Contribuição

Pix: anderson.alvesbarbosa7@gmail.com

7 de novembro de 2018

O ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.

A presença do Ensino Religioso na grade curricular das escolas públicas ainda é motivo de polêmica na sociedade brasileira. Para uns o ER (Ensino Religioso) é de responsabilidade da família, e por isso a escola deve ser isenta desse tipo de ensino. E ainda afirmam que à presença do ER nas escolas vai contra à laicidade do Estado. Para outros que defendem a permanência do ER nas escolas, argumentam que as religiões são fontes de espiritualidade e ética, e elas podem contribuir com a formação dos alunos e ajudá-los a terem uma visão mais ampla sobre as diferentes fés e culturas.

O ER contemporâneo deve ser pautado na diversidade religiosa que existe na cultura brasileira, isto é, ensinar que não existe apenas uma única religião, mas várias, e cabe ao indivíduo seguir (ou não) a expressão religiosa que mais lhe agrade. Mas reconhecemos que essa polêmica está longe de terminar.

Em 2017 o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou uma decisão que colocou mais fogo na polêmica sobre o ER. Segundo eles o ER nas escolas públicas deve ser “confessional”, e segundo eles, isso não fere a laicidade do Estado brasileiro. Veja este link: Decisão do STF sobre o Ensino Religioso. O ER confessional dá privilégio a uma determinada religião em detrimento das outras. Neste caso, o cristianismo de matriz Católica Apostólica Romana é o que recebe maior atenção.

Podemos supor que essa decisão foi tomada por causa da forte influência cristã católica que diretamente contribuiu com a formação religiosa do povo brasileiro. Respeito à decisão do STF, mas também discordo dela. Defendo que o ER nas escolas deve ter como objeto de estudo à diversidade religiosa que existe em nosso país. O brasileiro não é somente católico, mas também protestante, espirita, hindu, taoista, maçom, agnóstico, etc. 

O presente texto tem basicamente dois objetivos: 1. Mostrar resumidamente a trajetória do ER na legislação brasileira; 2. Defender que o ER é importante para a formação religiosa, ética e cultural dos alunos.

I. O TRANSCURSO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL.
Os primeiros passos da implantação do ER no território brasileiro começaram com o trabalho de evangelização dos jesuítas. O ER era de caráter catequético confessional, ou seja, ele tinha o objetivo de educar e conquistar seguidores para a fé cristã católica. Torres (2012, p. 23) confirma esse fato ao dizer que: 
“O Ensino religioso no Brasil tem início com a colonização, de modo especial, com a chegada dos Jesuítas, em 1549, os quais consideramos como os primeiros catequizadores e a quem foi confiada à educação nas novas terras. Nos quatro primeiros séculos de sua história, o Brasil foi um país oficialmente católico. ”  
Mas desde a chegada dos jesuítas até os nossos dias contemporâneos, já se passaram quase cinco séculos, e as coisas mudaram bastante. Além da fé católica tradicional, os brasileiros tiveram contato com outras manifestações de fé. Hoje o brasileiro não só católico, ele pode muito bem escolher outra fé que lhe satisfaça. Com isso o Brasil passa por uma metamorfose religiosa, abre-se espaço para o “pluralismo religioso”, no qual uma ampla variedade de crenças religiosas está à disposição do gosto de cada brasileiro.

Foi no período republicano de 1889 a 1988 que a presença do ER como disciplina nas escolas passou a ser um tema polêmico e acalorado. Nas palavras de Torres (2012, p. 25):
“A implantação do regime republicano provoca, desde início, um aferrado debate sobre o Ensino Religioso no Brasil. Pode-se considerar como sendo a mais polemica das discussões sobre a inclusão ou exclusão dessa disciplina nas escolas da rede pública oficial. ”
O período republicano foi muito influenciado pelas ideias do iluminismo e do positivismo. E isso foi tão forte que a frase ORDEM E PROGRESSO que existe da bandeira brasileira é de origem positivista. De forma resumida podemos dizer que o iluminismo defende que tudo o que existe no mundo deve ser compreendido somente pela razão humana, qualquer fato que não possa ser compreendido pela razão deve ser visto como mera superstição. O positivismo foi uma corrente de pensamento que surgiu na França no século XIX, e teve como fundador Augusto Comte. O positivismo defende que tudo no mundo deve passar pelo crivo do conhecimento cientifico, sendo ele é único conhecimento verdadeiro.

Nesse período várias pessoas defendiam que o ER não deveria fazer parte da educação básica. Um dos argumentos era que a presença do ER nas escolas públicas feriria a laicidade do Estado, e por isso, não caberia ao governo oferecer esse tipo de ensino. Mas a Igreja Católica (que sempre teve muita influência na política brasileira), sem dúvida iria lutar para que ER continuasse fazendo parte da grade curricular nas escolas. E com o passar do tempo outros grupos se engajaram na luta para que o ER continuasse fazendo parte da educação. 
“A inclusão do Ensino Religioso na Carta Magna de 1988 se deu graças a grande mobilização nacional dos professores, da sociedade em geral, liderados por Entidades e Organismos como a CNBB[1], ASSINTEC[2], AEC[3] e outros. É notável salientar a atuação de diferentes denominações religiosas na defesa do Ensino Religioso; o que antes se fazia somente mediante liderança da Igreja Católica” (TORRES, 2012, p. 31).
Legalmente o ER faz parte da educação básica no Brasil, mas uma pergunta que deve ser feita é: que tipo de ER deve ser aplicado nas escolas? Um ER que seja fundamento não na Teologia cristã confessional, mas nas Ciências da Religião. Mas teologia e ciência da religião não são a mesma coisa?  Não, pois qualquer teologia confessional vai defender uma religião em particular, e isso foi o que os Jesuítas fizeram na época da colonização. 

O ER contemporâneo deve ser fundamentado nas Ciências da Religião. Essa área de conhecimento (que surgiu no século XIX) não defende nenhuma religião em particular, pelo contrário, apenas estuda o fenômeno religioso de forma imparcial. E isso faz com que o ER não seja um instrumento de “evangelização”, mas de explicação sobre fenômeno religioso que existe no Brasil e em outros lugares do mundo.


II. O ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA.
A escola, através dos professores, tem a missão de ensinar e transmitir o conhecimento para os alunos, contribuindo com sua formação cidadã e ética. Língua portuguesa, matemática, história, geografia, ciências, artes e Ensino Religioso são disciplinas que fazem parte da grade curricular das escolas sejam elas públicas ou particulares, no entanto, com relação ao ER ainda existe muito preconceito por parte de diretores, coordenadores e professores sobre a presença desse tipo de ensino nas escolas.

Muito provavelmente é a influência do iluminismo e do positivismo na mentalidade brasileira que faz com que alguns profissionais da educação não vejam o ER com bons olhos. Mas quer gostem ou não o ER faz parte da educação brasileira, e mais, as religiões sempre estiveram presentes na vida dos brasileiros, então o conhecimento religioso é algo público e deve estar disponibilizado para todos os que tenham interesse.
“Todo o conhecimento humano tornar-se patrimônio da humanidade. A sua utilização, porém, depende de condições sociais e econômicas bem como das finalidades para as quais são utilizados. Nem todo conhecimento é de interesse de todos. Um conhecimento político ou religioso pode não interessar a um grupo, mas, uma vez produzido, é patrimônio humano e como tal deve estar disponível. O conhecimento religioso é um conhecimento disponível, e por isso, a Escola não pode recusar-se a socializa-lo” (PCNER, 2009, p. 35).
Como falamos logo no início o ER contemporâneo não deve ser confessional, mas sim, plural. Ou seja, deve valorizar a diversidade religiosa que existe na sociedade brasileira. Encontrar  pontos em comum entre as religiões, e tentar criar um clima de diálogo amigável entre elas é um dos objetivos do ER contemporâneo. 

