Contribuição

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12 de março de 2017

PRINCÍPIOS ÉTICOS NAS RELIGIÕES - Um tema para o Ensino Religioso.


As tradições religiosas são um pertencimento humano. Ou seja, elas fazem parte do contexto social e cultural de um povo. Uma das razões pelas quais vários indivíduos buscam algum tipo de religião é para "colocar ordem na vida". Por causa das intempéries do cotidiano, às pessoas buscam na fé religiosa, sentido para vida, espiritualidade, esperança para viver e também orientações para uma conduta correta. 

A ética é um ramo da filosofia, e as religiões possuem em seu repertório doutrinário princípios éticos. Com isso podemos concluir que: religião e filosofia andam juntas. Geralmente quando uma pessoa procura uma religião, e adere a ela, consequentemente aceitará os princípios éticos e morais dessa religião.


O objetivo deste texto é ser mais uma fonte de apoio para auxiliar o trabalho dos professores do Ensino Religioso. O ethos é um dos eixos temáticos dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNER).

"É a forma interior da moral humana em que se realiza o próprio sentido do ser. É formado na percepção interior dos valores, de que nasce o dever como expressão da consciência e como resposta do próprio "eu" pessoal. O valor moral tem ligação com um processo dinâmico da intimidade do ser humano e, para atingi-lo, não basta deter-se à superfície das ações humanas" (PCNER, 2009, p. 55-56). 
São analisados, de forma resumida, os princípios éticos do hinduísmo, budismo, judaísmo, islã e cristianismo.  

1. Hinduísmo.

"A ética do hinduísmo funda-se no carma, a lei moral de causa e efeito, e no darma, o conceito do caminho moral correto que cada pessoa deve seguir. Como o caráter e as circunstancias de uma pessoa variam, a fé lhe oferece maneiras de viver bem e seguir seu darma" (WILKINSON, 2011, p. 172).
"Aquilo que faço aqui e agora, terá consequências na próxima reencarnação". A ética hindu está completamente ligada a lei da "causa e efeito". O fiel hindu procura a partir do seus méritos e esforço próprio ter uma conduta moral que lhe garanta viver melhor em outra vida.

Mas qual a diferença entre carma e darma? O termo carma vem do sânscrito que significa "ação", "ato","trabalho", está ligado as consequências das ações feitas pelo homem, e que determinarão o que acontecerá com ele futuramente. O carma é um código de ética coletivo, ninguém foge dele. Já o darma é mais individual e está ligado a casta que a pessoa faz parte. Existe um darma para cada tipo de pessoa, e cabe a cada um viver conforme o seu darma. 

"A sociedade hindu é dividida numa série de classes sociais, chamadas varnas ou castas. A vida e as ações de todos dependem da classe em que nasceram. Por tradição, o darma de uma pessoa tem relação direta com a varna em que nasceu. [...] A casta que um hindu nasce afeta sua escolha de trabalho, de cônjuge, e das pessoas com as quais pode comer ou de quem pode aceitar comida. A ética hindu se ajusta a esse sistema de classe, e a pessoa deve obedecer às regras de casta para permanecer ritualmente pura" (WILKINSON, 2011, p. 173).
Não podemos esquecer que dentro desse sistema de castas, existem castas superiores e inferiores. E é um sistema que não permite mudanças, ou seja, quem é de uma casta inferior não pode mudar para outra superior. Em suma, o individuo cresce e morre na casta que nasceu. 

Mas apesar disso, independente da casta, os hindus acreditam que a vida é sagrada. A violência deve ser evitada. E é condenável matar animais para alimentação. Essa é a causa da vaca ser um animal sagrado para os hindus. Os hindus não comem carne de vaca, eles são essencialmente vegetarianos. 


2. Budismo.

O Budismo é uma divisão do hinduísmo, mas tomou emprestado alguns princípios éticos da antiga religião.
"Tal como outras religiões da Índia, como o hinduísmo e o jainismo, o budismo adere à lei da causalidade moral, ou carma, segundo a qual os seres humanos acumulam mérito ou demérito (carma bom ou mau) como resultado de seu comportamento.[...] Nesse ínterim, esperam acumular mérito seguindo os preceitos éticos estabelecidos quando o budismo surgiu" (WILKINSON, 2011, p. 194). 
A ética budista está fundamentada no "caminho das oito vias", é através deste caminho em que o fiel budista se esforça para se livrar do sofrimento e do desejo. Semelhante ao hinduísmo, a ética budista é essencialmente meritória, ou seja, é pelos seu méritos que o budista alcança à libertação dos desejos e do ciclo de reencarnações. 
"Com base em sua própria experiência, Buda acreditava que o homem deve evitar os extremos da vida. Não se deve viver nem no prazer extravagante, nem na autonegação exagerada. Ambos os extremos acorrentam o homem ao mundo e, assim, à "roda da vida". O caminho para dar fim ao sofrimento é o "caminho do meio", e Buda o descreveu em oito partes: (1) perfeita compreensão; (2) perfeita aspiração; (3) perfeita fala; (4) perfeita conduta; (5) perfeito meio de subsistência; (6) perfeito esforço; (7) perfeita atenção, e (8) perfeita contemplação" (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 57).
Os pontos 3, 4 e 5, estabelecem código moral no budismo. A perfeita fala significa que homem deve se abster de falar mentiras, calúnias e fofocas. O budista deve falar de forma verdadeira e amigável com o seu semelhante. A perfeita conduta está relacionada a não matar, não roubar, não ter uma vida promiscua, etc. A perfeita subsistência está relacionado à escolha de uma profissão. O budista não teve escolher um trabalho que entre em confronto com os ensinamentos budistas. Por exemplo, é incompatível um budista ser açougueiro, pois esse trabalho entra em desacordo com o princípio budista de não matar.

