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15 de novembro de 2020

DIVERSIDADE RELIGIOSA: Há uma religião verdadeira?

O universo religioso é fascinante, misterioso e complexo. Se você mora no Brasil, ou se já teve a oportunidade de viajar para outro país, provavelmente você deve ter visto como existe uma grande diversidade de religiões e crenças. E essa diversidade é provocadora. No sentido de que ela nos faz pensar o seguinte: será todas essas religiões são verdadeiras? Ou apenas uma é verdadeira e as outras falsas? E quais são os critérios que podemos usar para saber se aquilo que uma religião acredita é verdadeiro ou não? 

Descobrir a coerência e a racionalidade das crenças religiosas é tarefa da filosofia da religião, contudo essa área de conhecimento não pode ser confundida com a teologia. A teologia fundamenta-se na fé pessoal, ou seja, o teólogo quando analisa outra religião vai usar a própria fé como parâmetro de julgamento. Mas o filósofo da religião tentará fazer uma analise racional e imparcial da crença religiosa pesquisada, e esse exercício filosófico pode contribuir muito com o estudo cientifico das religiões. E para fundamentar este texto farei uso do excelente livro de Brendan Sweetman, Religião: conceitos-chave em filosofia

Nas palavras de Sweetman, 
Seguidores de cada visão religiosa de mundo devem fazer perguntas críticas não apenas sobre as verdadeiras afirmações de sua própria visão de mundo, mas também sobre como veem as afirmações de verdade de outras religiões. Esse é uma assunto de vital importância porque, embora estejam de acordo em algumas questões, as religiões também discordam em relação a muitas coisas (SWEETMAN, 2013, p. 154). 

Em um mundo globalizado que está constantemente conectado por meio da internet e das redes sociais, é impossível não se envolver em alguma discussão, por mínima que seja, em que crenças religiosas não estejam no centro da atenção. E também quando alguém tem a oportunidade de sair do Brasil e conhecer outros países e culturas, direta ou indiretamente conhecerá crenças religiosas que geralmente são diferentes das suas, e é nesse momento que as dúvidas e os questionamentos surgem. 

Existem três abordagens dentro da filosofia da religião que tentam analisar o problema da diversidade religiosa, são elas: 1. Exclusivismo  religioso; 2. Pluralismo religioso; 3. Inclusivismo religioso. Vejamos cada uma dessas abordagens de forma resumida. 

1. Exclusivismo religioso é visão que o caminho correto para a salvação só pode ser encontrado em uma única religião. Essa é a visão defendida pela Igreja Católica e por várias igrejas protestantes. Para esses grupos somente os acreditam em Jesus Cristo podem ser salvos e com isso alcançar a eternidade. Em outras palavras, "fora da fé cristã não existe salvação". Mas como ficariam os milhões de judeus, muçulmanos, budistas, hindus que não acreditam em Jesus como os cristão creem? E sem falar da multidão de pessoas que durante a história nunca souberam da existência de Cristo? 

Sweetman diz que:

Os exclusivistas religiosos defendem que pode haver verdades profundas em outras religiões, mas a sua principal afirmação é de que não se pode alcançar a salvação seguindo a religião errada. Só porque uma religião está certa em alguns pontos não significa que, em geral, contenha as crenças e ações corretas que levariam à salvação. Para o exclusivista, julgar se a outra religião está certa em algumas questões vai depender de ela concordar com a religião correta nessas questões; por exemplo, um muçulmano que apoia o exclusivismo pode crer que o cristianismo esteja certo ao acreditar que Deus é todo-poderoso, mas negar o cristianismo possa conduzir à salvação (SWEETMAN, 2013, p. 158). 

Podemos ver que quando um grupo religioso defende a visão exclusivista, ele pode ter atitudes de intolerância religiosa. E a história ocidental é cheia de relatos de guerras, mortes e massacres feitos em nome de alguma religião. Isso tudo simplesmente porque algum grupo religioso se diz detentor da verdade divina, mas que verdade divina é essa que não consegue enxergar a diversidade que existe no mundo? É realmente uma verdade divina ou um mero capricho humano? Deixo essa resposta com você que está lendo este texto. 