Infelizmente durante a história da humanidade muitas guerras e tragédias foram feitas (e ainda nos dias atuais continuam) em nome da religião. Mas isso aconteceu por causa da arrogância e soberba de alguns religiosos fanáticos. Quando alguém pensa que a sua religião é única verdadeira e as outras são falsas, abre-se espaço para que a intolerância e o fundamentalismo se manifestem.
“A Escola tem a função de ajudar o educando a se libertar de estruturas opressoras que o impedem de progredir e avançar. Através da reflexão, educador e educando rompem com as prisões que os prendem à segurança ilusórias oferecidas por objetos, situações e autoridade não legitimas. Compreendem os limites do conhecimento e a finitude do ser humano. ” (PCNER, 2009, p. 42)
O ER contemporâneo pode ajudar os alunos a terem um entendimento mais amplo sobre suas próprias crenças pessoais e as dos outros. Algo que eles precisam saber é que todos os sistemas religiosos são humanos e imperfeitos, e mais, eles não possuem respostas prontas para todas as perguntas da humanidade. Perguntas simples e inquietantes como: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? O ER contemporâneo vai explicar que cada religião tem respostas diferentes para essas perguntas.

Por exemplo, qual é a origem do universo? O cristianismo dará uma resposta, o budismo outra, o hinduísmo outra, o zoroastrismo outra, o ateísmo outra, etc. Com isso o educando aprenderá que podem existir várias respostas para uma única pergunta.

Concluindo, de tudo o que foi dito neste breve estudo fica comprovado que a presença do ER na educação brasileira é muito importante. O fenômeno religioso está muito presente na vida de milhares de pessoas, e seria muita falta de inteligência querer que este ensino seja excluído das escolas.   


Fontes:
FONAPER. Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Religioso. São Paulo, Mundo Mirim, 2009.
TORRES, Maria Augusta de Sousa. Ensino Religioso e literatura: um dialogo a partir do poema Morte e Vida Severina. Recife, FASA, 2012. 


[1] CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
[2] ASSINTEC – Associação Inter-religiosa de Educação de Curitiba.
[3] AEC – Associação de Escolas Católicas.


15 de outubro de 2018

UMA BREVE INTRODUÇÃO AO HINDUÍSMO.


Devoto faz preces matinais no Ganges, em Benares.
Afirma-se que a imersão nas águas sagradas do rio é um
importante ato de purificação espiritual.
O Hinduísmo é uma das tradições religiosas mais antigas do mundo, tem aproximadamente cinco mil anos de existência. Não se sabe com certeza quando o Hinduísmo surgiu (na verdade é praticamente perda de tempo tentar saber as origens de alguma religião), no mínimo o que existem são apenas hipóteses. Mas isso não tira o fascínio que essa antiga tradição religiosa exerce sobre os hindus e os não hindus. A Índia é um pais no qual o sagrado está em toda parte, e isso é uma grande oportunidade para se descobrir os “mistérios” que rondam este exótico lugar.

Willis (2007, p. 69) diz que: 
O Hinduísmo denota as tradições que se desenvolveram a partir da religião védica trazida a Índia pelos arianos. Uma ênfase inicial ao sacrifício animal acabou sendo substituída por oferendas vegetarianas, divindades femininas de tornaram mais importantes e a religião piedosa ficou popular. Vishnu, ou Shiva, é visto muitas vezes como a divindade suprema. Um conceito hindu característico é aquele de transmigração: o nascimento continuo em uma serie de vidas, até a pessoa alcançar a libertação final por meio de conhecimento, ações ou devoção.
Algo que deve estar fixado em nossas mentes é que não se pode compreender um povo descartando o seu “fator religioso”, e infelizmente essa tem sido a atitude de alguns historiadores, sociólogos, filósofos, etc. Muitas civilizações foram formadas a partir de alguma crença religiosa. Um exemplo muito claro disso é a própria cultura ocidental que teve uma grande contribuição do cristianismo em sua formação. E a Índia não fica fora dessa regra. Então para que se possa ter uma compreensão sensata de um povo é necessário conhecer o seu fator religioso, caso contrário a pesquisa será muito limitada e pueril.

Este artigo tem o objetivo de responder três perguntas: 1. Quais são as principais divindades que compõem a mitologia hindu? 2. O que é libertação e quais os caminhos para alcança-la? 3. O que é o sistema de castas e suas implicações na sociedade hindu?

OS DEUSES.
Deus macaco Hanumam, um
avatar de Shiva.
Antes de conhecermos algumas divindades que compõem a mitologia hindu, é interessante conhecer, de forma resumida, os três tipos de crenças que durante muitos séculos estiveram presentes no imaginário religioso da humanidade, são: o monoteísmo, politeísmo e o henoteísmo. O primeiro defende a existência de um único deus supremo e nega a existência de outros. O segundo, diferente do primeiro, acredita na existência de várias divindades. E o terceiro acredita da existência de um ser supremo, mas não nega a existência de outros. O hinduísmo se encaixa nesta terceira crença. Os hindus creem em um ser supremo (favorito), mas não negam a existência de outros. 


Narayanan (2007, p. 134), diz que: 
“Os hindus podem reconhecer muitas divindades, mas considerar que apenas uma é suprema; ou podem considerar todos os deuses e deusas iguais, mas adorar um que é o seu favorito. Contudo, a maioria acha que todas as divindades são manifestações de uma única. Para muitos, dizer que esse Deus é homem ou mulher, um ou muito, é limitá-lo, impor ao divino ideias humanas de sexo e número”.
Apenas para fazer uma pequena comparação. No cristianismo existe a crença na Santíssima Trindade, isto é, que o Deus verdadeiro é entendido como Pai, Filho e Espírito Santo. De modo semelhante, existe no hinduísmo a crença, não muito popular, no Trimurti que se compõem de três divindades principais: Brahma, Vishnu e Shiva.

Narayanan (2007, p. 136), diz que: 
Textos sagrados exprimem a ideia de uma trindade divina (Trimurti) de Brahma (o criador), Vishnu (o preservador) e Shiva (o destruidor), mas esse conceito nunca foi muito popular. Com o tempo, Brahma perdeu funções, e criação, preservação e destruição associaram-se em uma divindade, que pode ser Vishnu, Shiva ou Devi (a Deusa).
Existem milhares de divindades no hinduísmo, e seria praticamente impossível enumerá-las uma por uma em um simples artigo. Para uma melhor compreensão dos deuses do hindismo, veja este video: Conhecimentos da humanidade - Hinduísmo Vishnu e Shiva são duas principais dividades panteão hindu. Os devotos de Vishnu são chamados de vaishnavas, e os shaivas são os de Shiva. Cada um desses grupos tem o seu modo peculiar de devoção.


A LIBERTAÇÃO.
Quase todas as religiões possuem o seu próprio sistema de salvação ou libertação. No caso do hinduísmo a alma do homem (atmã) está presa a um repetitivo ciclo de vida e morte. O fiel hindu está sempre em busca dessa libertação. Mas quais são os caminhos para chegar a esse objetivo? Praticamente três: o caminho da ação, o caminho do conhecimento e o caminho da devoção. 
“O caminho da ação (carma-oiga) é o caminho da ação altruísta; uma pessoa precisa fazer o seu dever (dharma), como estudar ou fazer boas ações, mas não por medo de culpa ou da punição, ou por esperança de louvores ou recompensa. [...]. De acordo com o caminho do conhecimento (jnana-ioga), atingido o conhecimento dos escritos sagrados pode-se adquiri uma sabedoria transformadora que destrói o carma passado. O verdadeiro conhecimento é uma percepção da real natureza do universo, do poder divino e da alma humana. [...]. O terceiro caminho é o mais enfatizado em todo o Bhagavad Gita: o caminho da devoção (bhakti-ioga). Esse caminho talvez seja o mais popular entre os hindus de qualquer posição social. (NARAYANA, 2007, p. 144-145).
Fazer bem ao próximo, adquirir conhecimento dos textos sagrados e ter uma vida devocional, segundo o hinduísmo, são os caminhos para libertar o atmã do ciclo de vida e morte. Mas isso realmente funciona? Cabe somente ao hindus responderem.


