A diversidade religiosa no Brasil é grande. Católicos,
protestantes, budistas, maçons, espiritas, umbandistas, etc., fazem parte desse
grande mosaico religioso que se chama Brasil. Culturalmente a maior parte dos
brasileiros se consideram cristãos, no entanto, uma boa parte adota o
espiritismo e os ensinamentos de Allan Kardec como filosofia de vida.
Mas o que é o
espiritismo? Quais são as suas doutrinas? O principal objetivo deste texto
é tentar explicar o que é o espiritismo, conhecer algumas de suas doutrinas e
descobrir o que há de convergente e divergente em relação ao cristianismo.
"O espiritismo kardecista consiste num sistema filosófico-religioso cujo eixo principal é a crença na reencarnação. Essa crença, baseada na milenar doutrina hinduísta da transmigração das almas, se apoia em dois pilares básicos: a concepção hinduísta do carma e a possibilidade concreta de comunicação com os mortos. A comunicação entre o mundo dos mortais e o mundo dos mortos - usualmente chamados de "espíritos desencarnados" - é feita por meio de pessoas especialmente dotadas para o transe mediúnico, os médiuns, durante uma sessão espírita (ou sessão de "mesa branca")". O kardecismo também é conhecido como "espiritismo de mesa branca", ou mesmo "alto espiritismo" (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 259).Nenhuma religião é singular ou única, isto é, elas nascem de outra mais antiga. Por isso alguns elementos religiosos que o espiritismo possui vieram de outras crenças religiosas. Por exemplo, à crença na reencarnação da alma no hinduísmo é um pouco diferente do que o kardecismo ensina. No kardecismo o espírito de um ser humano reencarna-se em outro corpo humano, já no hinduísmo, dependendo do carma, o espírito humano pode se reencarnar em outra pessoa ou animal.
1. Sobre Allan
Kardec.
Não é regra geral,
mas é comum que uma nova religião tenha um fundador, seja ele mítico ou
histórico. Allan Kardec é o guru dos espiritas kardecistas. Suas obras
literárias (o Evangelho segundo o Espiritismo, o livro dos Espíritos, A gênese,
o Céu e o inferno e o livro dos médiuns) são os "textos sagrados" do
espiritismo, nelas estão contidas as bases filosóficas e doutrinarias do
kardecismo.
Maria Angela
Vilhena, professora do departamento de Teologia e Ciência da Religião da
PUC-SP, nos oferece uma breve biografia do fundador do kardecismo.
"Hippolyte Léon Denizard Rivail era filho de pais católicos, pois foi batizado. Fez seus primeiros estudos em escola suíça de orientação protestante, cujo diretor era João Henrique Pestalozzi, ex-aluno de Rousseau. [...]. Em 1855, na residencia da família Baudin, Denizard Rivail participou de sessões realizadas em torno de uma técnica de comunicação com os mortos, denominada "cestas girantes", interessando-se pelos fenômenos que ali ocorreram. [...] Foi durante sessão semelhante assistida por ele que seu "espírito protetor" afirmou tê-lo conhecido em existência anterior, no tempo dos druidas, quando viviam juntos na Gália. De acordo com esse espírito, seu nome à época teria sido Allan Kardec. Denizard Rivail passou então a adotar o pseudônimo Allan Kardec, assinando com ele todas as obras de viria a escrever" (VILHENA, 2008, p. 57).
Para que um novo
movimento religioso seja reconhecido socialmente é necessário que o seu
fundador tenha tido algum tipo de chamado ou experiência mística. Caso isso não
ocorra a nova religião não durará muito tempo. Não é regra geral, mas é
fundamental que um novo movimento religioso tenha uma teologia, ou seja, um
conjunto de ensinos que deem base e fundamentação para o novo movimento.
Durante sua vida Kardec escreveu vários livros que são a base teórica do espiritismo. Aqui temos uma diferença entre Kardec e Jesus. Diferente de Kardec, Jesus não deixou nada escrito, foram os seus seguidores que escreveram sobre ele e registraram os seus ensinos, dando assim a base para a formulação da doutrina cristã.