2. Pluralismo religioso é o oposto do exclusivismo. Citemos mais uma vez as palavras  de Sweetman:
O pluralismo religioso é a visão de que há muitos caminhos diferentes à salvação nas várias religiões do mundo, e, assim, todas elas têm certa legitimidade. (SWEETMAN, 2013, p. 161). 
Segundo a visão pluralista não existe "a verdade real", mas sim "várias perspectivas sobre a realidade". Ou seja, cada religião tem sua própria perspectiva da realidade, e cabe a cada um escolher a perspectiva que lhe seja mais conveniente. Essa é a visão que tem dominado a sociedade contemporânea, pois ela dá voz ao relativismo cultural. O pluralismo religioso está presente na cultura brasileira e em países que defendem a liberdade religiosa. 

Entretanto, essa visão gera alguns problemas. Até que ponto as pessoas conseguem viver bem sem ter uma "certeza"? O pluralismo religioso não garante nenhuma tipo de certeza. Viver sempre em dúvida sobre o destino é algo que incomoda muitas pessoas. Por exemplo, para os cristãos (católicos/ortodoxos/evangélicos), Jesus Cristo é a verdade, e de modo semelhante o Corão é o registro da verdade divina para a comunidade muçulmana. Com muita probabilidade a abordagem do pluralismo religioso entra em conflito com as religiões tradicionais que defende uma verdade real. 

3. Inclusivismo religiosoSweetman nos diz o seguinte:
Essa posição, portanto, sustenta que a salvação depende de um ato especifico - a morte e ressurreição de Jesus, por exemplo - ser metafisicamente verdadeiro (realmente aconteceu na história e realmente teve determinado efeito), mas não é necessário acreditar que esse evento tenha ocorrido, nem mesmo ser membro da religião que tem a visão correta do que tinha que acontecer para a salvação ser possível (metafisicamente). O que importa é que se viva uma vida moral, o que é possível fazer em muitas visões de mundo diferentes (não necessariamente em todas), e que se lute por estabelecer uma relação verdadeira com Deus, que se revela em muitas religiões, em certa medida, mesmo que imperfeitamente (SWEETMAN, 2013, p. 165). 
O inclusivismo tenta ser uma espécie de "meio-termo" entre o exclusivismo e o pluralismo religioso. Um defensor dessa abordagem foi o teólogo católico jesuíta Karl Rahner (1904-1984). O inclusivista acredita que existe uma religião verdadeira, e mesmo que milhões de pessoas não acreditem nessa religião, isso não é obstáculo para que elas sejam agraciadas por ela. 

Por exemplo, suponhamos que o islamismo seja a religião verdadeira e que uma das crenças fundamentais dessa religião seja a "submissão à vontade de Deus", mesmo que milhões de pessoas ao redor do mundo não façam parte dessa religião, mas em suas vidas diárias vivem como se Deus existisse e se submetem sua vontade, essa atitude faz delas "muçulmanos anônimos". Ou seja, elas estão "incluídas" na religião mesmo sem saberem. 


Considerações finais.
Depois de apresentarmos de forma resumida as três visões sobre a diversidade religiosa, será que existe uma religião verdadeira? Infelizmente essa pergunta é difícil de responder, ainda mais em um mundo que existe um grande número de religiões e crenças. Para o cristão o cristianismo é verdadeiro, e de modo semelhante o judaísmo para os judeus, o budismo para os budistas, etc. Pessoalmente acredito que temos de encontrar um "elo de ligação" entre as várias religiões e crenças, e esse elo se chama SAGRADO. Por exemplo para muitas religiões A VIDA HUMANA É SAGRADA. E acredito que esse é um passo importante para se começar um bom diálogo. 


Fonte.
SWEETMAN, Brendan. Religião: conceitos-chave em filosofia. Porto Algre. Penso, 2013. 

2 de maio de 2018

MARXISMO E HUMANISMO: Filosofias de vida não religiosas.


“Nossas crenças se transformam em pensamentos, os pensamentos em palavras, as palavras se tornam ações e estas ações repetidas se tornam hábitos. E estes hábitos formam nossos valores e nossos valores determinam nosso destino” (Mahatma Gandhi)[1]

Todos nós, direta ou indiretamente, seguimos alguma filosofia de vida, isto é, uma sabedoria que dê sentido à nossa vida e objetivos. Quando refletimos sobre nossa existência, o mundo no qual vivemos e os desafios que ele nos traz; inevitavelmente somos estimulados a procurar soluções e respostas para os mais complexos desafios que vivemos e enfrentamos. E para que tenhamos uma certa direção em nossa busca; abraçamos alguma filosofia de vida, seja ela religiosa ou não, para nos dar algum suporte.

O presente texto tem o objetivo de introduzir o leitor no estudo de duas filosofias de vida não religiosas; o marxismo e o humanismo, e saber o que elas têm de positivo e negativo.