3. Judaísmo. 

"O judaísmo tem centenas de mandamentos, mas os judeus não veem sua fé como legalista. Como os ensinamentos da Torá e do Talmude são muito práticos e cobrem todos os aspectos da vida, os judeus estão conscientes de sua religião e de sua ligação com Deus em tudo o que fazem" (WILKINSON, 2011, p. 72).
A ética judaica não é dualista, ou seja, os judeus não fazem distinção entre ética e vida religiosa. Na Torá judaica existem ao todo 613 mandamentos, que regem vários aspectos da vida dos judeus.
"O judaísmo dá destaque a uma série de qualidades eticamente boas: generosidade, hospitalidade, boa vontade para ajudar, honestidade e respeito pelos pais. Um princípio fundamental é não fazer mal aos outros, ou, de maneira afirmativa: "Amará o teu próximo como a tio mesmo" (Levítico 19.18). [...] A Bíblia exige que sejam dados de presente aos pobres os frutos da terra. Desde os tempos antigos era hábito não colher o que desse nos cantos dos campos, para que os pobres pudessem ali entrar e colher para si. Do mesmo modo, parte das azeitonas e das uvas era deixada nas árvores e nos vinhedos para ser apanhada pelos pobres" (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 112).
Colocar esses preceitos em prática é uma forma do fiel judeu se aproximar do Eterno. À medida que os mandamentos da Torá são observados e praticados; a vida social e comunitária dentro do judaísmo se torna justa, no sentido de que os menos favorecidos sejam amparados e os mais abastados sejam solidários. 

4. Islã. 

"O Islã é uma religião prática. Oferece a seus seguidores um corpo de instruções sobre como viver suas vidas, e estabeleceu um sistema, chamado xariá, para orientar a tomada de decisões morais e legais. Enraizadas no Corão, essas instruções morais também acolhem a opinião de líderes religiosos" (WILKINSON, 2011, p. 134).
Todos princípio éticos islâmicos estão contidos na Xariá. É através dela que à vida do fiel muçulmano, como da sociedade são regidos. O Corão é o principal fundamento da Xariá e da ética muçulmana. No entanto, também existe a Suna que são os relatos da vida do Profeta Maomé. Quando uma passagem do Corão não é bem compreendida, a Suna (Hadith) do Profeta serve como auxilio interpretativo. Quanto mais o crente muçulmano conhece o Corão, mais aprenderá os princípios éticos do Islã. 

5. Cristianismo.

O principal fundamento da ética cristã é a vida e os ensinos de Jesus Cristo. O fiel cristão procurará conduzir a sua vida através do que Cristo ensinou. O sermão da montanha, registrado no Evangelho de São Mateus, é uma das bases para fundamentação da ética cristã. 
"O chamado Sermão da Montanha (Mateus 5-7) é fundamental para as bases éticas do cristianismo. Jesus começa dizendo à multidão que não veio para revogar a lei judaica de Moisés, mas sim para cumpri-la. Ele prossegue estabelecendo um novo sistema ético que estende a lei mosaica de um modo que se tornou fundamental para a formulação de uma moralidade cristã distinta. Amplia o mandamento "Não matarás", fazendo-o incluir até o fato de alimentar raiva contra o outro; expande o mandamento contra o adultério para que abranja desejos lúbricos; e reforça a injunção contra a invocação em vão do nome do Senhor, nela inserido praguejar falando em céu, terra ou em si próprio" (GOOGAN, 2007, p. 75).
Por ser a religião com o maior número de adeptos; é comum que os princípios éticos do cristianismo acabem se espalhando para outras partes do planeta. Várias nações e países foram, durante sua história, moldados em princípios éticos cristãos. Trabalhos beneficentes, decisões jurídicas e a constituição de alguns países, foram direta ou indiretamente fundamentados em algum principio ético cristão.  

6. Considerações finais.

Ao analisar resumidamente os princípios éticos dessas cinco religiões podemos concluir que: 

1. Cada religião tem uma forma diferente de entender o que é ética; 

2. Por terem surgido em contextos sociais e culturais distintos, as religiões podem ter princípios de conduta que podem gerar conflitos com os de outra religião. Por exemplo, o Corão permite que o homem, se tiver condições econômicas, tenha até quatro mulheres (Alcorão 4.3) . É o que chama-se de poligamia. Na ética cristã a poligamia não é permitida; 
3. Os princípios éticos não são eternos, eles podem sofrer algum tipo de mudança com o passar do tempo; 
4. As religiões procuram, cada uma ao seu modo, serem um canal de mediação entre o homem e o transcendente. 



