4 de janeiro de 2017

BUDISMO E CRISTIANISMO: Convergências e divergências entre duas religiões mundiais.


“Eu me refúgio no Buda, eu me refúgio na doutrina (no darma), eu me refúgio na ordem (no sangha) ”. Também no cristianismo a profissão de fé poderia ser formulada de uma forma muito parecida: “Eu me refúgio (ou melhor, eu creio) em Cristo, eu me refúgio em sua doutrina (no evangelho), eu me refúgio na comunidade dos fiéis (na Igreja) ”. (Hans Küng).

O que existe de comum e divergente entre Budismo e Cristianismo? Milhões de pessoas pelo mundo (incluindo o Brasil) são budista, elas seguem e praticam os ensinos de Buda, pois os tais lhes trazem algum tipo satisfação. Semelhantemente milhões de pessoas encontraram na fé cristã sentido para vida e forças para enfrentar os problemas existenciais.

O presente texto tem o objetivo é oferecer ao leitor um breve estudo comparado entre o budismo e o cristianismo, e ao mesmo tempo, conhecer os pontos comuns e divergentes entre essas duas tradições religiosas.

1. SEMELHANÇAS ENTRE JESUS E BUDA.
Historicamente o budismo e o cristianismo se originaram e saíram de outras religiões mais antigas. O primeiro saiu do hinduísmo e o segundo do judaísmo. Um ponto comum entre esses dois movimentos religiosos é o seu caráter reformador. Sidarta Gautama (Buda), combatia o "discriminatório sistema de castas" do hinduísmo, no qual à casta dos brâmanes era a mais privilegiada. O sistema de castas no hinduísmo era fechado, ou seja, não existia a possibilidade de acessão para uma casta melhor, que proporcionava uma melhoria na vida social. Isso quer dizer que o indivíduo que nascesse em uma casta inferior viveria nela pelo resto da vida.

No caso de Jesus de Nazaré, ele frequentemente estava em conflito com os líderes tradicionalistas do sinédrio (o concílio religioso de Jerusalém). Em sua época, Jesus observou que os ensinamentos da Torá eram muitas vezes substituídos pelas tradições e preceitos dos escribas e fariseus. Aqui temos um ponto de convergência entre essas duas religiões mundiais.
“Nem Gautama nem Jesus são legitimados por qualquer cargo, ambos se opõem à tradição religiosa e seus guardiães, à casta ritual-formalista dos sacerdotes e doutores da lei, que não demonstram sensibilidade para com o sofrimento do povo. Tanto Gautama como Jesus logo reúnem amigos íntimos em torno de si, um círculo de discípulos e um grupo mais amplo de seguidores” (KÜNG, 2004, p. 155).
Gautama nasceu em uma família nobre do clã dos Sakyas, e foi filho de um rei. Já Jesus foi de família humildade e foi filho adotivo de um carpinteiro. Mas em questões de idade, é possível afirmar que Gautama é bem mais velho do que Jesus. Gautama nasceu no Nepal entre os anos de 558-563 a.C., Mas no caso de Jesus até hoje não se sabe a data do seu nascimento.

Para a comunidade cristã Jesus é reverenciado como “filho de Deus” e a mais perfeita manifestação do Eterno na terra. No caso das escolas budistas, mais especificamente o Theravada; Buda não é reverenciado com uma espécie de divindade, mas apenas como um exemplo a ser seguido. No entanto, com o passar dos anos, o budismo foi se expandindo, sofrendo mudanças e adotando outras compreensões sobre a pessoa de Gautama.

Os ensinamentos de Buda e Jesus possuem um forte repertório ético, ou seja, eles exortam as pessoas sobre à importância de terem uma vida correta e virtuosa. E observando o mundo cheio de ódio e violência no qual vivemos, esses ensinos são grande relevância para à preservação da vida humana.

2. BUDISMO E CRISTIANISMO: O que os une e o que os separa.
Por terem sido gerados em contextos sociais e culturais distintos, budismo e cristianismo não concordam com alguns pontos.  Um deles é sobre o conceito de divindade. Os cristãos acreditam na existência de um Deus pessoal, e que Ele se revelou em Jesus Cristo. No budismo não se precisa da ajuda de nenhuma divindade. Apenas pelo seu esforço pessoal e à prática da meditação o budista pode alcançar à libertação do ciclo repetitivo de reencarnações.
“Não havia uma ênfase de Buda na busca ao sobrenatural. Aliás, pelo contrário, ele desencorajava qualquer apego ao sobrenatural. Isso seria como tentar agarra-se em muletas” (Câmara, 2006, p. 24).
Outro ponto de divergência entre as duas religiões é sobre o problema do sofrimento no mundo. Budismo e o cristianismo olham essa problemática de forma muito distinta. Em resumo, os budismos têm uma visão negativa do sofrimento, ele deve ser evitado a qualquer custo. Tudo o que cause sofrimento deve ser afastado da mente. E é por isso que à meditação é uma prática de muita importância para os budistas. Já o cristianismo vê o sofrimento como uma virtude. O cristão olha para Jesus como sua maior fonte de inspiração na superação dos sofrimentos da vida. Jesus sofreu e venceu; o cristão sofre neste mundo e vence.