I. O MARXISMO E O SONHO DE UMA SOCIEDADE IGUALITÁRIA.
O marxismo é uma corrente de pensamento secular ainda muito influente no mundo ocidental. Ela está presente principalmente nas universidades, na política, nas artes, nas repartições públicas e em algumas igrejas. Milhares de pessoas no Brasil e no mundo são marxistas ou simpatizantes. Para se conhecer as ideias do marxismo é fundamental conhecer um pouco sobre a vida de Karl Marx, que é o seu “guru-idealizador”.
“Karl Marx (1818-1883) nasceu em Trier, na Alemanha, filho de pai judeu e mãe holandesa. Teve excelente formação nas Universidade de Berlim e Bonn e obteve o doutorado com distinção. Um dos primeiros empregos foi o de escrever artigos para um jornal radical, criticando o governo, e por isso foi expulso da Alemanha. Tentou viver em Paris e em Bruxelas, mas acabou fixando-se em Londres, onde viveu até a morte em 1883. Exerceram influência sobre o jovem Marx os escritos de Ludwid Feuebach e de G.W.F. Hegel (1770-1831). Marx criticou Feuerbach nas concordou que a teologia era antropologia. O erro cometido pela teologia é o de referir-se a algum ser transcendente, em vez de ver a verdade e a divindade da natureza humana” (Crawford, 2005, p.179).
A base do pensamento marxista é o materialismo, e nele não existe espaço para o transcendente ou sobrenatural. Tudo está direcionado para o âmbito terreno. Marx ao ser influenciado pelas ideias céticas de Feuerbach olha para a religião como algo alienante ou alucinógeno, ou seja, a religião é um tipo de “droga” criada pelos homens, e faz com que eles percam a vontade lutar por uma vida melhor, ficando assim acomodados. E, infelizmente, permanecendo escravos da exploração da classe burguesa capitalista. 

Segundo o pensamento de Marx, a religião ilude os homens oferecendo-lhes falsas esperanças. As pessoas passam a pensar que tudo o que há na terra é transitório e passageiro, e no reino do céu tudo é lindo e maravilhoso. Depois que morremos não levamos nada, então para que mudar as coisas? Nesse ponto o marxismo mostra ser uma filosofia de vida antirreligiosa.
"Se Marx tivesse vivido para presenciar o vigoroso protesto da Igreja católica na Polônia contra o comunismo, a Teologia da Libertação na África e América do Sul e a firme resistência de Martin Luther King nos Estado Unidos e de Gandhi na Índia, poderia ter mudado de opinião" (Crawford, 2005, p. 180)
Nem sempre a religião oprime, ela também pode ser usada para causar mudanças profundas na sociedade. Martin Luther King e Mahatma Gandhi são exemplos de lideres religiosos que denunciaram as injustiças e motivaram as grandes massas para se levantarem contra as opressões impostas pelos governos tiranos. King lutou contra o racismo e a discriminação dos negros nos Estados Unidos, e Gandhi contra à dominação dos ingleses na Índia. Considerando esses fatos pode-se ver que Marx se fixou apenas no lado negativo da religião.  

Uma característica peculiar dos movimentos seculares é a crença de que o homem, por si só, é capaz de transformar o mundo e a si mesmo. No marxismo é a união da classe trabalhadora que produzirá essa transformação. E para que isso aconteça é necessário que se derrube o governo opressor, assuma-se o poder e temporariamente implante-se uma “ditadura” na sociedade. Em todo esse processo pode-se ver que a religião seria um grande empecilho. Pois ela poderia tirar dos trabalhadores o estimulo de lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.
“Se definirmos a religião como um conjunto de crenças que as pessoas têm em comum e que proporcionam um fundamento racional para seu estilo de vida, tanto o marxismo quanto a maioria das religiões se enquadram na definição. O cristianismo em seus primeiros inícios tem algumas semelhanças com o comunismo. Há um tom revolucionário no Magnificat: “Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes e necessitados. Encheu os famintos com coisas boas e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc 1,52-53) (Crawford, 2005, p. 183).
O marxismo não pode ser visto como uma religião, mas também não se pode negar que não exista alguns “resquícios” de religiosidade em sua estrutura. Os humanos têm uma grande necessidade de acreditar em algo, algo que faça com eles tenham esperança e que os incentive a mudar a sua história. Por exemplo, no cristianismo existe a crença de que no futuro haverá um novo céu e uma nova terra. Um lugar no qual não existirá nem morte, nem tristeza e nem dor. Tudo será maravilhoso com Cristo reinando na terra.  