DIVISÃO SOCIAL.
Na cultura ocidental é muito comum dividir a sociedade em classes, ou seja, classe alta, média e baixa. É a condição econômica e social que vai definir a que classe uma pessoa pertence. Mas essa divisão não é algo predestinado desde o nascimento. Existe uma certa transitoriedade, isto é, uma pessoa que pertence à classe baixa (com esforço e dedicação) pode mudar de vida, e com isso migrar para a classe média ou alta. 

Infelizmente isso não acontece no sistema de casta da Índia. Não existe mudança de uma casta inferior para outra superior. Uma pessoa que nasceu em uma casta especifica permanecerá nela por toda a vida, e não faz muita diferença se a pessoa é rica ou pobre. Em outras palavras, é a casta que diz qual é o lugar da pessoa na sociedade indiana.

Küng (2004, p. 61) explica de modo objetivo o sistema de casta na Índia:

  • acima de todos, a elite clerical dos brâmanes: sacerdotes, poetas, pensadores, sábios;
  • em seguida, a aristocracia dos kshatriyas: guerreiros, governantes;
  • mais adiante, os vaishyas, com frequência ricos: comerciantes, camponeses, operários;
  • então, a massa dos shudras: criados, trabalhadores, proletários – cerca de quinhentos milhões;
  • e, além desses, ainda os cerca de cento e cinquenta milhões que não pertencem a nenhuma casta: os sem casta, os outcasts, os “intocáveis”, chamados por Gandhi eufemisticamente de filhos de Deus (hrijan).


Narayanan (2007, p.160-161) comenta como Gandhi lutou contra o preconceito e discriminação em relação aos “intocáveis” (sem-casta), 
“Mahatma Gandhi, por exemplo, procurou superar o preconceito contra algumas das pessoas em desvantagem na sociedade indiana, os chamados “intocáveis” – aqueles cujas ocupações as castas “superiores” consideravam “sujas” e “degradantes”. Essas ocupações incluíam lidar com couro e cadáveres de animais, porque se considera que a pele e a carne mortas conspurcam (a palavra “pária”, que designa os que não tem casta, vem do tâmil pariab – “tambor” --, o que é explicado pelo fato de a membrana do tambor ser feita de couro “sujo” de animal). Gandhi chamava de harijan (“Filhos de Deus”) os sem-casta, e a constituição indiana pós-independência tornou ilegal a discriminação contra eles. Até agora, no entanto, as declarações oficiais tiveram pouco resultado na prática”.
Não existe cultura perfeita, mas não podemos negar que existem culturas melhores e outras piores. O sistema de castas indiano visto pelos olhos ocidentais pode causar repúdio e indignação, mas também não podemos negar que em países ocidentais “desenvolvidos”, o preconceito, o racismo e a discriminação estão muito presentes. E isso revela que independente da religião, da cultura ou do país, os humanos são produtores de mazelas da sociedade, e é necessário sempre fazer uma autocrítica de si mesmo com o objetivo de corrigir os próprios erros.

Concluído, o hinduísmo é uma religião fascinante, exótica e contraditória. Ela mostra como o ser humano é religioso e obcecado pelo sagrado. Acredito que sociedades seculares, que de certa forma desprezam o fator religioso, poderiam aprender coisas interessante sobre a humanidade com o hinduísmo.


FONTES
KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Campinas. Verus, 2004.
NARAYANAN, Vasudha. Hinduísmo. In: COOGAN, Michael D. (Org). Religiões. São Paulo. Publifolha, 2007.
WILLIS, Roy. Mitologias. São Paulo. Publifolha, 2007.

21 de agosto de 2018

UMA BREVE INTRODUÇÃO AS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO.


Para início de conversa é bom saber que Ciências da Religião e Teologia não são a mesma coisa. São áreas de conhecimento distintas, com objetos de pesquisa distintos, no entanto, que podem se complementar. Uma diferença entre as duas é que a teologia (e aqui não vou explicar os vários tipos de teologias que existem, mas por uma questão de simplificação, me referirei a teologia dogmática cristã) é mais antiga, e as Ciências da Religião sendo mais nova, surgindo a partir do século XIX.
“Ciência da religião (conforme nomenclatura empregada pela CAPES) é área de estudo acadêmico da religião surgida em fins do século XIX, que inclui a descrição, a interpretação, a comparação e a explicação de ideias, textos, comportamentos e instituições, linguagens (símbolo, mitos, rito e doutrina) e práticas das mais variadas tradições religiosas, como também a reflexão em torno dos conceitos que cada âmbito desses mobiliza, sem pressupor a superioridade de uma tradição religiosa sobre outra” (PIPER, 2017, p. 131)
O objeto de estudo da teologia é Deus e suas manifestações no mundo, mas o das ciências da religião é o fenômeno religioso humano. Outra diferença entre essas duas áreas de conhecimento é que a teologia busca fortalecer à crença pessoal do teólogo, enquanto, as Ciências da Religião não têm a intenção de fortalecer a fé de ninguém, mas tentar compreender de uma forma cientifica e imparcial a religião do outro.

Os pais fundadores da ciência da religião foram todos europeus, em sua maioria alemães, holandeses, romenos e italianos. Entre eles estão: Friedrich Max Müller (1823-1900), Cornelis Tiele (1830-1902), Rudolf Otto (1869-1937), Gerardus Van der Leeuw (1890-1950), Joachim Wach (1898-1955), Raffaele Petazzoni (1883-1959), Mircea Eliade (1907-1986), Wilfred Cantwell Smith (1916-2000), Donald Wiebe (1943-), Roderick Ninian Smart (1927-2001) e Michael Pye (1939-). Todos eles tiveram a curiosidade de conhecer de uma forma mais cientifica o fenômeno religioso.
Portanto a análise da religião deve ser feita de modo imparcial, não cabendo ao estudioso interferência prática. Ele deve apenas descobrir o que é a religião, qual é a fundamentação que ela possui na alma humana e quais são as leis de seu desenvolvimento histórico. E, partindo de uma base linguística, desenvolver estudos comparativos das diversas mitologias. Dessa maneira para ele, “uma Ciência da Religião, baseada na comparação verdadeiramente cientifica e imparcial de todas [...] religiões da humanidade, é agora uma questão de tempo” (Müller, 1893, 26). (PIPER, 2017, p. 134).
Logo no início o método usado por Max Müller para analisar as religiões foi a linguística. Müller traduzia os mitos e textos sagrados e os comparava uns com os outros. No entanto, com o passar do tempo outros métodos de pesquisa foram sendo usados. Por exemplo, Gerardus Van der Leeuw usou à fenomenologia como método cientifico para estudar a religião, mas à abordagem fenomenológica foi posteriormente criticada por outros cientistas da religião. Mas isso faz parte do processo. Toda e qualquer nova área de conhecimento precisa ser críticada e questionada para saber se seus métodos são legítimos e concretos.      

Mas por que o nome “Ciências” da Religião no plural? Isso se deve por ser uma área de conhecimento pluridisciplinar, ou seja, existem outras disciplinas dentro das Ciências da Religião. São elas: filosofia da religião, história da religião, sociologia da religião, antropologia da religião, psicologia da religião e geografia da religião. Tudo isso para tentar compreender à religião de uma forma mais cientifica, e isso faz com que as Ciências da Religião seja aberta ao diálogo com outras áreas do conhecimento humano. E, este é outro aspecto que faz com que as Ciências da Religião não seja confundida com à teologia dogmática.

