagrado do judaísmo, nas sinagogas a Torá é guardada em um lugar especial chamado Arca.
“Toda sinagoga tem um exemplar da Torá, escrito à mão em hebraico num rolo que é mantido num armário chamado Arca, o ponto focal da sinagoga. Cada rolo é escrito com grande cuidado, pois o texto nunca muda e deve ser transcrito com exatidão. O texto é sagrado demais para ser tocado com a mão. A pessoa que lê a Torá de uma sinagoga usa um ponteiro especial, yad, com uma mão de metal na ponta, para seguir as palavras. Isso assegura que o texto não fique danificado. Caso isso ocorra, o rolo é declarado inútil e enterrado num cemitério judaico dentro de um vaso de barro”. (WILKINSON, 2011, p. 68).
O Talmude é o resultado de vários anos de comentários, discussões e interpretações feitas pelos rabinos e eruditos judeus. Ele é constituído pela Mixná e a Gemara. Essas duas obras juntas formam o Talmude, que segundo Wilkinson é constituído “com cerca de 2,5 milhões de palavras, abrange temas diversos como folclore e preces, rituais e remédios. Cerca de um terço desse material é halakha, ou lei; o resto são histórias e lendas e máximas conhecidas como a aggadah. ” (2011, p. 69).


3. A DEVOÇÃO JUDAICA.
A prece é o centro da prática religiosa judaica. Os judeus têm o hábito de fazerem suas rezas pela manhã, à tarde e à noite. E também em momentos especiais como no sábado e nas festas. As preces podem ser feitas usando as próprias palavras ou recitando trechos do livro de orações conhecido como SidurOs homens em seus momentos devocionais cobrem a cabeça com um pequeno gorro que se chama quipat. Outro acessório muito usado é um tipo de véu posto sobre a cabeça conhecido como tallit.

O uso dos filactérios no uso devocional é muito comum entre os judeus. São pequenas caixas presas na testa e no braço do devoto, que guardam trechos da Torá, mais especificamente o Shema. Essa prática serve para sempre lembrar ao fiel judeu que à lei de Deus deve sempre está na mente e no coração.

Além da prece à sinagoga tem muita importância para a devoção judaica. É bom dizer que, quase todas as religiões possuem os seus lugares sagrados particulares. Para os cristãos são às Igreja, para os muçulmanos às mesquitas, e para os judeus às sinagogas. São nas sinagogas onde à comunidade judaica se reúne para aprender mais sobre as Escrituras, tradições e também fortalecer a socialização dos fiéis. 

As sinagogas são dirigidas pelos rabinos, que são os líderes espirituais da comunidade. Eles têm as funções de organizar e conduzir o culto, pregar, educar e aconselhar. Os primeiros rabinos não eram remunerados. Porém com o passar do tempo tornaram-se líderes remunerados.  

O sábado é um dia sagrado para os judeus. “Clímax da semana judaica, vai do pôr do sol da sexta-feira ao de sábado. Em casa, os judeus o assinalam acendendo velas e orando. Fora de casa, o respeito ao sábado varia de um ramo do judaísmo para o outro. Essencialmente, porém, é uma ocasião para repouso, culto e convívio com a família ou a comunidade” (WILKINSON, 2011, p. 77).

4. JESUS E O JUDAÍSMO.
Uma coisa bem interessante é saber que nos tempos de Jesus à Igreja cristã ainda não existia. Naquele tempo somente existiam o judaísmo e as religiões pagãs do Império Romano. Somente muitos anos depois é que os seguidores de Jesus (que não eram conhecidos como cristãos, mas como uma nova seita), iriam criar os fundamentos para o advento do cristianismo.

Jesus e seus primeiros discípulos eram judeus e tudo o que eles sabiam sobre à criação do universo e à origem da humanidade vinham do judaísmo. Infelizmente Jesus não deixou nada escrito. Tudo o que se sabe sobre sua vida e ensinos foi escrito por seus seguidores, ou seja, o conhecimento sobre Jesus é um conhecimento de segunda mão. Talvez se o próprio Jesus tivesse escrito os evangelhos hoje teríamos uma compreensão diferente sobre ele.

A visão que os evangelhos transmitem sobre Jesus é a de um judeu subversivo, isto é, um indivíduo que está sempre em conflito com as autoridades religiosas e próximo de pessoas rejeitadas pela sociedade judaica como: cegos, leprosos, prostitutas, ladrões, ricos gananciosos, samaritanos, etc. E conforme os relatos dos evangelhos Jesus não era bem visto pelos religiosos de seu tempo.

Mas o que realmente Jesus queria com tudo isso? Somente se tornar famoso e ser visto? Ou somente causar tumulto e agitação? É possível afirmar que Jesus teria à intensão de reformar a sua própria religião, neste caso o judaísmo. Provavelmente Jesus queria que a essência da Torá não fosse substituída pelas interpretações dos fariseus. Talvez por isso ele tenha tomado a postura de um reformador religioso. 


Fontes:
FONAPER: Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso. São Paulo, Mundo mirim, 2009.
WILKINSON, Philip. Religiões: guia ilustrado Zahar. Rio de Janeiro, Zahar, 2011.