Já os marxistas clássicos partem do pressuposto de que o “sonho” de uma sociedade igualitária acontecerá por meio da luta de classes, da revolução do proletariado e quando este assumir o poder do Estado. Mas deve-se reconhecer que os ideais cristãos e marxistas não se realizaram. Não existe um novo céu e uma nova terra, e muito menos uma sociedade igualitária. O mundo contemporâneo continua desumano, desigual e caótico. Até hoje o cristianismo e o marxismo não conseguiram transformar o mundo por completo. Existe apenas muita utopia e pouca realidade.


II. O HUMANISMO E A FÉ NA RAZÃO HUMANA.
O humanismo foi um movimento intelectual que teve início na antiga Grécia, passando pelo período da renascença e tendo o seu ápice no iluminismo. Pensadores como Sócrates, Leonardo da Vince e Voltaire marcaram cada um desses períodos do humanismo. Um ponto comum entre esses pensadores é a preocupação de conhecer melhor o ser humano sua personalidade, talentos e virtudes.
“A palavra humanismo deriva de humano. Podemos definir um humanista como aquele que dá maior importância aos seres humanos, à vida humana e à dignidade humana. O humanismo enfatiza a liberdade do indivíduo, sua razão, suas potencialidades e seus direitos” (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 227).
O principal fundamento do humanismo é a crença de que tudo deve ser entendido e julgado por meio da razão humana. Ou seja, os homens através de sua razão e inteligência são capazes de encontrar respostas para os mais diversos problemas da vida. O homem é essencialmente autônomo e por isso não precisa da ajuda de religiões e divindades. A religião muitas vezes foi usada como um instrumento de opressão dos homens, fazendo-os escravos do obscurantismo e da ignorância. Nesse ponto o humanismo foi um severo crítico das instituições religiosas.

Uma característica do humanismo é ser uma filosofia de vida heterogênea, isto é, podem existir várias ramificações com ideias divergentes. Mas, geralmente, os humanistas são em sua maioria ateus ou agnósticos, no entanto, isso não significa que tudo o que as religiões dizem seja rejeitado por eles. Para alguns humanistas a religião pode ser útil à medida que ensine valores éticos que contribuam com o melhoramento do caráter do indivíduo.
“Os humanistas acreditam que, em virtude de sua razão, o homem sabe a diferença entre certo e o errado. O homem não precisa de nenhum mandamento ou regra externa. Certos valores e normas básicas podem ser estabelecidos com base puramente na razão humana. É isso que se quer dizer com a expressão ética humanista” (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 238).
Concluindo, o que existe de comum entre o marxismo e o humanismo é a crença que o homem é o centro de todas as coisas. É ele quem transforma o mundo, tem as respostas para certos dilemas da vida (e mesmo que ainda não os tenha, no futuro poderá tê-los), e não precisa da ajuda de nenhuma suposta “força divina”.

Mas algumas perguntas podem ser feitas: até que ponto o ser humano é capaz de resolver tudo sozinho? Até onde vai a sua autossuficiência? A própria história da humanidade mostra as atrocidades que os homens praticam uns contra os outros. Podemos citar como exemplo, as duas grandes guerras mundiais, o holocausto nazista, bombas atômicas, atentados terroristas, etc. Nem sempre os homens são virtuosos, eles podem ser tão irracionais e selvagens como qualquer outro animal.


Fontes.
CRAWFORD, Robert. O que é Religião. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry; GAARDER, Jostein. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das letras, 2000.



[1]https://www.pensador.com/frase/MTc3NjM4NA/

10 de março de 2018

ATEÍSMO: Visão de mundo, moral e espiritualidade.

Teoricamente a principal característica de um Estado laico é ser neutro em relação a religião e a fé. Ou seja, um Estado laico não tem, não persegue e nem defende qualquer tipo de religião. Ele apenas permite que as pessoas sob sua jurisdição tenham a liberdade de crer ou não crer em algum tipo de religiãoMas sabemos que nem todos os países seguem esse modelo. Existem nações que possuem uma religião oficial. E nem sempre o direito à liberdade religiosa é permitido. O nativo deve se submeter a religião oficial do Estado, caso contrário, poderá sofrer sanções.

Diferentemente, em um Estado laico o crente tem a liberdade de praticar a sua fé. E os descrentes, sejam eles ateus e agnósticos, podem manifestar a sua descrença com relação as religiões e deuses. É importante saber que sempre existiu na história da humanidade pessoas que questionavam e negavam a existência das divindades populares. Por exemplo, na Grécia antiga havia pensadores que não davam muito crédito aos deuses que constituíam o panteão mitológico grego.