No Brasil as Ciências da Religião, como uma área de estudo acadêmica, para conseguir algum espaço nas universidades brasileiras teve ajuda da Teologia da libertação. Essa corrente teológica faz uma interpretação marxista da Bíblia, e por isso foi mais aberta ao diálogo com as ciências humanas, proporcionando assim um terreno fértil para a inclusão das Ciências da Religião no solo acadêmico brasileiro.

Hoje algumas universidades públicas e particulares oferecem cursos de graduação e pós-graduação com o objetivo de formar pesquisadores e professores em Ciências da Religião. 

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Fonte:
PIPER, Frederico. Ciência(s) da(s) Religião(ões). In: JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; BRANDENBURG, Laude Erani; KLEIN, Remí. (Org.) Compêndio do ensino religioso. São Leopoldo: Sinodal, 2017.

9 de agosto de 2018

FÉ E MISERICÓRDIA NA PRÁTICA: Como as epidemias contribuíram com o crescimento do cristianismo.



Propósito do texto: Conhecer como as epidemias que abalaram o mundo greco-romano antigo contribuíram para o crescimento e expansão do cristianismo.  


INTRODUÇÃO.
Os antepassados sempre deixaram um legado para ser conservado e praticado pelas gerações futuras. Se os cristãos que viveram durante os primeiros três séculos de nossa era, não tivessem colocado sua fé em prática, muito provavelmente o cristianismo não teria sobrevivido. Naquela época, de tempos em tempos, o mundo era acometido por epidemias que ceifavam a vida de milhares de pessoas. A medicina não era tão avançada como nos dias contemporâneos, e as pessoas que tinham menos recursos eram as que mais sofriam. E foi nesse contexto de sofrimento e caos que os primeiros cristãos tiveram a oportunidade de mostrar na prática ao mundo greco-romano pagão à relevância de sua fé.

AS EPIDEMIAS.
No ano 165 d.C. uma terrível epidemia assolou o Império Romano, isso aconteceu no reinado de Marco Antônio. Alguns historiadores levantam a hipótese de que tenha sido à primeira manifestação de varíola. Mas qualquer que tenha sido a doença ela tirou a vida de muitas pessoas. Segundo Stark, “ao longo dos quinze anos de duração da epidemia uma terço ou um quarto da população do império morreu em consequência dela, inclusive o próprio Marco Antônio, no ano 180, em Viena” (2006, p.87).

E tudo indica que esse não foi único e último caso de epidemia, em 251 uma nova e terrível epidemia alastrou-se sobre o império, e nesse caso foram as pessoas que moravam e trabalhavam nas áreas rurais que foram afetadas. Grande foi o número de mortos, que consequentemente trouxe instabilidade econômica, crise e desespero. Nessa época o paganismo era à crença dominante na sociedade greco-romana, e os cristãos eram apenas um grupo minoritário. 

Geralmente, em tempos de crise quando uma religião que é dominante não consegue dar respostas satisfatórias sobre as origens dos males e calamidades que surgem, essa religião acaba perdendo credibilidade entre os seus fiéis. É o que podemos chamar de crise de fé. E esse contexto permite que “novos movimentos religiosos” se manifestem e tenham a oportunidade de expor o que eles pensam sobre as origens dessas calamidades.
Com frequência na história humana, crises produzidas por calamidades naturais ou sociais se traduziram em crise de fé. Em geral, isso ocorre porque a calamidade cria demandas a que a religião dominante se revela incapaz de atender. Essa incapacidade pode ocorrer em dois níveis. Em primeiro lugar, a religião pode não conseguir propiciar uma explicação satisfatória sobre as razões da ocorrência da calamidade. Por outro lado, a religião pode parecer ineficaz contra a calamidade, o que se torna verdadeiramente crítico quando todos os meios não-religiosos também se mostram inadequados – quando o sobrenatural subsiste como o único meio plausível de ajuda (STARK, 2006, p. 91).
Em outras palavras, o paganismo greco-romano se revelou fraco e incapaz em explicar as origens dos flagelos que assolava a população. Até parece que os deuses não se importavam muito com o bem-estar de seus devotos, não mostravam afeto e compaixão.

Apenas como ilustração, vamos imaginar que vivemos em alguma cidade que faz parte do território do império, e estamos sofrendo por causa dos efeitos devastadores das epidemias, e queremos saber o porquê de estarmos sofrendo tanto. Sendo pagãos, vamos à procura de algum sacerdote. Mas este por ser ignorante quanto a vontade dos deuses (pois não sabe quando eles estão de bom ou mau humor) não sabe responder as razões da epidemia.

Procuramos algum dos filósofos em busca de respostas. Entretanto, estes por não darem muito crédito aos deuses, se mostram tão ignorantes quanto os sacerdotes. Para eles tudo na vida depende de sorte, já que não existe uma resposta racional e lógica para tudo. E agora, quem poderá nos ajudar? 

(Caro leitor(a) se tiver interesse em ter um conhecimento básico sobre as epidemias, acesse este link: As grandes epidemias da história aqui você encontra um excelente artigo sobre o tema).  


A FÉ CRISTÃ EM AÇÃO.
Às vezes são nos tempos de crises e calamidades que os novos movimentos religiosos têm a oportunidade de “mostrar a cara”. Usamos a expressão novos movimentos religiosos porque o cristianismo foi, naquela época, uma religião nova e que trouxe uma nova perspectiva sobre a vida. A moral dos cristãos era algo diferente de tudo o que já se tinha visto no mundo greco-romano.

O cristianismo partia da seguinte máxima: “devemos amar o próximo como a nós mesmos”. Essa era uma ideia desconhecida naquele contexto. Ninguém estava muito preocupado com o que poderia acontecer com os outros, nem mesmo os deuses estavam preocupados com a vida dos homens na terra. Pagãos e cristãos acreditavam no sobrenatural, isso era um ponto em comum, a diferença era que os cristãos eram mais amorosos.
O ensinamento cristão segundo o qual Deus ama aqueles que o amam era estranho às crenças pagãs. MacMullen sublinha que, da perspectiva pagã, “o que importava era [...] o serviço que podia ser prestado pela divindade, pois um deus (como Aristóteles ensinara durante muito tempo) não podia sentir amor es resposta ao que lhe era oferecido” (1981:53). Igualmente estranha ao paganismo era a ideia de que, porque Deus ama a humanidade, os cristãos não podem agradar a Deus a menos que amem uns aos outros. Com efeito, como Deus demonstra seu amor por meio do sacrifício, os seres humanos devem demonstrar seu amor mediante o sacrifício de uns pelos outros. Além disso, tais responsabilidades deviam ir além dos laços familiares e tribais, efetivamente, a “todos os que em qualquer lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 1,2). Eram ideias revolucionárias. (STARK, 2006, p. 100).
As epidemias contribuíram com o crescimento da religião cristã porque elas deram os cristãos a oportunidade de mostrar ao mundo greco-romano a esperança na qual eles acreditavam. Em um mundo sem esperança; mergulhado no caos e com muitas pessoas mortas e doentes pelas ruas por causa das epidemias, os primeiros cristãos foram altruístas e misericordiosos. E isso causou um impacto muito grande na mente das pessoas. O paganismo, que era a crença dominante, se viu ameaçado pelo trabalho assistencialista dos cristãos. E para não perder o território tentou imitar o trabalho dos cristãos, mas não teve sucesso.
Como os deuses pagãos exigiam apenas propiciação, deixando os interesses humanos nas mãos humanas, um sacerdote pagão não podia pregar que aqueles a quem faltava o espírito de caridade colocavam em risco a própria salvação. Com efeito, os deuses pagãos não ofereciam salvação. Podiam ser subornados a prestar vários serviços, mas os deuses não proporcionavam meios de escapar da mortalidade (STARK, 2006, p. 102).
Por causa das epidemias muitas pessoas perderam familiares e amigos, e isso contribuiu para que novos vínculos de amizades fossem criados. Pagãos que foram socorridos por cristãos, consequentemente, abandonavam a antiga religião e se rendiam ao cristianismo.