REFERÊNCIAS: 
COOGAN. Michael. Religiões. São Paulo, Publifolha, 2007.
HELLERN, Vitor; NOTAKER, Henry; GAARDER, Jostein. O livros das Religiões. São Paulo. Companhia das letras, 2000.
FONAPER. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Religioso. São Paulo, Mundo Mirim, 2009.
WILKINSON, Philip. Religiões: guia ilustrado Zahar. Rio de Janeiro, Zahar, 2011.

5 de março de 2017

A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA EXPANSÃO DO CRISTIANISMO PRIMITIVO - Um estudo sociológico.


Há muitos detalhes sobre a vida dos cristãos primitivos que nós desconhecemos. Existe muita literatura escrita e publicada contando e recontando a história deles. A principal fonte é o livro histórico dos Atos do Apóstolos, escrito pelo médico Lucas, que segundo a tradição cristã foi companheiro de viagens do apóstolo Paulo. Depois vem outras literaturas históricas que procuram fazer algumas complementações sobre como era o cotidiano da comunidade cristã primitiva. Mas aqui cabe uma observação: tem sido dada muita ênfase às atividades dos homens, e pouquíssima coisa é dita sobre à atuação das mulheres.

Pessoalmente comparo a história dos cristãos primitivos como um "grande bolo", no qual o livro dos Atos dos apóstolos é apenas uma "pequena fatia" deste bolo. Ou seja, Lucas não diz tudo o que aconteceu naquela época do primeiro século da era cristã. Há muito mais coisas para serem descobertas e escritas.

O presente texto tem como objetivo dar destaque especial à atuação das mulheres na sociedade de seu tempo, e como elas contribuíram na expansão da religião cristã antiga. E ao mesmo tempo conhecer um pouco melhor o "contexto social" onde elas viveram.

1. A decadência moral do mundo greco-romano clássico.
Historicamente a religião cristã surgiu em um contexto onde quem dominava o mundo era o Império Romano. Naquele tempo à sociedade era politicamente dominada pelos romanos e intelectualmente dominada pelo pensamento grego. Com essa junção surgiu o que podemos chamar de ambiente "greco-romano".

Naquela sociedade o homem era o centro de tudo, isto é, os homens eram quem ditavam as regras. Em um contexto como esse, onde homem é o chefe supremo, as mulheres não tinham vez e voz. Elas tinham um status inferior na sociedade. As mulheres romanas e atenienses sofriam bastante.
"O status das mulheres atenienses era muito inferior. As meninas recebiam pouca ou nenhuma educação. Em geral, as mulheres de Atenas casavam-se na puberdade e muitas vezes até antes. Segundo a lei ateniense, a mulher era considerada como criança, independentemente da idade, e, portanto, constituía propriedade legal de alguns homens em todos os estágios de sua vida. Os homens podiam divorciar-se pela simples dispensa de uma esposa da casa. Além disso, se uma mulher fosse seduzida ou raptada, seu marido era legalmente obrigado a divorciar-se dela. Se uma mulher quisesse o divórcio, seu pai ou algum outro homem tinha de levar o caso à apreciação de um juiz. Por fim, as mulheres atenienses podiam possuir bens, mas o controle da propriedade sempre cabia aos homens, aos quais ela "pertencia". (STARK, 2006, p.117).
Pelo que podemos ver, as leis eram feitas para proteger e conceder mais direitos aos homens do que para as mulheres. Igualdade entre homens e mulheres era algo estranho para o mundo greco-romano. É possível afirmar que nesse contexto a mulher era mais considerada com um objeto do que como pessoa. 



Além desse fato, existia uma prática mais desumana: o aborto e o infanticídio de crianças recém-nascidas. Penso que em uma sociedade onde esse tipo de prática é aprovada, ela não ficará de pé por muito tempo. Talvez esse tenha sido um dos motivos da desgraça do mundo greco-romano. 
"Era comum abandonar ao relento uma criança indesejada, pois assim ela podia, em principio, ser recolhida por alguém que desejasse criá-la, mas nessas condições geralmente era vitimada pelas intempéries ou pelo animais e pássaros. O abandono de crianças era prática não só muito corriqueira, como também legalmente justificada e defendida pelos filósofos" (STARK, 2006, p. 134).
Nem tudo o que os filósofos gregos disseram ou ensinaram merece o nosso respeito. Qualquer tipo de filosofia que pregue ou incentive à morte de inocentes deve ser descartada. 

No mundo greco-romano o número de homens era maior do que o das mulheres.  Isso por causa do aborto. Muitas mulheres morriam ao abortarem seus bebês. E os métodos abortivos da época eram muito inadequados.  
"Dessa forma, o aborto não só impedia a ocorrência de muitos nascimentos, como também levava à morte grande número de mulheres, antes que pudessem dar sua contribuição à fertilidade. O resultado dessa prática era uma incidência significativa de casos de infertilidade nas mulheres que sobreviviam aos abortos" (STARK, 2006, p. 135).
Há algumas razões para que a prática do aborto no mundo greco-romano fosse tão comum: 1) Promiscuidade - é possível que mulheres casadas (e também solteiras) engravidavam de outro homem na ausência do marido, e com isso, secretamente praticavam o aborto; 2) Questões econômicas - mulheres pobres abortavam por não terem condições de sustentar um filho, e as mulheres ricas faziam aborto para não compartilhar os seus bens com muitos herdeiros; 3) O poder do homem - a legislação romana dava ao homem o poder de vida e morte sobre os membros da família. Tudo indica que uma das maiores causas de aborto no mundo greco-romano vinha por determinação masculina. Quando uma criança era indesejada o marido mandava a esposa ou amante abortar. Somente bebês com boa formação física e do sexo masculino poderiam viver. 

