13 de dezembro de 2016

RELIGIÃO E LUTO - O que as religiões entendem sobre a morte?


Ninguém gosta da morte, mas também nenhum ser vivo conseguiu escapar dela. Para morrer basta estar vivo. O luto é um momento muito difícil. A morte de uma pessoa querida pode causar mudanças radicais na vida de uma família. Ela pode aproximar as pessoas como também pode separá-las. E quando existe herança do falecido para ser repartida, aí à situação pode se agravar ainda mais. Esses são apenas alguns dos efeitos sociais que a morte causa.

Outro efeito é levar as pessoas a pensarem e refletirem sobre a transitoriedade da própria existência humana. O homem nasce, cresce, se reproduz e morre. Esse ciclo repetitivo acompanha a humanidade desde a sua origem. E durante esse tempo as pessoas sempre fizeram essas perguntas: O que acontece depois da morte? Será que só existe esta vida terrena? As religiões (cada uma ao seu modo), sempre tentaram dar um resposta para esses questionamentos existenciais. Que de tempos em tempos voltam a atiçar à cabeça das pessoas.

Em nossa sociedade ocidental que se tornou materialista e hedonista, o tema morte é um grande tabu. Entretanto, é necessário encararmos esse assunto de frente, principalmente quando as crianças fazem perguntas sobre à vida, seja em casa e na escola. 

O objetivo dessa postagem é tentar entender como à morte é vista nas grandes tradições religiosas. E também, na medida do possível, amadurecer nosso entendimento sobre essa temática. 

1. Cristianismo
É consenso entre os cristãos a crença na existência de vida após a morte. Entretanto, católicos e protestantes possuem algumas ideias diferentes sobre esse tema. Além da crença do céu e inferno, os católicos defendem a existência de um lugar chamado purgatório.
"Embora haja distinções entre os cristãos quanto ao que qualifica a pessoa para a salvação ou a condenação eterna, é consenso em todas as denominações que os salvos passarão a eternidade recompensados na paraíso ou no céu, ao passo que os condenados serão punidos para sempre no inferno. A localização exata da vida eterna é uma questão complexa tanto para os teólogos quanto para os devotos. Na Idade Média os cristão viam quatro locais possíveis para a alma depois da morte: céu, inferno, purgatório ou limbo". (HALE, 2007, p. 84).
Historicamente algumas Igrejas cristãs que são originárias da Reforma Protestante não aceitam a ideia do purgatório. Para essas comunidades somente a fé em Cristo é suficiente para conduzir a alma do falecido ao reino dos céus. Para os protestante a ideia do purgatório passa a mensagem de que à morte de Cristo na cruz não foi totalmente eficaz. Esse é um ponto de divergência. Para um estudo mais especifico sobre o purgatório acesse este link: Purgatório.

Um ponto importante que quero destacar aqui é que a morte para o verdadeiro cristão não é algo que cause medo. Pelo contrário, deve ser vista como uma porta de entrada para a bem-aventurança eterna. Infelizmente em nossa sociedade ocidental contemporânea, a morte causa muito medo nas pessoas. Talvez um dos principais motivos para isso seja não saber o que existe do "outro lado da vida". 

Na Idade Média morrer era visto como algo normal. Até mesmo as pessoas ao saberem que a morte estava próxima, se preparavam para recebê-la.  
"Sem fanfarronadas, sem criar casos, sem se vangloriar de que não morriam; todos admitiam a morte tranquilamente (grifo do autor). Não apenas não retardavam a o momento de prestar contas, como também se preparavam calma e antecipadamente, designavam quem ficaria com o jumento, quem ficaria com a galinha... E extinguiam-se com uma espécie de alívio como se devessem simplesmente mudar de isbá" (ARIÈS, 2012, p. 40).
Que diferença entre os medievais e os contemporâneos! Os primeiros conseguiram "domesticar" a morte, ou seja, ela não causava medo neles. Eles viam a morte como algo normal da existência humana. Por traz disso estava a crença de que ao morrer, a alma do falecido estaria segura com Deus. 

Já os contemporâneos, por viverem em uma sociedade liquida, que não tem valores e convicções, acabam sendo "domesticados" pela morte. Ela causa medo. E tudo deve ser feito para evitá-la. Com isso posso afirmar que os medievais tinham mais tranquilidade diante da morte do que os contemporâneos. Para eles a morte não era um tabu.