Concluindo, talvez se as epidemias não tivessem dado aos cristãos a oportunidade de mostrar ao mundo a razão de sua fé, muito provavelmente o cristianismo teria permanecido apenas como uma seita minoritária. No entanto, isso nos ajuda a ter um olhar diferenciado sobre as origens do cristianismo.


Fonte.
STARK. Rodney. O crescimento do cristianismo: um sociólogo reconsidera a história. São Paulo: Paulinas, 2006.


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3 de agosto de 2018

TAOISMO: Uma milenar tradição chinesa.


Existe uma diferença básica entre o confucionismo e o taoismo. O primeiro se preocupa mais com o lado externo da vida, e o segundo com a vida interior. Ou seja, como confucionistas os chineses se esforçam para viver em harmonia com a sociedade na qual vivem, e como taoistas seguem por outro viés, procuram a paz interior e a harmonia com a natureza. Assim, de forma simbólica, podemos dizer que o confucionismo e o taoismo são “os dois lados da mesma moeda”.

Propósito do texto: Conhecer um pouco sobre a religiosidade taoista e descobrir o que se pode aprender com ela.

I. LAO TSÉ.
Escrever uma biografia completa sobre Lao tsé (ou Laozi) é algo praticamente difícil, isso por causa da escassez de fontes históricas que relatem em detalhes a vida pessoal do fundador do taoismo. Tudo o que se sabe sobre Lao tsé está mais para lendas que fatos concretos. No máximo sabe-se que Lao tsé viveu em meados do século VI a.C., foi contemporâneo de Confúcio, e aparentemente mais velho do que ele.

Lao tsé escreveu o Tao Te Ching que se tornou o texto sagrado do taoismo. Não se sabe em que época Lao tsé escreveu essa obra, no entanto, um dos seus fundamentos principais é que o homem deve sempre pautar sua vida conforme o Tao. Mas o que é o Tao? Tao é um termo de difícil definição, muitos o definem como “o caminho”, mas em síntese o Tao pode ser visto como uma “força” que estar por trás de tudo o que existe no mundo. E cabe ao taoista viver sempre em harmonia com o Tao.
Essa obra, que supostamente contém os ensinamentos de Lao-tsé, provavelmente combinam as palavras de muitos antigos mestres espirituais. O texto explica o princípio do Tao, que guia e sustenta todas as coisas no universo e permanece imutável enquanto tudo mais flui à sua volta. O Tao Te Ching também enfatiza qualidades femininas, dóceis, que, conforme ensina, são como água – ao mesmo tempo suave e forte (WILKISON, 2011, p.253).
O taoismo é uma religião que ensina o fiel a rolhar para dentro de si e buscar a harmonia interior, e consequentemente, com à natureza. Em outras palavras, fazer parte do todo é um dos objetivos da espiritualidade taoista. E a meditação tem um papel fundamental nesse processo.

Outro aspecto importante do taoismo é o principio do Yin Yang. Viver sempre em harmonia é uma das principais metas de todos os seguidores do taoismo. No pensamento tradicional chinês todas as coisas existentes no mundo possuem dois lados essencialmente conhecidos como yin yang. “Yin” descreve as coisas escuras, úmidas, frias, moles e femininas; e “Yang” é o oposto de tudo isso.

A harmonia entre os opostos é algo que sempre deve ser preservada. Se existe algum tipo de distúrbio no mundo é porque a força vital de Yin Yang está em desarmonia. E isso, em parte, explica porque em algumas partes do mundo acontecem terremotos, enchentes, furacões e outros fenômenos naturais que trazem destruição, prejuízo e medo para milhares de pessoas.

II. TAOISMO FILOSÓFICO E RELIGIOSO.
A diferença básica entre essas duas correntes é que o taoismo filosófico começou com os escritos de Lao tsé e está fundamentado na obediência ao Tao, que é a energia que está presente na natureza, ele é essencialmente místico e contemplativo. Já o taoismo religioso tem como principal meta alcançar a imortalidade.

    Nas palavras de Moore,
Como o confucionismo, o taoismo filosófico não está preocupado com a salvação, mas com uma aceitação do fluxo constante do universo. Para os taoistas filosóficos, não há um estado de existência do qual é preciso salvar-se, porque todos os estágios da vida são parte da ordem natural do Tao. [...]. No taoismo religioso, pelo contrário, há uma forte ênfase na busca da imortalidade, com a ajuda de diversas práticas – dietas, sexo, ginástica e meditação --, por meio das quais os taoistas procuram reverter o fluxo dos fluidos essenciais no corpo, e assim ficar mais jovens, nutrindo dentro de si mesmos um “embrião da imortalidade” que sobreviverá depois da morte. Os adeptos dessa prática devem purificar a mente e o coração, assim como o corpo, e todo poder mágico adquirido deve ser empregado apenas para beneficiar os outros. (OLDSTONE-MOORE, 2007, p. 218).
Um fato interessante que aprendemos com as religiões (por mais diferentes que elas sejam umas das outras), é a obsessão que os humanos têm em saber o que acontece após à morte, todo ser vivo deve encarar a dura verdade que um dia terá que morrer. A vida terrena não é eterna, ela é passageira e transitória e isso causa medo em muita gente. A busca da imortalidade é um ponto comum entre várias religiões. A diferença é que para uns a imortalidade é algo dado por Deus, para outros é algo conquistado apenas pelo próprio esforço. Sem dúvida quanto mais estudamos as diferentes religiões melhor conhecemos o ser humano. 

III. PRÁTICAS RELIGIOSAS.
Segundo as palavras de  Wilkinson (2011, p. 260), “o taoismo dá muita importância a lugares sagrados, como fontes, cavernas, e sobretudo montanhas, e por isso a peregrinação é uma outra prática valorizada. Montanhas sagradas como Tai Sham no leste da China, com centenas de santuários, são locais de peregrinação populares”.

O Tao está nas montanhas, nos lagos, nas cavernas, nas árvores, nos rios, nas matas, na vida animal e na vida humana. Viver em harmonia com o Tao é estar em harmonia com o meio ambiente. Podemos levantar a hipótese de que os taoistas podem ser grandes ambientalistas, no sentido de preservar e cuidar da natureza. Para o taoista qualquer lugar, seja num templo ou nas margens de um lago, é ideal para à prática da meditação e estar em harmonia com o Tao.

Acredito que este é um dos pontos positivos do taoismo. Vivemos em um mundo extremamente consumista, e muitas vezes para que esse consumo seja contínuo, se faz necessário sacrificar à natureza e o meio ambiente. No mundo moderno perdeu-se o conceito de sagrado. Tudo se tornou profano. A vida animal, vegetal e até própria vida humana se transformaram em meras mercadorias, ou seja, objetos de comércio e consumo.

Para concluir, o que podemos aprender com o taoismo? Acredito que viver sempre em “equilíbrio” é um dos maiores ensinamentos do taoismo pode nos dar, porque quem não vive em equilíbrio acaba caindo em algum extremo. E extremistas podem ser encontrados em quase todos os lugares principalmente na política e na religião. Outra coisa é a busca da harmonia interior e com o meio ambiente. Em um mundo dominado pelo secularismo e o ceticismo a busca da paz interior é algo de grande urgência.