Esses fatores sociais servem para mostrar o que pode levar uma sociedade ao declínio. Por trás de todos os problemas sociais, culturais e econômicos, existe o declínio moral. Não é à toa que grandes reinos e impérios caíram. E qualquer semelhança com o Brasil e com outros países não é mera coincidência!

2. A contribuição das mulheres na expansão do cristianismo primitivo. 

A situação das mulheres dentro da religião cristã era muito melhor, comparando com à realidade das mulheres pagãs do mundo greco-romano. O cristianismo antigo tinha valores que proporcionavam as mulheres a terem um "status mais elevado" dentro da comunidade cristã. 

Se no mundo greco-romano pagão tinha mais homens do que mulheres. No cristianismo antigo a situação era inversa: tinha mais mulheres do que homens. Essa diferença parte do princípio de que dentro da religião existiam normas éticas que proibiam o aborto e o infanticídio de crianças de ambos os sexos. É possível supor que nasciam mais meninas do que meninos. 
"Em primeiro lugar, um aspecto importante do avançado status das mulheres na subcultura cristã é que as cristãs não toleravam o infanticídio. Isso decerto era o resultado da proibição contra todos os infanticídios. No entanto, a concepção mais favorável do cristianismo em relação às mulheres também é demonstrada em sua condenação do divórcio, do incesto, da infidelidade conjugal e da poligamia". (STARK, 2006, p. 119).
Havia muitas mulheres solteiras, férteis e prontas para o casamento. Mas como o número de homens cristãos era menor, muitas dessas mulheres se casaram com homens pagãos do mundo greco-romano. E isso gerou um grande número de casamentos exogâmicos, isto é, casamentos mistos. Os homens acabavam se "convertendo" à religião da esposa, e muito provavelmente os filhos que eram gerados foram sendo criados nos princípios da religião cristã. 
"Tanto Pedro como Paulo sancionaram o casamento entre cristãos e pagãos. Pedro exortava que as mulheres de maridos inconvertidos se sujeitassem a eles, de modo que os homens pudessem ser atraídos para a fé ao "observarem vosso comportamento casto e respeitoso" (1Pd 3,1-2). Paulo dá instruções semelhantes, notando que "o marido incrédulo é santificado pela esposa" (1Cor 7,13-14). Ambas as passagens são comumente interpretadas como dirigidas a pessoas cuja conversão se dera após o casamento" (STARK, 2006, p. 127).
Também é possível afirmar que algumas dessas mulheres tiveram à sorte de contrair núpcias com homens da elite romana. Esses casamentos mistos geraram muitas "conversões secundarias", para à religião cristã. Ou seja, as mulheres abraçavam a fé (conversão primária), e os homens por causa da influência religiosa da esposa também abraçavam a fé (conversão secundária). Sem dúvida o cristianismo antigo era muito atraente para as mulheres.

Tudo também indica que as mulheres assumiam posições de liderança dentro da religião. Mas diga-se de passagem que esse é um tema que causa muita polêmica em algumas comunidades cristãs tradicionais contemporâneas. 
"No que se refere ao status das mulheres na Igreja primitiva, acredita-se muito na passagem de 1Cor 14,34-35, em que Paulo parece proibir as mulheres até de falar na Igreja. Laurence Iannaccone (1982) sugeriu que esses versículos teriam sido o oposto da posição de Paulo, configurando-se na realidade como citação de alegações feitas em Coríntios e que Paulo então refutara. Certamente a afirmação discrepa de qualquer coisa mais que Paulo tenha escrito a respeito do papel adequado das mulheres na Igreja. Além disso, por diversas vezes Paulo reconhece as mulheres em posição de liderança em várias comunidades" (STARK, 2006, p. 123).
É comprovado que na religião cristã antiga as mulheres assumiam a função de "diaconisas" (servas), e que estavam a frente das obras de caridade e beneficência.  Houve uma diaconisa na cidade de Roma cujo o nome era Febe, que contribuía na ordem litúrgica dos cultos e na obra social.
"Em Rm 16,1-2, Paulo apresenta e recomenda à comunidade de Roma "nossa irmã Febe, diaconisa da Igreja de Cencréia", que lhe fora de grande préstimo. Os diáconos tinham importância considerável na Igreja primitiva, prestando assistência às funções litúrgicas e administrando as atividades beneficentes e assistenciais da Igreja" (STARK, 2006, p. 124).
É grande a diferença entre o mundo greco-romano pagão e o cristianismo primitivo, em relação a atitude para com as mulheres. Mas por trás disso existe algo machado "cosmovisão", isto é, visão de mundo. O cristianismo primitivo nasceu em um contexto onde o poder do macho (machismo) era a ideologia dominante. Já a religião cristã defendia (e defende) que "homens e mulheres são juntos "a imagem e semelhança de Deus", e com isso um não pode subjugar o outro. 

Para concluir podemos dizer que o cristianismo antigo foi, em sua época, um movimento religioso revolucionário, porque ele trouxe dignidade e respeito para as mulheres, coisa que o mundo greco-romano pagão desconhecia. 