E na atualidade a situação não é muito diferente. Milhões de pessoas que por algum motivo seja intelectual, emocional e psicológico, abraçaram o ateísmo como filosofia de vida. E afirmam que estão muito satisfeitas com a escolha que fizeram. 

O presente texto tem como objetivo oferecer ao leitor um conhecimento básico sobre a visão de mundo ateísta e também pensar sobre a possibilidade de haver uma moralidade e uma espiritualidade sem Deus.

1. COMO O ATEÍSTA VÊ O MUNDO?
Podemos dizer que o ateísta é um indivíduo que nega à existência de qualquer tipo de divindade. Para ele é incoerente acreditar em seres divinos cuja à existência não pode ser comprovada. Tudo que o acontece no mundo deve ser entendido e compreendido a partir da racionalidade humana e da ciência. Qualquer coisa que fuja desse padrão deve ser descartada. As várias ideias sobre divindades, segundo o ponto de vista ateístas, não podem ser comprovadas e por isso são irrelevantes.

Assim como no universo religioso existem crentes radicais e moderados; semelhantemente entre os ateístas existem esses dois grupos. Os ateístas radicais odeiam as religiões e não poupam esforços para combatê-las e destruí-las. Eles procuram convencer as pessoas sobre a inutilidade das crenças religiosas e do mal que elas podem fazer. Geralmente os radicais são fundamentalistas e intolerantes. 

Já os ateístas moderados seguem outro caminho. Eles apesar de olharem para as divindades e as religiões como meras superstições humanas; não se sentem incomodados com a presença delas. Para que perder tempo tentando destruir algo que não existe? E se as crenças religiosas, de certa forma, ajudam as pessoas para que combatê-las? Geralmente os moderados são mais inclinados a serem tolerantes e democráticos.

Mas seja radical ou moderado o ateísta não vê o mundo como o teísta vê. O teísta olha para mundo fundamentado em suas crenças religiosas. O ateísta olha para mundo fundamentando-se no naturalismo.
A visão de mundo através da qual o ateísta ponderado examina o mundo à sua volta é o “naturalismo”. Em contraste, a visão de mundo do teísta é o “supernaturalismo” (Walter, 2015, p. 49).
Quando se fala em naturalismo isso remete à ideia de que tudo no mundo tem uma explicação natural e cientifica. Ou seja, se quisermos saber como o universo, a vida animal e vegetal começaram a surgir; temos que encontrar as respostas com base no que observamos no mundo, e não fora dele. Mas, caso não exista respostas para determinados fenômenos naturais, o ateísta crerá que com o avanço da ciência uma resposta poderá surgir futuramente.

Em contraste, o supernaturalismo é a ideia de que além do mundo natural existe um mundo espiritual. Essa visão não nega a importância do mundo natural e do avanço cientifico, entretanto, o mundo natural limita-se as coisas terrenas e não satisfaz os anseios mais íntimos dos homens. Nesse sentido, os teístas defendem que a crença na existência de Deus pode proporcionar respostas para os indivíduos.
“O naturalismo pode ser descrito como a crença em que o mundo natural é um sistema fechado: nada existe fora dele, assim nada de fora o influencia. Em contraste, os supernaturalistas adotam uma visão de mundo cuja crença mais profunda é que a realidade é dualisticamente aberta, divisível em domínios naturais e supernaturais que interagem de uma forma ou de outra. [...] Saber exatamente como o natural e o sobrenatural interagem um com o outro e onde os limites de um termina e o outro começa é até certo ponto um mistério (Walter, 2015, p. 56) ”.
Pode-se perceber que não existe um combate entre ciência e religião, mas sim entre crenças pessoais subjetivas. Contudo, a visão de mundo naturalista tende a ser menos confusão do que a visão de mundo sobrenatural. Isso porque a primeira procura ser mais lógica e coerente com a realidade; já a segunda tem muitas dificuldades em explicar certos fenômenos “sobrenaturais” com base em pressuposto científicos, ela parte mais da fé religiosa pessoal. 

2. MORAL SEM DEUS.
Será que os ateístas por negarem a existência de qualquer tipo de divindade devem ser vistos como pessoas imorais e cheia de maldade? E os crentes seriam sempre amáveis e moralmente corretos só porque acreditam na existência de um Deus transcendente? Certamente não. A vida tem mostrado que tanto os ateus como os crentes são capazes de praticar atos de benevolência, altruísmo e caridade; como também serem capazes de matar e fazer injustiças. Em outras palavras, com ou sem Deus qualquer ser humano pode fazer o bem ou o mal.