Fontes:
OLDSTONE-MOORE, Jennifer. Tradições chinesas. In: COOGAN, Michael D. Religiões: história, tradições e fundamentos das principais crenças religiosas. São Paulo: Publifolha, 2007.
WILKINSON. Philip. Religiões: guia ilustrado zahar. Rio de janeiro: Zahar, 2011.  

15 de julho de 2018

CONFUCIONISMO, O QUE É ISSO?

“Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si próprio” (Os analectos, XII.2)

O sincretismo religioso é uma tendência que está muito presente na cultura de vários povos ao redor do mundo. Por sincretismo entende-se como à mistura de várias crenças, relativamente diferentes, em um mesmo ato de devoção. Partindo desse pressuposto, tanto brasileiros como chineses são povos que possuem uma cultura sincrética. Por exemplo, um brasileiro, se quiser, pode ser cristão, espirita e maçom ao mesmo tempo. E de modo semelhante, um chinês pode ser confucionista, taoista e budista.

Essa tendência ao sincretismo talvez seja porque as crenças religiosas não são absolutamente perfeitas, ou seja, elas não têm a última palavra sobre tudo, e precisem ser complementadas por outras. Ou, são os próprios religiosos que estão sempre insatisfeitos e buscam nas várias crenças um meio de satisfazer os seus anseios interiores.

Tradicionalmente a religiosidade popular chinesa é formada pela junção do confucionismo, taoismo e do budismo; que juntas são conhecidas como “as três doutrinas” ou os “três caminhos”. O confucionismo ensina a importância de se ter uma boa conduta moral, o taoismo ensina como ter harmonia com à natureza e o budismo como superar os sofrimentos da vida. As três doutrinas se complementam e são importantes para à cultura religiosa chinesa.

Objetivo do texto: Proporcionar ao leitor um conhecimento básico sobre o confucionismo e descobrir o que de bom e proveitoso podemos aprender com ele.

I. QUEM FOI CONFÚCIO?
Na realidade pouquíssima coisa se sabe sobre a vida de Kong Fuzi (ocidentalmente conhecido como Confúcio), o pouco que se conhece sobre esse sábio chinês está mais para lendas do que fatos históricos comprovados. No entanto, ninguém dúvida que os ensinos de Confúcio tiveram muita influência na vida dos chineses, como também, em outros lugares do mundo.

Os escritos confucionistas são lidos por todo o mundo e respeitados por sua essência humana, sabedoria e linguagem direta e simples. Na china, Confúcio tornou-se tão venerado, e seus ensinos tão semelhantes como às ideias religiosas, que na atualidade, o confucionismo é quase visto como uma religião.

Confúcio nasceu, aproximadamente, em 552 a.C. no pequeno Estado de Lu, que faz parte da atual Shandong. Pouco se sabe sobre à família de Confúcio, no máximo se sabe que era uma família muito simples e de poucos recursos. Há evidencia de que Confúcio foi casado e teve filhos, mas não é possível saber qual foi o nome de sua esposa e filhos.
“Exerceu ofícios em geral humildes na corte de Lu, mas quando mais velho dedicou a maior parte de seu tempo ao ensino da moral, adquirindo um círculo de discípulos. Seu renome cresceu após sua morte em 479 a.C., e ele se tornou o mais respeitado mestre de moral da China. Confúcio ensinava o conceito de jen (bondade, humildade ou benevolência), insistindo que essa qualidade podia ser aprendida; não era, como muitos pensavam, uma prerrogativa das classes superiores. [...] Depois da morte de Confúcio, seus alunos difundiram suas ideias pela China com a ajuda de vários livros, conhecidos em conjunto como os Clássicos, que eram atribuídos ao mestre” (Wilkinson, 2011, p. 239).
Ao estudar Confúcio deve-se partir em primeiro lugar dos seus ensinos, e não necessariamente de sua biografia. Os ensinos de Confúcio são fundamentados na moralidade, mais especificamente na prática do bem aos outros. E são "os analectos" a principal fonte para se conhecer os ensinos do sábio chinês. Vejamos alguns trechos dessa obra:

O Mestre disse: "Um homem a quem falta seriedade não inspira admiração. Um cavalheiro que estuda não costuma ser inflexível. "Estabeleça como principio o melhor pelos outros e ser coerente com o que diz. Não aceite como amigo ninguém que não seja tão bom quanto você. "Quando cometeres um erro, não tenha medo de corrigi-lo" (Os analectos, I, 8).

O Mestre disse: "Quem é benevolente não pode permanecer por muito tempo em uma situação difícil e tampouco pode permanecer durante muito tempo em circunstancias favoráveis". "O homem benevolente é atraído pela benevolência porque ele se sente confortável com ela. O homem sábio é atraído pela benevolência porque percebe que ela lhe é favorável." (Os analectos, IV. 2).

Alcançar a harmonia na sociedade era o principal objetivo de Confúcio, e para que esse objetivo fosse alcançado era necessário que os governantes fossem bons, humildes e benevolentes e implantassem esses valores na sociedade. Família, política e sociedade são três áreas que devem ter como princípio moral à benevolência.

II. CONFÚCIO E JESUS.
Confúcio e Jesus têm pontos em comum:

1). São mestres mundialmente reconhecidos;
2). Tiveram um bom número de discípulos;
3). Viveram em épocas de crise moral e instabilidade política;
4). Ensinaram a importância da boa conduta e do amor ao próximo.

Talvez a principal diferença entre os dois seja, que no caso de Confúcio, ele não era venerado como uma divindade por seus primeiros discípulos (mas, diga-se de passagem, que com o passar do tempo, à religiosidade popular chinesa incluiu Confúcio no panteão de divindades populares), nem se preocupava muito com o que acontecia depois da morte. Confúcio estava muito mais focado na vida terrena do que numa suposta vida do além. No entanto, isso não descarta o dever de se ter uma atitude de consideração e respeito pelos antepassados.

Chi-lu perguntou como os espíritos dos mortos e os deuses deveriam ser servidos. O Mestre disse: “você sequer é capaz de servir aos homens. Como poderia servir aos espíritos”. “Posso perguntar sobre a morte? ”. “Você sequer entende a vida. Como poderia entender a morte? ” (Os analectos, XI.12).

III. ÉTICA E MORALIDADE.
Diferente de outras crenças, o confucionismo não está muito interessado em rituais e festas, seu principal objetivo é contribuir na formação do “homem nobre”, isto é, uma nobreza fundamentada na ética e na boa conduta, e não no sentido de realeza. Para Confúcio qualquer pessoa pode ser um nobre desde que se esforce para isso.
Perguntaram a Confúcio: “Existe uma palavra que possa servir de norma de ação para a vida inteira? ” Ele respondeu: “É a palavra reciprocidade (shu) ”. Pois humanidade significa, em concreto, cuidado e tolerância mútua: shu – para Confúcio uma forma abreviada daquela Regra Áurea, que ele de imediato acrescenta: “O que não desejas para ti mesmo, isso também não o faças aos outros” (15,24). Meio milênio, portanto, antes do Sermão da Montanha, Confúcio prega a norma de conduta, inteiramente universal, que lá é formulada positivamente: “Tudo quanto quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles! ” (Mt 7,12). (KÜNG, 2004, p. 117).
Um detalhe interessante, a famosa Regra Áurea não é um ensino ético de origem cristã. Confúcio já ensinava isso quinhentos anos antes do advento do cristianismo. Com isso podemos afirmar que nem tudo o que está registrado nas escrituras cristãs é original, no máximo os cristãos só fizeram repetir algo que já era universalmente aceito. Isso traz à luz uma grande verdade: a ética e a boa conduta não são algo de pertencimento exclusivo de uma religião especifica.  