Fonte:
STARK, Rodney. O crescimento do cristianismo: Um sociólogo reconsidera a história. São Paulo. Paulinas, 2006.

1 de março de 2017

A BÍBLIA E O ALCORÃO - Um estudo comparado.


Tanto judeus como cristãos consideram a Bíblia como a palavra de Deus. Ela é a revelação de Deus para a humanidade. Por outro lado, para a comunidade muçulmana o Alcorão é a autentica palavra de Deus. Mas o que existe de comum e divergente entra a Bíblia e o Alcorão? Este é o objetivo deste sucinto texto: colocar a Bíblia e o Alcorão frente a frente, e com isso descobrir quais são os pontos comuns e os divergentes entre esses dois livros sagrados. 

1. A Bíblia dentro do Alcorão. 
Judaísmo, cristianismo e islamismo são religiões de revelação. Elas tem o objetivo de tornar Deus (Javé, Jesus ou Allá) conhecido. Das três o Judaísmo é a crença monoteísta mais antiga. Em parte, o cristianismo e o islamismo tomam emprestado alguns princípios das escrituras judaicas para fundamentar as suas doutrinas e escrituras. Sem dúvida Maomé conhecia a Torá judaica e o Evangelho cristão.
"Maomé conhecia antes de tudo o Pentateuco, especialmente o Livro do Gênesis. Ele conhecia tradições provenientes dos livros históricos, tal como a história de Davi e Golias (Sura 2.250), conhecia Davi e Salomão (34.10-12), mas não conhecia os profetas e os livros sapienciais. [...] As constantes repetições das histórias da criação, de Abraão e de Moisés são as que mais causam impressão de que o Antigo Testamento esteja tão amplamente presente no Alcorão, embora as variantes narrativas possam desfazer um pouco os estereótipos de estrutura narrativa" (GNILKA, 2006, p. 64).
Nenhuma religião é singular. Toda nova religião é influenciada ou nasce de outra mais antiga. Uma coisa comum entre o Evangelho cristão e o Alcorão islâmico, é que ambos buscaram no Antigo Testamento judaico à base para se fundamentarem. Aqui encontramos um ponto de convergência.

Mas como foi que Maomé teve contato com as Escrituras hebraicas e cristãs? Infelizmente há pouquíssimas fontes históricas que mostrem detalhadamente esse encontro "ecumênico". Conjectura-se que em Meca e Medina (que foram as duas cidades árabes onde Maomé exerceu sua influência), provavelmente haviam comunidades judaicas e cristãs. Há uma passagem no Alcorão onde Maomé cita "as tretas" que existiam entre judeus e cristãos: 

Os judeus dizem: "Os cristãos não se baseiam em nada". E os cristãos dizem: "Os judeus não se baseiam em nada". Uns e outros, porém, recitam as Escrituras. E os que nada sabem fazem as mesmas alegações. Deus julgará suas disputas no dia da Ressurreição (Alcorão 2.113).  

Tudo indica também que Maomé tinha algum conhecimento sobre os evangelhos apócrifos. Há trechos do Alcorão que citam os "supostos" milagres que Jesus fez quando era criança.

E Deus dirá a Jesus: "Ó Jesus, filho de Maria, lembra-te de Minha graça sobre ti e sobre tua mãe quando te fortaleci com o Espírito Santo, e falaste aos homens no berço e na tua idade madura. E quando te ensinei o Livro, a sabedoria, a Torá e o Evangelho, e quando, Eu permitindo, modelaste com barro uma figura de pássaro e sopraste nela, e ela era pássaro. E quando, com Minha permissão, curava os cegos e os leprosos e ressuscitava os mortos. E quando te protegi contra os filhos de Israel na época em que lhes dava as provas, e os descrentes dentre eles diziam: 'Tudo isso não passa de magia.' (Alcorão 5. 110). 

Mas por que Maomé consultou as Escrituras judaicas e cristãs? Será que as revelações divinas que ele recebeu através do anjo Gabriel não eram suficientes? Pode-se supor que o discurso monoteístas das Escrituras judaico-cristãs era importante para Maomé, porque esse também era o seu discurso. Abraão, Moisés e Jesus foram rejeitados pelos seus. Maomé também foi rejeitado. É possível dizer que Maomé encontrou uma inspiração nos personagens bíblicos, apesar da tradição islâmica considerar Maomé como o último profeta de Deus. 

2. Pontos teológicos. 
Nesta parte descobriremos quais são os pontos convergentes e divergentes entre à Bíblia e o  Alcorão. 

