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15 de fevereiro de 2017

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA BÍBLIA - PARTE III


Nesta terceira e última parte de nosso estudo sobre à formação histórica da Bíblia, vamos descobrir como foi criado o Novo Testamento cristão. Católicos e protestantes discordam sobre a quantidade de livros que compõem o Antigo Testamento (Bíblia hebraica), mas no que tange ao Novo Testamento não há entre os dois grupos qualquer discordância.  

Quais foram os fatores históricos que coagiram à Igreja primitiva a escolher "somente" 27 livros (Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos, Romanos, 1 e 2 Corintios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito, Filemom, Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1, 2 e 3 João, Judas e Apocalipse) que hoje compõem o cânon do Novo Testamento? Sem dúvida um desses fatores foi o surgimento de grupos heréticos como: marcionistas, montanistas e gnósticos. 

Como ainda não existia uma coleção fechada de livros sagrados, esses grupos estavam livres para selecionarem os livros que estivessem de acordo com suas preferências e opiniões particulares. E essa tendência continua muito viva. Na atualidade à Bíblia está fechada, porém, há muitos cristãos que são seletivos na leitura dela, escolhem apenas às passagens que concoedem com suas intenções e interpretações particulares.

perseguição decretada pelo Imperador Diocleciano foi outro fator histórico que levou à Igreja primitiva a escolher e preservar os livros que formariam o cânon bíblico cristão. 

"Um dos fatores decisivos que levou os primeiros cristãos a aceitar como sagrados alguns livros adotados em comunidade cristãs particulares foi a perseguição (303-313 EC) aos cristãos desencadeada pelo imperador romano Diocleciano. Diocleciano expediu um édito ordenando que os cristãos entregassem seus livros sagrados às autoridades para serem queimados. Ele lançou a última perseguição extensiva a todo o império em 23 de fevereiro de 303. Os motivos dessa investida não são muito claros, mas provavelmente deveu-se à influência crescente dos cristãos que não apoiavam o sistema religioso seguido pela maioria da população no império. Os atos de hostilidade mais flagrantes contra os cristãos são bem conhecidos: detenções, prisões, confisco de bens e propriedades, tortura e a própria morte, caso os cristãos se recusassem a entregar seus livros sagrados" (MCDONALD, 2013, p. 199). 

O sistema religioso romano era politeísta, os romanos veneravam várias divindades e até mesmo o próprio imperador. Historicamente os cristãos não acreditavam nos deuses do panteão romano, eles unicamente prestavam culto a um único Deus. Existiu sim uma intolerância religiosa contra os cristãos por parte do governo. A preservação dos textos sagrados, que futuramente seriam incluídos no cânon bíblico, era uma questão de vida ou morte. Vida por que eles dariam sustentação à doutrina da Igreja, e morte por que sem eles às futuras gerações de cristãos não conheceriam à vida e os ensinos de Jesus. 

A influência política de Constantino sobre a Igreja também contribuiu para a formação e canonização da Bíblia cristã. Se Diocleciano perseguiu a igreja cristã, Constantino a acolheu e fez dela a "religião oficial do Império Romano". 

"Existem evidências de que Constantino impulsionou as igrejas para uma uniformidade até então inexistente. É indiscutível que o reinado de Constantino caracterizou um momento de transição muito importante para a Igreja, que de comunidade perseguida por um governo pagão passou a ter um relacionamento longo e harmonioso com o Estado. No início, essa relação foi especificamente benéfica para as igrejas, e com o tempo produziu mudanças profundas e duradouras na organização e missão da Igreja. [...] Isso se deu, primeiro, pelo Édito de Milão, em 313, que concedeu liberdade religiosa a todos os súditos romanos, não apenas aos cristãos. Os benefícios para os cristãos aumentaram mais tarde, inclusive, quando Constantino ordenou a reparação ou a reconstrução dos edifícios da Igreja danificados ou destruídos durante as implacáveis perseguições dos anos 303-313, tudo a expensas do erário público" (MCDONALD, 2013, p. 205).

Com Constantino, cristianismo e Estado andavam juntos. Depois dessa mudança à Igreja cristã nunca mais foi a mesma. Por um lado, ela estava em paz para elaborar sua doutrina e escolher os livros que iriam compor o que conhecemos hoje como Novo testamento. Mas também ela estava submissa às ordens de Constantino, ou seja, ela não era totalmente livre. Há historiadores que duvidam da suposta "conversão" de Constantino ao cristianismo. 