Mas isso levanta uma pergunta: será que Deus é necessário para a moralidade? Fundamentando-se em suas respectivas visões de mundo e em suas “convicções pessoais”, ateístas e teístas teriam respostas muito divergentes. Sem dúvida os primeiros afirmariam que é perfeitamente possível existir uma boa conduta moral sem Deus; mas os segundos rebateriam dizendo que se Deus não existe, tudo é permitido. Infelizmente temos que reconhecer que no campo da moral não existe convergência entre ateísta e teístas.

Quais são as características de uma moral sem Deus? Essencialmente ela é naturalista, humanista e relativista.
É naturalista, firmemente fundamentada no entendimento do que significa ser uma pessoa. [...] A moralidade ateísta é humanista, fortemente centralizada no ser humano, não em Deus. Suas metas são terrenas, não celestes. Uma moralidade independente de Deus defende valores objetivos no sentido de estarem racionalmente fundamentados e não serem subjetivos. Mas esses valores também são flexíveis o bastante para levar em consideração circunstancias atenuantes que surgem de contexto, agente e situação. Em suma, os valores ateístas são relativos, não absolutos” (Walters, 2015, p. 168).
É possível ver que em uma moral sem Deus o indivíduo está livre para criar os seus próprios padrões de conduta moral e ética. Esse tipo de moralidade parte do pressuposto de que “o homem é o centro de todas as coisas”. Ele é senhor e juiz de sua própria vida, e não deve satisfação a nenhum tipo de divindade. Não existe a ideia de um suposto céu ou inferno que o constranja a mudar de conduta. Tudo depende dele e de mais ninguém.  

3. ESPIRITUALIDADE SEM DEUS.
O “ateísta místico” é uma nova categoria de descrente que tem surgido na sociedade contemporânea. Entretanto, a espiritualidade ateísta não é religiosa, mas secular. Ou seja, é uma espiritualidade que “religa” com à natureza e faz com que o mistico seja unido a ela. E isso produz o que alguns especialistas chamam de “experiência de pico”.  
“Essas experiências de pico trazem uma sensação de interligação com o universo e também de profundo deslumbramento com o puro mistério da existência, o fato inescrutável, mas maravilhoso, de que as coisas são. Apreço, gratidão e o sentimento de ter aprendido algo importante e libertador acompanhada tipicamente as experiências” (Walters, 2015, p. 198). 
Talvez a área da espiritualidade possa ser uma ponte de aproximação entre ateístas e teístas. Mas a diferença é que o ateísta se “religa” com a natureza e não com alguma divindade. Supostamente, as experiências de pico nascem da contemplação que o ateísta místico faz do universo. Há um tipo de mistério no universo que faz o místico se sentir parte do todo.

Considerando todos esses fatos, podemos dizer que existe uma certa aproximação entre a espiritualidade ateísta e o Budismo. Mas por que? No Budismo (mais especificamente no Zen budismo) não há necessidade de comunicação com nenhuma divindade. Ao meditar, o budista procura “limpar” a sua mente de todos os pensamentos negativos que lhe possam causar algum sofrimento. Nesse exercício meditativo o budista procura estar em harmonia com o seu “eu” interior o qual está ligado ao universo.

Podemos concluir que é possível, sim, existir uma espiritualidade sem Deus. Uma espiritualidade que é terrena e não celestial, que faz o indivíduo ficar admirado com a beleza e a grandeza do universo.

Fonte.
WALTERS, Kerry. Ateísmo: um guia para crentes e não crentes. São Paulo: Paulinas, 2015.

21 de novembro de 2017

QUAL SERÁ O FUTURO DAS RELIGIÕES?: Uma breve reflexão.


Saber o que pode acontecer no futuro sempre foi e será uma tarefa complexa, isso porque nenhum de nós possui o controle sobre os acontecimentos futuros. No máximo o que podemos é levantar algumas hipóteses com base no que vemos no presente. Pois o presente é o resultado do que aconteceu no passado, e o futuro dependerá do que acontecer agora no presente. E quando se fala no futuro das religiões temos que seguir a mesma linha de raciocínio.