2.1. Convergências.
a) Bíblia e o Alcorão são livros de religiões de revelação, isto é, Deus se revela aos homens através do texto escrito. E esses textos acabaram sofrendo à influência do contexto cultura de onde surgiram.

b) O monoteísmo é um ponto em comum entre o Antigo testamento e o Alcorão. Somente existe um único Deus. Neste caso o politeísmo (adoração a várias divindades) é totalmente rejeitado. O Deus da Bíblia é o Deus do Alcorão. Mas o Alcorão interpreta esse Deus de uma forma diferente. No entanto, o conceito cristão de Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), não defendido no Alcorão. 

c) Bíblia e o Alcorão concordam que Deus criou os céus e terra.

d) No Alcorão Jesus é respeitado como um "grande profeta" de Deus. Maria mãe de Jesus também é muito respeitada.

e) Abraão é o maior elo de ligação entre a Bíblia e o Alcorão. "Abraão é modelo para o Alcorão pelo fato de se ter convertido ao monoteísmo. Para o povo judeu Abraão é o patriarca" (GNILKA, 2006, p. 217).

f) A Bíblia e o Alcorão concordam que a raça humana teve sua origem em Adão. Mas, o entendimento cristão de "pecado original", isto é, que em Adão toda à humanidade caiu em pecado, não encontra apoio do Alcorão. Cada um é responsável pelos seus erros.

g) O Novo testamento e o Alcorão concordam que haverá à ressurreição dos mortos.  

2.2. Divergências.
a) O conceito cristão de que Deus se revelou em Jesus de Nazaré é rejeitado pelo Alcorão. Deus se revelou em um livro, e esse é o Alcorão. 

b) O Alcorão reconhece Jesus como "filho de Maria" e não como "Filho de Deus". A divindade de Cristo é negada pelo Alcorão. A divindade de Jesus defendida pelos cristãos entra em conflito com o monoteísmo. Nesse ponto judeus ortodoxos e muçulmanos andam juntos.  

c) No Alcorão a redenção é produto do esforço humano, ou seja, é o próprio homem que pela sua submissão e obediência aos preceitos corânicos, alcançará a ressurreição. A redenção do ponto de vista cristão, não tem apoio no Alcorão.

d) Na Bíblia Isaac e seus descendentes são os herdeiros de Abraão. No Alcorão é Ismael filho da escrava Agar o verdadeiro descendente abraâmico. Aqui está a origem da guerra entre israelenses e palestinos! 

3. Conclusão.
Podemos ver que existe mais concordância entre o Antigo Testamento judeu e o Alcorão do que com o as Escrituras cristãs. E é notório que o "divisor de águas" é a visão que cada livro tem sobre Jesus. É possível dizer que o maior fundamento da mensagem de Maomé foi o monoteísmo, a crença que existe um único Deus. Assim, a divindade de Cristo e o conceito de Trindade entram em choque com o conceito de Deus corânico.  

Fontes:
O Alcorão: livro sagrado do Islã. 
GNILKA, Joachim. Bíblia e Alcorão: o que os une - o que os separa. São Paulo. Loyola, 2006. 

23 de fevereiro de 2017

NIETZSCHE NÃO ERA ATEU, APENAS NÃO ACREDITAVA NO DEUS DO CRISTIANISMO


O alemão Friedrich Nietzsche é famosamente conhecido como o filósofo que anunciou a "morte de Deus", e por causa disso, muitos o consideram como ateu e inimigo de qualquer tipo de religião. Mas será que isso procede? Será que não existiu algum tipo de religiosidade no autor de Assim falou Zaratustra

O presente texto é uma breve reflexão filosófica e tem como referência a obra Religião em Nietzsche"Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar", de Mauro Araujo de Sousa. O objetivo é mostrar que nem tudo o que ouvimos falar sobre Nietzsche condiz com a verdade. Que é possível sim encontrar algum tipo de religiosidade em pessoas céticas, ou seja, céticas em relação a um tipo de Deus, mas a outros não. 

Sem dúvida Nietzsche foi um dos pensadores mais importantes do século XIX, suas obras até hoje "fazem a cabeça" de muita gente. Ele nasceu em uma família luterana e seu pai foi ministro luterano. Nietzsche até pensava em seguir carreira eclesiástica, mas mudou de ideia ao ter um encontro com a filosofia. Talvez em algum momento de sua vida ele tenha se decepcionado com a religião de sua família e com isso passou a seguir por outro caminho.  

"O interesse nessa reflexão não é postar Nietzsche frente a denominações religiosas, a partidos religiosos, os quais se fazem a voz de muitas denominações religiosas do Oriente e do Ocidente. Por isso, é muito importante, também nesse viés, que os "deus" em que Nietzsche acreditaria, e que de certo modo já se faz presente - e essa é a leitura aqui - , seja um "deus" completamente diferente de muitos outros aos quais estamos acostumados. [...] Esse "deus' não precisa de nós... Quanto a muito de nós, queremos, e tentamos várias vezes, escapar desse "deus" ... O "deus dançarino" de Nietzsche... Uma provocação... " (SOUSA, 2015, p. 31).
Falar de religião em Nietzsche não é algo muito fácil, isso por que ele faz severas críticas a todos os tipos de religião, em destaque ao Cristianismo. Religião vem da palavra religare, isto é, fazer uma ligação com o que foi desligado. Os homens criam suas religiões com o objetivo de fazerem uma religação com o transcendente ou divino. Os deuses que os homens estão acostumados em conhecer não vivem na terra, mas em um lugar superior. 