2. Islamismo.
A comunidade islâmica também acredita que existe vida após a morte. Semelhante aos cristãos, os muçulmanos creem que haverá uma grande ressurreição dos justos e o juízo final. Só que o caminho para se alcançar a vida eterna é ser fiel aos ensinamentos do Alcorão. 
"... a tradição islâmica mantém-se fiel à ideia da vida após a morte, cujo conhecimento só pode ser adquirido por meio da revelação divina, o Alcorão. Considera-se a crença na vida após a morte um aspecto essencial da fé islâmica, porque com ela os muçulmanos afirmam Deus e sua presença venerável. Ela também explica o significado e a finalidade desta vida, com suas muitas provações e exigências" (GORDON, 2007, p. 118).
Para o cristão é a fé em Cristo que garante a entrada no paraíso, para o muçulmano é a fé no Alcorão que vai lhe dar à certeza de que após a morte ele estará seguro. Cada religião tem sua forma particular de entender o pós-morte.

3. Hinduísmo.
Diferente dos cristãos e muçulmanos, os hindus acreditam na ideia de reencarnação da alma. A doutrina do carma é de grande importância para entender a ideia de vida após a morte no Hinduísmo. 
"A lei do carma refere-se, assim, a um sistema de causa e efeito que pode abarcar várias vidas: os seres humanos ganham mérito (punya) ou demérito (papa) com base em cada ação realizada" (NARAYANAN, 2007, p. 136).
O que se faz aqui trará consequências nas outras vidas. A lei do carma tem uma influência muito grande no comportamento dos hindus. Se alguém deseja viver melhor em outra reencarnação terá que se esforçar para fazer boas ações na presente vida. Caso contrário, as outras vidas não serão muito boas.

Há no hinduísmo vários textos sagrados como: Vedas, Upanishard, Bragavad-Gita e os Puranas. Esses textos são que dão base as crenças religiosas do hinduísmo.  Um coisa interessante é que os puranas relatam a existência de céus e infernos no universo religioso hindu.
"Embora a reencarnação e a libertação sejam os aspectos da vida após a morte mais discutidos no hinduísmo, os Puranas falam de muitos tipos de céus e infernos. Em alguns textos descrevem-se detalhadamente sete mundos inferiores e sete céus, conquanto os relatos das diversas regiões paradisíacas refiram-se normalmente a dançarinas e árvores que realizam desejos - um imaginário de um lugar de deleite orientado pela perspectiva masculina. Na tradição hindu a permanência de uma alma num inferno ou paraíso geralmente é vista como temporária. A alma renasce numa dessas regiões se acumulou alguns tipos de carmas bons ou maus; mas, quando esse carma se esgota, ela passa para uma forma de existência diferente" (NARAYANA, 2007, p. 157).
Céu e inferno não são crenças exclusivas de cristãos e muçulmanos, até os hindus acreditam nisso. A diferença é que a permanência no céu ou inferno vai depender da quantidade de carma que a alma do falecido tem. É interessante quando se descobre que existem pontos comuns entre as diferentes religiões. 

4. Budismo.
Como o budismo foi um movimento religioso que saiu do hinduísmo, muito do que os budista entendem sobre vida após a morte veio do hinduísmo.
"As ideias budistas tradicionais sobre a morte baseiam-se na antiga doutrina indiana do samsara, traduzindo como "reencarnação", "transmigração" ou simplesmente "renascimento", mas que significa literalmente "rotação" de uma vida para outra" (ECKEL, 2007, p.192).
A diferença é que Buda procurou quebrar esse ciclo repetitivo de reencarnações. Para ele a samasa era uma prisão eterna. Mas como assim? Buda viu que as pessoas eram obcecadas em fazer boas obras com o objetivo de alcançar uma vida melhor. E isso causava apego e consequentemente o sofrimento. Em suma, alimentar a roda da samasa com ações cármicas não trazia para o budista a libertação do sofrimento. Era necessário alcançar o nirvana. Significado do nirvana
"De acordo com a tradição budista, Buda atingiu o nirvana em duas etapas. Sob a árvore bodhi, no momento do seu "despertar", ele entendeu que não estava mais alimentando o samsara com ações cármicas; em outras palavras, todo o desejo nele havia acabado. Décadas mais tarde, no momento de sua morte, conhecido como parinirvana ou "nirvana final (ou completo)", todo o carma residual de Buda se esgotou e ele foi inteiramente libertado do samsara, para nunca mais reencarnar. Com sua morte, ele parou de existir" (ECKEL, 2007, p. 192).
A ideia do nirvana distancia o budismo do hinduísmo. Agora o alvo de todo budista não é viver reencarnado constantemente, mas sim se libertar desse ciclo e deixar de existir. Com isso, é possível afirmar, que o conceito de céu e inferno não tem espaço no mundo religioso budista. 


Fontes:
ARIÈS, Philippe. História da morte no ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de Janeiro. Nova fronteira, 2012. 
HALE, Rosemary Drage. Cristianismo. In: COOGAN, Michael. Religiões. São Paulo. Publifolha, 2007.
GORDON, Matthew S. Islamismo. In:____
NARAYANA, Vasudha. Hinduísmo. In:____
ECKEL, Malcolm David. Budismo. In:____

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