Por exemplo, o cristianismo ainda é a maior religião do mundo; isso em número de seguidores. Mas será que daqui há cinquenta anos ela continuará com esse status? Talvez não. E o que falar das outras religiões? Há conjecturas de que o Islã tome o lugar do cristianismo e se torne a maior religião do mundo, mas nada pode ser afirmado com absoluta certeza. As ciências sociais ensinam que à medida que o tempo passa as sociedades sofrem mudanças em suas estruturas, e esse processo afeta diretamente as religiões, pois elas também fazem parte das sociedades humanas. Em outras palavras, a religião de hoje não será à mesma de amanhã.

O presente texto tem o principal objetivo de provocar uma reflexão filosófica sobre o futuro das religiões; e também saber o que elas podem fazer para sobreviverem em um mundo que vive em constantes mudanças.


As religiões nunca mais foram as mesmas depois do progresso cientifico. Antes do advento da ciência quase tudo no mundo era explicado a partir dos conceitos religiosos. A origem do homem e do universo eram explicados conforme os ditames dos livros sagrados. Mas na medida que os tempos foram se seguindo as explicações religiosas foram perdendo sua credibilidade. A fé religiosa mostrou-se incompetente para responder muitas perguntas. A sociedade passou a usar à ciência e seus métodos para tentar explicar, de uma forma mais racional, os mistérios do mundo.

Hoje um dos maiores adversários das religiões é o secularismo, que a grosso modo pode ser definido como uma tendência em explicar o mundo de forma racional, sem precisar do auxílio das crenças religiosas. Vários países, mais especificamente europeus, são seculares em seu modo vida. Neles as crenças religiosas já não tem muita importância. Não que elas foram extintas por completo, mas que já não tem muita relevância na vida de boa parte da população europeia.

“As ideias sobre sagrado estão em declínio, de modo que aquilo que antigamente era visto como algo especial torna-se algo de gracejos de humoristas. As questões sociais e pessoais com as quais a religião se ocupava são hoje remetidas a assistentes sociais e psicólogos. As instituições religiosas tradicionais estão em decadência e os jovens voltam-se para os novos movimentos religiosas e seus cultos”.[1]  

Qualquer sistema religioso pode se desgastar com o tempo e se tornar irrelevante para as futuras gerações. Um cristianismo, um judaísmo, um islamismo, um budismo e um espiritismo que não conseguem se “revitalizar” e se adaptar aos novos tempos; com certeza não terão um futuro promissor, e entrarão na lista das “religiões que o mundo esqueceu”.

Sim caro leitor, existem religiões que o mundo esqueceu e se transformaram em peças de museu! Onde estão as religiões dos egípcios, sumérios, gregos, romanos, celtas, maias e dos incas? Nos museus e nos livros de histórias. Em outras palavras, são religiões mortas que não são praticadas e vivenciadas por ninguém. Hoje são apenas objetos de estudo de historiadores e arqueólogos.

Mas existe dentro das religiões contemporâneas um movimento de oposição ao avanço do secularismo, que é o fundamentalismo. “O fundamentalismo tem como meta fornecer um espaço para a expressão autentica da fé e reage política e socialmente contra o materialismo e o relativismo e hoje usa a tecnologia moderna para alcançar seus objetivos”[2]

O religioso fundamentalista é um militante. E ele fará de tudo para defender suas crenças, até usar à violência se for necessário. Não se sabe até que ponto o fundamentalismo é eficaz na luta contra o avanço do secularismo, no entanto, os efeitos são mais negativos do que positivos. Na obsessão de proteger a fé, em meio ao conflito, milhares de pessoas acabam sendo atingidas e com isso perdendo suas vidas.

Acredito que um caminho mais eficaz para preservação das tradições religiosas seja o caminho da ética e não o da força. Quando cristãos, judeus, muçulmanos, budistas e outros religiosos preocupam-se mais com o bem-estar da sociedade e não tanto com os seus dogmas, sem dúvida, as religiões serão mais relevantes e terão um futuro certo.

“Se a religião continuar a empenhar-se na transformação dos indivíduos e da sociedade por meios pacíficos, seu futuro está garantido, mas o uso da força não é compatível com o que os fundadores das religiões pregaram e significa adotar os valores do conquistador[3]

Concluindo, sempre será uma tarefa complexa prever o futuro de alguma coisa. O mundo dá muitas voltas; e o que defendemos hoje como certo pode futuramente ser visto como equivocado. Mas se as religiões quiserem sobreviver no futuro terão que fazer muito mais, além de defenderem somente os seus dogmas.    