Um dos fundamentos da doutrina budista são "as quatro nobres verdades"1) Que é o sofrimento?; 2) De onde vem o sofrimento?; 3) Como pode o sofrimento ser superado?; 4) Qual a via para se chegar a isso? Segundo o budismo a vida é repleta de sofrimento, e a principal causa do sofrimento é o apego as coisas desse mundo, como por exemplo: fama, dinheiro, ódio, ambição, etc. Todas essas coisas trazem o sofrimento, e o caminho da libertação é o desapegar-se de tudo que possa causar sofrimento.

Aqui temos outro ponto em comum entre as duas religiões. O cristianismo também ensina que não se deve se apegar as coisas deste mundo, tentando encontrar nelas algum tipo de felicidade. Uma das principais coisas que Jesus ensinou é que não se deve acumular riquezas e colocar confiança nelas

Os valores éticos são, sem dúvida, os pontos mais comuns entre budismo e cristianismo. Há cinco mandamentos éticos que todo budista deve seguir:

1. Não fazer mal a nenhuma criatura viva; 2. Não tomar aquilo que não lhe foi dado (não roubar); 3. Não se comportar de modo irresponsável nos prazeres sensuais; 4. Não falar falsidades; 5. Não usar drogas e álcool.

Qualquer semelhança com os dez mandamentos ou com o sermão da montanha não é mera coincidência. É nesse ponto que podemos ver que as religiões (apesar de suas divergências) podem contribuir com o melhoramento da vida social. O mundo "pós-moderno" de hoje jogou na lata do lixo valores éticos que sempre fizeram parte da vida de milhares de pessoas.

Virtudes como respeito a vida, renuncia aos vícios mundanos, a paz interior, etc. São valores que devem ser resgatados. E neste caso budismo e cristianismo podem trazer para à mesa de debate esses valores tão importantes para o equilíbrio da sociedade.

3. QUADRO COMPARATIVO ENTRE OS ENSINOS DE JESUS E BUDA.
BUDA
JESUS
É mais fácil ver os erros dos outros que os próprios. É muito difícil enxergar os próprios defeitos. Espalham-se os defeitos dos outros como palha ao vento, mas escondem-se os próprios erros como um jogador trapaceiro.
Por que olhas o cisco no olho de teu irmão e não vês a trave no teu? Como ousas dizer a teu irmão: “Deixa-me tirar o cisco de teu olho, pois sei corrigir teu erro de visão”? Hipócrita, tira primeiro o engano de tua visão, e só então poderás tirar o cisco de teu companheiro.

Não importa o que um homem faça, se seus atos servem à virtude ou ao vício, tudo é importante. Toda ação acarreta frutos.
Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar bons frutos. Porventura colhem-se figos de espinheiros ou ervas de urtigas? Toda árvore se conhece pelos frutos.

A pessoa má fala com falsidade, acorrentando os pensamentos às palavras. Aquele que fala mal e rejeita o que é verdadeiramente justo não é sábio.

O homem bom tira coisas boas do tesouro do coração, e o mau retira coisas más, pois a boca fala do que está cheio o coração.
Assim como a chuva penetra numa casa mal coberta, também a paixão invade uma mente dispersa. Assim como a chuva não penetra numa casa bem coberta, igualmente a paixão não invade uma mente bem formada.
Todo aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é como um homem que construiu uma casa sobre a rocha. Caiu a chuva, uma torrente se abateu sobre a casa, mas ela não caiu, pois estava fundada sobre a rocha. Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica é semelhante a um homem que construiu sua casa na areia. Veio a chuva, a torrente se abateu sobre ela, e ela desabou. E foi grande a sua ruína.

(Fonte: CÂMARA, Uipirangi da Silva. O cristão e o budismo, p. 79)


Fontes:
CÂMARA, Uipirangi F. da Silva. O cristão e o budismo: coleção diálogo religioso. Rio de Janeiro. MK Ed. 2006.
KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Campinas/SP. Verus, 2004.