O "deus dançarino" de Nietzsche poderia ser um deus que se movimenta e que está na Terra, em muitas situações ele se fundiria com à própria terra. Se existisse uma "religião nietzschiana ela seria essencialmente imanente", isto é, procuraria religar o homem não com o céu, mas com à própria vida terrena. É muito provável que Nietzsche criticava o cristianismo pela influência do dualismo platônico, que indiretamente, foi incorporado no pensamento cristão. Um dualismo que não "religa" mas faz separação. Espírito e corpo, vida e morte, céu e terra. Dualismo era algo que Nietzsche detestava!
"Daí, entendemos que o deus de Nietzsche, que está em Dionísio, que está em todos nós que está na vida, no cosmo enfim, é um deus chamado vontade de potência" (SOUSA, 2015, p. 56).
O "deus dançarino" que Nietzsche poderia acreditar está em todas às parte da terra e da vida humana. Esse deus está sempre em movimento, mudando e evoluindo. Ele habita no mundo e no homem. Na visão nietzschiana à vida humana é sagrada, e é com essa vida sagrada que o religioso nietzschiano deve se religar. "Ora, para Nietzsche, não deve existir uma religião separada da natureza" (SOUSA, 2015, p. 57).

Um retorno ao paganismo? Difícil afirmar. Estar em harmonia com à natureza sempre foi uma prática das religiões antigas. "Deus é tudo, e tudo é deus". Não está comprovado se Nietzsche abraçaria o antigo paganismo, mas uma religiosidade que defende o estar em contato permanente com à natureza, pode ter alguma semelhança com o paganismo. Uma religiosidade da Terra e não do céu. 


É complexo falar de religião em Nietzsche, mas esta breve reflexão mostra que em pessoas céticas pode existir algum resquício de religiosidade.


Fonte:

SOUSA, Mauro Araujo de. Religião em Nietzsche: "Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar". São Paulo, Paulus, 2015.

15 de fevereiro de 2017

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA BÍBLIA - PARTE III


Nesta terceira e última parte de nosso estudo sobre à formação histórica da Bíblia, vamos descobrir como foi criado o Novo Testamento cristão. Católicos e protestantes discordam sobre a quantidade de livros que compõem o Antigo Testamento (Bíblia hebraica), mas no que tange ao Novo Testamento não há entre os dois grupos qualquer discordância.  

Quais foram os fatores históricos que coagiram à Igreja primitiva a escolher "somente" 27 livros (Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos, Romanos, 1 e 2 Corintios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, Filemom, Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse) que hoje compõem o cânon do Novo Testamento? Sem dúvida um desses fatores foi o surgimento de grupos heréticos como: marcionistas, montanistas e gnósticos. 

Como ainda não existia uma coleção fechada de livros sagrados, esses grupos estavam livres para selecionarem os livros que estivessem de acordo com suas preferências e opiniões particulares. E essa tendência continua muito viva. Na atualidade à Bíblia está fechada, porém, há muitos cristãos que são seletivos na leitura dela, escolhem apenas às passagens que concoedem com suas intenções e interpretações particulares.

perseguição decretada pelo Imperador Diocleciano foi outro fator histórico que levou à Igreja primitiva a escolher e preservar os livros que formariam o cânon bíblico cristão. 

"Um dos fatores decisivos que levou os primeiros cristãos a aceitar como sagrados alguns livros adotados em comunidade cristãs particulares foi a perseguição (303-313 EC) aos cristãos desencadeada pelo imperador romano Diocleciano. Diocleciano expediu um édito ordenando que os cristãos entregassem seus livros sagrados às autoridades para serem queimados. Ele lançou a última perseguição extensiva a todo o império em 23 de fevereiro de 303. Os motivos dessa investida não são muito claros, mas provavelmente deveu-se à influência crescente dos cristãos que não apoiavam o sistema religioso seguido pela maioria da população no império. Os atos de hostilidade mais flagrantes contra os cristãos são bem conhecidos: detenções, prisões, confisco de bens e propriedades, tortura e a própria morte, caso os cristãos se recusassem a entregar seus livros sagrados" (MCDONALD, 2013, p. 199). 

O sistema religioso romano era politeísta, os romanos veneravam várias divindades e até mesmo o próprio imperador. Historicamente os cristãos não acreditavam nos deuses do panteão romano, eles unicamente prestavam culto a um único Deus. Existiu sim uma intolerância religiosa contra os cristãos por parte do governo. A preservação dos textos sagrados, que futuramente seriam incluídos no cânon bíblico, era uma questão de vida ou morte. Vida por que eles dariam sustentação à doutrina da Igreja, e morte por que sem eles às futuras gerações de cristãos não conheceriam à vida e os ensinos de Jesus. 

A influência política de Constantino sobre a Igreja também contribuiu para a formação e canonização da Bíblia cristã. Se Diocleciano perseguiu a igreja cristã, Constantino a acolheu e fez dela a "religião oficial do Império Romano". 

"Existem evidências de que Constantino impulsionou as igrejas para uma uniformidade até então inexistente. É indiscutível que o reinado de Constantino caracterizou um momento de transição muito importante para a Igreja, que de comunidade perseguida por um governo pagão passou a ter um relacionamento longo e harmonioso com o Estado. No início, essa relação foi especificamente benéfica para as igrejas, e com o tempo produziu mudanças profundas e duradouras na organização e missão da Igreja. [...] Isso se deu, primeiro, pelo Édito de Milão, em 313, que concedeu liberdade religiosa a todos os súditos romanos, não apenas aos cristãos. Os benefícios para os cristãos aumentaram mais tarde, inclusive, quando Constantino ordenou a reparação ou a reconstrução dos edifícios da Igreja danificados ou destruídos durante as implacáveis perseguições dos anos 303-313, tudo a expensas do erário público" (MCDONALD, 2013, p. 205).