[1] Robert Crawford. O que é Religião? Ed. Vozes, p. 222.
[2] Robert Crawford. O que é Religião? Ed. Vozes, p. 223.
[3] Robert Crawford. O que é Religião? Ed. Vozes, p. 234.



23 de fevereiro de 2017

NIETZSCHE NÃO ERA ATEU, APENAS NÃO ACREDITAVA NO DEUS DO CRISTIANISMO


O alemão Friedrich Nietzsche é famosamente conhecido como o filósofo que anunciou a "morte de Deus", e por causa disso, muitos o consideram como ateu e inimigo de qualquer tipo de religião. Mas será que isso procede? Será que não existiu algum tipo de religiosidade no autor de Assim falou Zaratustra

O presente texto é uma breve reflexão filosófica e tem como referência a obra Religião em Nietzsche"Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar", de Mauro Araujo de Sousa. O objetivo é mostrar que nem tudo o que ouvimos falar sobre Nietzsche condiz com a verdade. Que é possível sim encontrar algum tipo de religiosidade em pessoas céticas, ou seja, céticas em relação a um tipo de Deus, mas a outros não. 

Sem dúvida Nietzsche foi um dos pensadores mais importantes do século XIX, suas obras até hoje "fazem a cabeça" de muita gente. Ele nasceu em uma família luterana e seu pai foi ministro luterano. Nietzsche até pensava em seguir carreira eclesiástica, mas mudou de ideia ao ter um encontro com a filosofia. Talvez em algum momento de sua vida ele tenha se decepcionado com a religião de sua família e com isso passou a seguir por outro caminho.  

"O interesse nessa reflexão não é postar Nietzsche frente a denominações religiosas, a partidos religiosos, os quais se fazem a voz de muitas denominações religiosas do Oriente e do Ocidente. Por isso, é muito importante, também nesse viés, que os "deus" em que Nietzsche acreditaria, e que de certo modo já se faz presente - e essa é a leitura aqui - , seja um "deus" completamente diferente de muitos outros aos quais estamos acostumados. [...] Esse "deus' não precisa de nós... Quanto a muito de nós, queremos, e tentamos várias vezes, escapar desse "deus" ... O "deus dançarino" de Nietzsche... Uma provocação... " (SOUSA, 2015, p. 31).
Falar de religião em Nietzsche não é algo muito fácil, isso por que ele faz severas críticas a todos os tipos de religião, em destaque ao Cristianismo. Religião vem da palavra religare, isto é, fazer uma ligação com o que foi desligado. Os homens criam suas religiões com o objetivo de fazerem uma religação com o transcendente ou divino. Os deuses que os homens estão acostumados em conhecer não vivem na terra, mas em um lugar superior. 


O "deus dançarino" de Nietzsche poderia ser um deus que se movimenta e que está na Terra, em muitas situações ele se fundiria com à própria terra. Se existisse uma "religião nietzschiana ela seria essencialmente imanente", isto é, procuraria religar o homem não com o céu, mas com à própria vida terrena. É muito provável que Nietzsche criticava o cristianismo pela influência do dualismo platônico, que indiretamente, foi incorporado no pensamento cristão. Um dualismo que não "religa" mas faz separação. Espírito e corpo, vida e morte, céu e terra. Dualismo era algo que Nietzsche detestava!
"Daí, entendemos que o deus de Nietzsche, que está em Dionísio, que está em todos nós que está na vida, no cosmo enfim, é um deus chamado vontade de potência" (SOUSA, 2015, p. 56).
O "deus dançarino" que Nietzsche poderia acreditar está em todas às parte da terra e da vida humana. Esse deus está sempre em movimento, mudando e evoluindo. Ele habita no mundo e no homem. Na visão nietzschiana à vida humana é sagrada, e é com essa vida sagrada que o religioso nietzschiano deve se religar. "Ora, para Nietzsche, não deve existir uma religião separada da natureza" (SOUSA, 2015, p. 57).

Um retorno ao paganismo? Difícil afirmar. Estar em harmonia com à natureza sempre foi uma prática das religiões antigas. "Deus é tudo, e tudo é deus". Não está comprovado se Nietzsche abraçaria o antigo paganismo, mas uma religiosidade que defende o estar em contato permanente com à natureza, pode ter alguma semelhança com o paganismo. Uma religiosidade da Terra e não do céu. 


É complexo falar de religião em Nietzsche, mas esta breve reflexão mostra que em pessoas céticas pode existir algum resquício de religiosidade.


Fonte:

SOUSA, Mauro Araujo de. Religião em Nietzsche: "Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar". São Paulo, Paulus, 2015.