Para Confúcio o homem nobre é aquele que busca ter uma relação harmoniosa com as pessoas e com o meio ambiente, demostrando para com todos, homens e mulheres, humanidade, respeito, carinho e bem querer. E é no seio da família que essas virtudes devem ser praticadas e transmitidas de geração a geração.

Nas palavras de Küng: “Para Confúcio, o próximo é em primeiro lugar o membro da família” (2004, p.117).

As relações familiares são de grande importância no pensamento ético de Confúcio, é necessário que exista nas famílias atitudes de amor e respeito entre pais e filhos, marido e mulher, tios e sobrinhos, avós e netos, irmãos mais velhos e novos, etc., e consequentemente essas atitudes influenciaram à sociedade e o governo. De acordo com Küng (2004, p.118): “A preocupação primária do confucionismo é com o lado externo da vida chinesa, com a organização da vida familiar e política. Ele considera toda a sociedade humana como um sistema de relações pessoais, que precisam ser harmoniosamente organizadas a partir da família”.

Para concluirmos, o que podemos aprender com Confúcio? Confúcio foi um grande mestre da moral e o seu pensamento está alicerçado nisso. Então o que Confúcio nos ensina é a importância de vivermos e praticarmos o bem ao nosso próximo, mais especificamente entre nossos familiares.

Os ensinos de Confúcio ainda são de grande valor para à nossa sociedade atual. No mundo contemporâneo existem vários países que neste exato momento estão passando por um crise moral e ética. O ódio é um sentimento nocivo que tem contaminado muitos corações.

A falta de respeito dos jovens em relação aos seus pais e professores é algo extremamente absurdo. A ganância e a corrupção de muitos políticos fazem com que muitos países (inclusive o Brasil) não subam a um nível mais alto de desenvolvimento, e com isso, deixando milhares de famílias em uma situação de extrema pobreza. Sem dúvida por trás de tudo isso existe uma perda dos valores éticos e morais. Confúcio ainda é relevante para os problemáticos dias de hoje!


Fontes:
CONFÚCIO. Os analectos. Porto Alegre, RS: L&PM, 2017.
KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Campinas, SP: Verus, 2004.
WILKINSON, Philip. Religiões: guia ilustrado zahar. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

4 de junho de 2018

A RELIGIÃO DOS MESOPOTÂMICOS E A BÍBLIA : Um tema para o Ensino Religioso.



Todos nós conhecemos os relatos da criação do mundo em seis dias e do dilúvio que estão escritos na Bíblia hebraica. No entanto, essas narrativas não são algo de pertencimento exclusivo da tradição bíblica. Há muitos anos atrás (antes mesmo da composição da Bíblia) os antigos povos mesopotâmicos (sumérios) já acreditavam na criação do mundo pela ação dos deuses e na história de um diluvio universal que teve o objetivo de punir a humanidade por causa de seus atos de rebeldia.

As culturas e crenças dos povos vão se mesclando e influenciado umas as outras. E com isso pode-se afirmar que existe uma certa influência da cultura mesopotâmica nos primeiros capítulos do livro do Gênesis. Isso é comprovado pelas evidencias geográficas que o próprio texto bíblico apresenta. O Gênesis menciona a existência de dois rios que estão localizados na região da antiga Mesopotâmia (que hoje é o atual Iraque): o Tigre e o Eufrates. 

“Um rio saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se em seguida em quatro braços. O nome do primeiro é Fison, e é aquele que contorna toda a região de Hévila, onde se encontra o ouro. (o ouro dessa região é puro; encontra-se ali também o bdélio e a pedra de ônix) O nome do segundo é Geon, e é aquele que contorna toda a região de Cuch. O nome do terceiro rio é Tigre, que corre ao oriente da Assíria. E o quarto rio é o Eufrates” (Gênesis 2:10-14).

Mesopotâmia é uma palavra de origem grega que significa “terra entre rios”, e isso faz referência à “crescente fértil” que é o vale onde estão localizados os rios Tigre e Eufrates. Essa pequena evidencia geográfica mostra que na formação do texto bíblico existe a influência de uma antiga civilização “pagã”.

Objetivo do texto: Proporcionar um conhecimento básico da religião dos antigos mesopotâmicos, dando-se destaque especial aos mitos e ritos. Saber se existe alguma semelhança entre a mitologia mesopotâmica e os relatos bíblicos.

I. COMO ERA A RELIGIÃO DOS MESOPOTÂMICOS?
A religião mesopotâmica era essencialmente politeísta, existia uma vasta quantidade de deuses e deusas que direita e indiretamente interviam em cada detalhe do cotidiano da população. Talvez existisse uma divindade especifica para cada atividade laboral. Politicamente os mesopotâmicos não tinham um governo único e centralizado. Toda a população estava dividida em cidades-Estados independentes que tinham um soberano e uma ou mais divindades padroeiras. Segundo alguns historiadores existia na religião mesopotâmica um panteão de quase 3.600 deuses.

Os mesopotâmicos viam transcendente em todos os lugares. Como no momento de fazer o fogo, moldar tijolos, cuidar dos animais, curar as doenças, na pesca, na cultura, etc., alguns deuses estavam muito próximos dos homens e dos seus afazeres diários. E para agradecer as graças recebidas ou pedir ajuda nos momentos de crise, os mesopotâmicos imaginavam os deuses de uma forma antropomórfica, isto é, deuses com características humanas, com olhos para vê-los e ouvidos para ouvir suas preces. 
“Cada cidade tinha o seu próprio deus protetor a quem era dedicado o templo principal. Alguns dos deuses só tinham importância local. Outras divindades exerciam um domínio mais amplo, que muitas vezes era consequência do poder adquirido pelas suas cidades de origem. Por exemplo: Marduque e Assur chegaram a ser muito importantes devido à prosperidade crescente da Babilônia e da Assíria. Em geral havia uma grande tolerância religiosa, e os deuses de uma religião assimilavam os da outra” (ROSSI, 2012).
A religiosidade dos mesopotâmicos tem alguma semelhança com a religiosidade brasileira, mais especificamente com o catolicismo popular. O ponto em comum é a crença de um deus (ou santo) padroeiro. Em nosso calendário existem alguns feriados – que por uma questão religiosa e cultural – são dedicados a algum santo do catolicismo. Por exemplo, no dia 12 de outubro é feriado nacional em devoção a Nossa Senhora Aparecida, que é vista como à “padroeira do Brasil”. Historicamente é possível afirmar que o “imaginário religioso” dos homens não morre, ele apenas assume outras representações à medida que o tempo e as culturas vão mudando.

Por possuir uma fé politeísta os mesopotâmicos eram abertos a todos os tipos de crenças, sincretismos e misticismos. Talvez fosse muito natural que existisse entre eles uma atitude de tolerância religiosa com relação aos deuses de outras cidades. Não fazia muita diferença se uma pessoa era devota de duas ou três divindades ao mesmo tempo. Geralmente em uma família existia à devoção a um deus tutelar que era auxiliado por outros deuses menores. E, possivelmente, quando um fiel mesopotâmico viajava para outra cidade próxima, absorvia os ensinos e crenças dos cultos dedicados aos deuses padroeiros daquela cidade, e ao retornar a sua terra os incluía em sua devoção pessoal e familiar. 
“Os principais centros de atividades religiosas eram os templos, em que os deuses estavam presentes em forma de estátuas divinas, e os sacerdotes eram responsáveis por tratar delas. Existiam diferentes tipos de sacerdotes, que exerciam funções distintas, como a administração, os conjuros, os exorcismos, os augúrios, a adivinhação. A maior parte da informação disponível procede de textos relativos ao palácio e ao templo e, assim, é pouco o que se conhece da religião do cidadão comum” (ROSSI, 2012).
Esqueçamos um pouco a nossa ideia de templo religioso como uma igreja, sinagoga ou mesquita, onde um aglomerado de pessoas de reúnem para prestar culto em dias específicos. Na religião mesopotâmica as celebrações públicas eram feitas fora do templo. No templo só tinha a estátua sagrada que representava à divindade padroeira da cidade e o clero sacerdotal (sacerdotes e sacerdotisas) encarregado das realizações do serviço religioso, como receber as ofertas dos fiéis, cantar louvores e fazer intercessões em favor do povo. 