"Depois de converter-se, continuou a cultuar o deus pagão do seu pai e revelou tendências para um cristianismo sincretista, em que identificava o Deus cristão como o sol. Ele transformou o primeiro dia da semana (Dia do Senhor) em feriado e chamou-o de "venerável dia do sol" (Sunday, em inglês). [...] A conversão de Constantino, não obstante, foi um evento histórico dos mais importantes para os cristãos, levando a Igreja a uma verdadeira nova era. [...] O envolvimento de Constantino nos assuntos da Igreja foi grande. Independentemente do convite que recebeu dos cristãos para ajudar a resolver atritos existentes na Igreja, quase desde o início ele considerou dever seu envolver-se em inúmeras decisões das igrejas" (MCDONALD, 2013, p. 206).

Semelhante aos seus antecessores Constantino zelava pela uniformidade do seu reinado, isto é, todos deveriam ter o mesmo pensamento. Controvérsias e desuniões deveriam ser combatidas. Ele viu que os cristãos eram muitos desunidos em questões de doutrina, sempre havendo debates e controvérsias entre eles (e qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência). Muito provavelmente Constantino não entendia nada de teologia, mas mesmo assim ele determinava que houvessem concílios e que as controvérsias dentro da igreja fossem resolvidas. Ironicamente que mandava na Igreja não eram os bispos, mas o Imperador. Isso mostra que a relação entre política e religião sempre será problemática!

Mas foi no reinado de Constantino que se deu início à escolha e canonização dos livros que iriam compor à Bíblia cristã. Esse processo durou quase três séculos, desde o início do ministério de Jesus até a época de Constantino. Tudo isso levanta muitas perguntas e dúvidas. Por que esses livros e não outros? Como foi que a Igreja fez para saber o que era ou o que não era sagrado?  Vejamos alguns critérios essenciais, mas é bom ficar claro que esses critérios são limitados e podem ter erros.

1. Autoridade apostólica - "Uma vez que o próprio Jesus não deixou qualquer documento escrito, os escritos disponíveis à igreja dotados de maior autoridade foram aqueles procedentes de seus apóstolos" (BRUCE, 2015, p. 212). 

2. Antiguidade - "Se um escrito era obra de um apóstolo ou de alguém intimamente associado a um apóstolo, deveria pertencer à era apostólica. Escritos de data posterior, fossem quais fossem seus méritos, não poderiam ser incluídos entre os livros apostólicos ou canônicos" (BRUCE, 2015, p. 235).

3. Ortodoxia - "Por ortodoxia eles queriam dizer a fé apostólica, a fé estabelecida nos escritos apostólicos não questionados e mantidos nas igrejas que os apóstolos tinham fundado" (BRUCE, 2015, p. 235).

4. Catolicidade - "Uma obra que desfrutasse apenas de reconhecimento local, provavelmente não seria aceita como parte do cânon da Igreja católica. Entretanto, uma obra que fosse reconhecida pela maior parte da igreja católica, provavelmente receberia reconhecimento universal mais cedo ou mais tarde" (BRUCE, 2015, p. 237).

5. Uso tradicional - "O que foi sempre crido (ou praticado) é o fator mais poderoso na preservação da tradição. Inovações sugeridas têm sido regularmente resistidas com o argumento: "Mais foi assim que sempre nos foi ensinado" ou "... que sempre temos feito" (BRUCE, 2015, p. 238).

6. Inspiração - "Por muitos séculos a inspiração e a canonicidade estiveram intimamente ligadas ao pensamento cristão: crê-se que obras foram incluídas no cânon porque eram inspiradas; uma obra era reconhecida como inspirada porque estava no cânon" (BRUCE, 2015, p. 239).

Um detalhe que não pode deixar de ser dito, é que nem todos os livros que fazem parte do Novo Testamento se enquadram em todos esses critérios. Por exemplo, os evangelhos são anônimos e ninguém sabe que foi quem escreveu à carta aos Hebreus. Mas a "tradição" afirma que esses documentos foram escritos por apóstolos ou por pessoas ligadas a eles.  

Para finalizar concluímos que nada mais pode ser feito. A Bíblia agora é um livro fechado. Não é possível acrescentar qualquer outro livro ao cânon bíblico. No entanto, existe "uma Bíblia dentro da Bíblia", o que quero dizer com isso? É possível que as pessoas sejam seletivas em sua preferência aos livros da Bíblia. Há livros que são mais lidos, menos lidos e outros até mesmo desprezados pelas pessoas. Em suma, as pessoas escolhem o que mais lhe agrada ou convém. 


Fontes.
BRUCE, F. F. O cânon das Escrituras. Hagnos, 2015.
MCDONALD, Lee Martin. A origem da Bíblia. Paulos, 2013.

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