2. Resumo
doutrinário do Kardecismo.
Vilhena nos proporciona
um resumo de toda a doutrina kardequiana. "Do conjunto da obra de
Kardec, destacamos os seguintes princípios doutrinários:
- Monoteísmo, que implica a existência de Deus, criador do universo, perfeição absoluta, clemente, bom, justo, misericordioso;
- A sobrevivência do espírito após a morte biológica;
- A reencarnação como nova possibilidade de aperfeiçoamento espiritual;
- A comunicação e interação entre vivo e mortos;
- A comunicação e interação entre espíritos desencarnados;
- A mediunidade como dom gratuito de Deus; destina-se à instrução dos homens pela comunicação dos espíritos superiores, a fim de ensinar àqueles o caminho do bem e levar à fé; a mediunidade é coisa sagrada e deve ser praticada santamente, religiosamente;
- A evolução dos espíritos conforme as boas obras praticadas;
- A responsabilidade da pessoa por seu desenvolvimento espiritual;
- A pluralidade dos mundos habitados, sendo que cada mundo significa um estágio no processo evolutivo;
- A existência de mentores ou guias espirituais que, através de seu amor solidário, ajudam os vivos e espíritos desencarnados;
- Jesus Cristo como o mais evoluído espírito encarnado na terra, paradigma moral para a ação;
- a caridade como a maior de todas as virtudes, a ser por todos praticada em benefício dos vivos em corpos e espíritos desencarnados;
- o valor e importância da prece, sempre dirigida a Deus, seja para louvá-lo, agradecer, para que permita a manifestação e orientação de espíritos superiores, afastar os espíritos não desenvolvidos, alcançar desenvolvimento espiritual, resistir às tentações, pelos doentes, pelos aflitos, etc." (VILHENA, 2008, p.73,74).
Tendo como base
esses pontos vejamos o que há de comum e divergente entre o espiritismo e
o cristianismo.
3. Pontos comuns.
Um ponto comum é
o monoteísmo, a crença em um único Deus, nisso as duas religiões andam
juntas. Outro ponto comum é a crença de que existe vida após a
morte. A responsabilidade do desenvolvimento pessoal pode até
ser um ponto em comum, pois o cristão tem o dever de crescer espiritualmente e
progredir no seu relacionamento com Deus. Só que como esse desenvolvimento será
alcançado pode haver divergências entre as duas religiões. Outro ponto comum é
a questão do amor ao próximo, isso visto na prática do bem e da
caridade.
4. Pontos
divergentes.
Em primeiro lugar,
à reencarnação e à ressurreição são duas coisas diferentes.
E nesse ponto as duas religiões não andam juntas. Em segundo lugar,
à comunicação entre vivos e mortos é algo que não faz parte da crença
cristã. Na teologia cristã não existe comunicação com quem já morreu. Em terceiro
lugar, à mediunidade é outro ponto que não há consenso entre
cristãos e espíritas. Em quarto lugar, a pessoa de Jesus Cristo é um
"divisor de águas" entre o espiritismo e o cristianismo. O
espiritismo nega à divindade de Cristo ao afirmar que Jesus é "o mais
evoluído espírito encarnado". Em contrapartida o cristianismo durante
muito séculos, e até hoje, acredita que Jesus é Deus e Filho de Deus.
Concluindo, depois
desse estudo comparado podemos constatar que o espiritismo kardecista não é
essencialmente cristão. Ele pode sim tomar emprestado alguns princípios do
cristianismo e levá-los para dentro de sua doutrina, mas por outro lado ele tem
princípios e doutrinas que não fazem parte do repertório cristão.
Fontes:
VILHENA, Maria
Ângela. Espiritismo: limiares entre a vida e a morte.
Col. temas do Ensino Religioso. Paulinas, 2008.
HELLERN, Victor;
NOTAKER, Henry; GAARDER, Jostein. O livro das Religiões. Companhia
das Letras, 2000.
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