Além do politeísmo outra característica da religiosidade mesopotâmica (ou suméria) era a adivinhação. Não podemos afirmar, mas talvez os mesopotâmicos fossem muito obcecados em saber qual era a vontade dos deuses. A prática da adivinhação era realizada por sacerdotes especializados. Eles faziam isso de duas formas: por um ritual mágico no qual era inspecionado o fígado de um animal sacrificado ou estudando o movimento dos astros. E daí que vem o que se conhece hoje como astrologia. 

Na Mesopotâmia não existia a ideia moderna de separação entre religião e Estado, ambos andavam juntos e influenciavam-se mutualmente. Os reis de cada cidade-Estado eram os representantes dos deuses na terra. Ou seja, havia um governo teocrático.
“Os soberanos seculares exerciam o poder como representantes dos deuses. Um dos seus mais importantes deveres consistia em efetuar cerimonias destinadas a prevenir o mal e a ganhar a boa vontade das divindades. Em maior ou menor medida, era o soberano que controlava os recursos do templo mais importante da cidade. E não no esqueçamos de que o templo era a instituição mais rica e o principal latifundiário da cidade” (ROSSI, 2012).
Uma das melhores maneiras de um rei controlar o povo é através da religião. Pois a religião dá um sentido à vida das pessoas. Acreditar nos deuses (que são seres mais fortes e poderosos) produz um sentimento de temor e tremor nas pessoas. Sabe-se muito bem que pela fé as pessoas podem fazer as coisas mais estranhas e irracionais.

II. E A BÍBLIA?
Um ponto comum entre a Bíblia e a tradição mesopotâmica é a crença de que o mundo foi criado por Deus (ou deuses), e que houve um dilúvio universal que ceifou a vida de milhares de pessoas no qual somente uns poucos indivíduos conseguiram sobreviver. Apesar de terem algumas semelhanças os relatos da criação e do dilúvio tanto na tradição bíblica como a mesopotâmica são diferentes. 

Afirmar, como alguns tem feito, de que o que existe na Bíblia é um “plágio” dos mitos mesopotâmicos não pode ser comprovado. Quem faz esse tipo de afirmação está apenas querendo criar polêmica, e tentando dizer que a tradição bíblia não é confiável.

Vejamos, de forma resumida, as diferenças que existem entre a tradição bíblica e a mesopotâmica.

1. A criação segundo o mito mesopotâmico:

“No começo, nada existia a não ser Apsu, o oceano de água doce, e Tiamat, o oceano de água salgada. De sua união resulta uma sucessão de deuses, culminando com os grandes deuses Anu e Ea, que gera Marduc. Mas surge um conflito entre os deuses mais jovens e as divindades originais. Ea mata Apsu, e Tiamat decide vingar-se. Ela reúne uma horta de monstros ferozes, tais como o homem-escorpião, comandados por seu filho Kingu, a quem ela dá a “Placa do Destino”, corresponde aos me sumérios.
Vários deuses tentam subjugar Tiamat, mas fracassam e, por fim, o panteão escolhe Marduc como seu paladino. Este aceita, sob a condição de ser reconhecido como rei dos deuses. Ele derrota e mata Tiamat, dividindo seu corpo em dois, uma metade formando o céu e a outra, a terra. De Kingu ele toma a Placa do Destino. A seguir Marduc mata Kingu e com o seu sangue, misturado com terra, cria a espécie humana. Os deuses constroem para Marduc, na Babilônia, um templo próprio, Esagila, com seu zigurate” (WILLIS, 2007, 62).

Qualquer pessoa que tomar a iniciativa de comparar o mito mesopotâmico e a narrativa bíblica verá a grande diferença que existe entre os dois. No mito existe uma luta entre os deuses pelo poder, no qual Marduc tornar-se a divindade principal. Na Bíblia existe apenas um Deus (cujo o nome não é mencionado) que com sua palavra, em seis dias, cria o mundo, toda a vida animal e o homem.

O mito mesopotâmico e a narrativa bíblica juntos explicam uma coisa: que cada povo tem a sua forma peculiar de explicar a origem do mundo. E isso inclui egípcios, celtas, gregos, romanos, africanos, maias, astecas, etc. Ou seja, não existe apenas uma única explicação para a origem do universo, existem várias. E isso é um mistério que atiça a curiosidade da humanidade há vários séculos.

2. O dilúvio no épico de Gilgamesh.

“Utnapistin, o sobrevivente do diluvio do épico de Gilgamesh, reconta em detalhes a construção de um barco em forma de cubo perfeito e dá um quadro vívido dos efeitos do dilúvio. Ele conta como, quando as águas finalmente baixaram, enviou uma pomba, uma andorinha e um corvo para fazerem um reconhecimento do solo e como ele então surgiu para oferecer um sacrifício, em torno do qual todos os deuses se agruparam para “sentir o doce aroma”. Essas características ligam estreitamente a história babilônica à narrativa bíblica do dilúvio. Por fim, Ea diz ao zangado Enlil que este não deveria tentar extinguir completamente a raça humana, e sim puni-la quando necessário, enviando animais selvagens, escassez de viveres ou pragas. Enlil aceita o conselho e recompensa Utnapistin com o dom da imortalidade” (WILLIS, 2007, p.63).

Há semelhanças e diferenças entre o dilúvio mesopotâmio e o bíblico. A principal semelhança é que o dilúvio foi um instrumento usado por Deus (ou deuses) para castigar a humanidade. Utnapistin e Noé são, de certo modo, os únicos sobreviventes da grande inundação. No grande barco, ainda em meio ao dilúvio, Utnapistin e Noé soltam aves para terem uma noção de como estava o nível das águas. Logo após o fim do dilúvio tanto Utnapistin e Noé oferecem sacríficos aos seus deuses.

Uma das diferenças entre o dilúvio mesopotâmico e o bíblico, é que no primeiro os deuses continuam castigando os homens com escassez de alimentos e pragas, mas no segundo o Deus da narrativa bíblica faz uma promessa a Noé de não mais punir à humanidade com as águas do dilúvio.

“Levantou Noé um altar ao Senhor e, tomando de animais limpos e de aves limpas, ofereceu holocaustos sobre o altar. E o Senhor aspirou o suave cheiro e disse consigo mesmo: Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o designo íntimo do homem desde a sua mocidade; nem tornarei a ferir todo vivente, como fiz” (GÊNESIS 8: 20,21)

Outra diferença é que no dilúvio mesopotâmico Utnapistin é agraciado com o dom da imortalidade, mas na narrativa bíblia esse dom não foi concedido a Noé.

Concluindo, podemos percebe que existe, sim, na tradição bíblica a influência da cultura mesopotâmica. E também que o imaginário mitológico dos homens vai adquirindo outras representações e significados à medida que o tempo passa. No entanto, a principal lição que aprendemos com tudo isso é que os homens têm uma profunda necessidade de acreditar em algo maior do que eles, seja no passado, no presente e no futuro.


FONTES.
ROSSI, Luiz Alexandre. Sumérios. In: FUNARI, Pedro Paulo (org.). Religiões que o mundo esqueceu: como egípcios, gregos, celtas e outros povos cultuavam seus deuses. São Paulo: Contexto, 2012.  
WILLIS, Roy. Mitologias. São Paulo: Publifolha, 2007.