Com Constantino, cristianismo e Estado andavam juntos. Depois dessa mudança à Igreja cristã nunca mais foi a mesma. Por um lado, ela estava em paz para elaborar sua doutrina e escolher os livros que iriam compor o que conhecemos hoje como Novo testamento. Mas também ela estava submissa às ordens de Constantino, ou seja, ela não era totalmente livre. Há historiadores que duvidam da suposta "conversão" de Constantino ao cristianismo. 

"Depois de converter-se, continuou a cultuar o deus pagão do seu pai e revelou tendências para um cristianismo sincretista, em que identificava o Deus cristão como o sol. Ele transformou o primeiro dia da semana (Dia do Senhor) em feriado e chamou-o de "venerável dia do sol" (Sunday, em inglês). [...] A conversão de Constantino, não obstante, foi um evento histórico dos mais importantes para os cristãos, levando a Igreja a uma verdadeira nova era. [...] O envolvimento de Constantino nos assuntos da Igreja foi grande. Independentemente do convite que recebeu dos cristãos para ajudar a resolver atritos existentes na Igreja, quase desde o início ele considerou dever seu envolver-se em inúmeras decisões das igrejas" (MCDONALD, 2013, p. 206).

Semelhante aos seus antecessores Constantino zelava pela uniformidade do seu reinado, isto é, todos deveriam ter o mesmo pensamento. Controvérsias e desuniões deveriam ser combatidas. Ele viu que os cristãos eram muitos desunidos em questões de doutrina, sempre havendo debates e controvérsias entre eles (e qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência). Muito provavelmente Constantino não entendia nada de teologia, mas mesmo assim ele determinava que houvessem concílios e que as controvérsias dentro da igreja fossem resolvidas. Ironicamente que mandava na Igreja não eram os bispos, mas o Imperador. Isso mostra que a relação entre política e religião sempre será problemática!

Mas foi no reinado de Constantino que se deu início à escolha e canonização dos livros que iriam compor à Bíblia cristã. Esse processo durou quase três séculos, desde o início do ministério de Jesus até a época de Constantino. Tudo isso levanta muitas perguntas e dúvidas. Por que esses livros e não outros? Como foi que a Igreja fez para saber o que era ou o que não era sagrado?  Vejamos alguns critérios essenciais, mas é bom ficar claro que esses critérios são limitados e podem ter erros.

1. Autoridade apostólica - "Uma vez que o próprio Jesus não deixou qualquer documento escrito, os escritos disponíveis à igreja dotados de maior autoridade foram aqueles procedentes de seus apóstolos" (BRUCE, 2015, p. 212). 

2. Antiguidade - "Se um escrito era obra de um apóstolo ou de alguém intimamente associado a um apóstolo, deveria pertencer à era apostólica. Escritos de data posterior, fossem quais fossem seus méritos, não poderiam ser incluídos entre os livros apostólicos ou canônicos" (BRUCE, 2015, p. 235).

3. Ortodoxia - "Por ortodoxia eles queriam dizer a fé apostólica, a fé estabelecida nos escritos apostólicos não questionados e mantidos nas igrejas que os apóstolos tinham fundado" (BRUCE, 2015, p. 235).

4. Catolicidade - "Uma obra que desfrutasse apenas de reconhecimento local, provavelmente não seria aceita como parte do cânon da Igreja católica. Entretanto, uma obra que fosse reconhecida pela maior parte da igreja católica, provavelmente receberia reconhecimento universal mais cedo ou mais tarde" (BRUCE, 2015, p. 237).

5. Uso tradicional - "O que foi sempre crido (ou praticado) é o fator mais poderoso na preservação da tradição. Inovações sugeridas têm sido regularmente resistidas com o argumento: "Mais foi assim que sempre nos foi ensinado" ou "... que sempre temos feito" (BRUCE, 2015, p. 238).

6. Inspiração - "Por muitos séculos a inspiração e a canonicidade estiveram intimamente ligadas ao pensamento cristão: crê-se que obras foram incluídas no cânon porque eram inspiradas; uma obra era reconhecida como inspirada porque estava no cânon" (BRUCE, 2015, p. 239).

Um detalhe que não pode deixar de ser dito, é que nem todos os livros que fazem parte do Novo Testamento se enquadram em todos esses critérios. Por exemplo, os evangelhos são anônimos e ninguém sabe que foi quem escreveu à carta aos Hebreus. Mas a "tradição" afirma que esses documentos foram escritos por apóstolos ou por pessoas ligadas a eles.  

Para finalizar concluímos que nada mais pode ser feito. A Bíblia agora é um livro fechado. Não é possível acrescentar qualquer outro livro ao cânon bíblico. No entanto, existe "uma Bíblia dentro da Bíblia", o que quero dizer com isso? É possível que as pessoas sejam seletivas em sua preferência aos livros da Bíblia. Há livros que são mais lidos, menos lidos e outros até mesmo desprezados pelas pessoas. Em suma, as pessoas escolhem o que mais lhe agrada ou convém. 


Fontes.
BRUCE, F. F. O cânon das Escrituras. Hagnos, 2015.
MCDONALD, Lee Martin. A origem da Bíblia. Paulos, 2013.