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3 de fevereiro de 2017

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA BÍBLIA - PARTE I


Desconheço outro livro na cultural ocidental que seja tão lido, estudado, analisado, comentado, questionado, reverenciado, amado e odiado quanto à Bíblia. Ela tem moldado a vida e a visão de mundo de milhares de pessoas ao redor do planeta. Ela é livremente lida em países que defendem a liberdade de religião e culto, mas é proibida em países fechados e sem liberdade religiosa. Escrever sobre à formação histórica da Bíblia é algo um tanto complexo, por que existem várias lacunas históricas e obscuridades sobre como esse processo de formação foi feito. No entanto, há muita literatura e fontes maduras e especializadas que tornam possível um estudo básico e substancial sobre esse tema. 

Devemos ter consciência de uma coisa: a Bíblia não caiu pronta do céu. Ela foi sendo escrita, reescrita e copiada durante anos por vários autores. Alguns especialistas defendem que foram ao todo quarenta pessoas que escreveram os livros da Bíblia, outros supõem que foram trinta e seis. E um detalhe interessante é que alguns desses escritores bíblicos são anônimos, não se sabe o nome, onde moravam, se tinha família, qual era a sua origem, etc. Seja como for devemos saber que os autores bíblicos viveram em contextos diferentes, e alguns deles nem se conheciam pessoalmente.

O principal objetivo deste texto é saber como a Bíblia Hebraica ou Antigo Testamento (que diga-se de passagem, foi a Escritura que Jesus e seus primeiros seguidores usaram), foi formada tornando-se assim o texto sagrado dos judeus e dos primeiros cristãos. A Bíblia hebraica foi sendo formada em uma época onde o conceito de Escritura sagrada já estava bem difundido. Os antigos judeus tinham plena consciência de que a revelação de Deus poderia ser escrita e preservada para que as novas gerações também pudessem saber qual seria a vontade de Deus para eles. 
"Os judeus do séc. I não tinham a mínima dúvida de que a palavra e a vontade de Deus haviam sido transmitidas através de palavras escritas; as dúvidas existentes limitavam-se à composição dessas coleções. Todos os grupos religiosos de Israel e o próprio Jesus haviam aceitado inúmeros textos religiosos judaicos como Escritura sagrada" (MCDONALD, 2013, p. 61).
Os livros que hoje fazem parte da Bíblia hebraica são canônicos, ou seja, são reconhecidos com "a regra de fé e prática" da comunidade judaica. São esses livros que no passado, e ainda hoje, preservam à identidade do povo judeu. Mas por que esses livros e não outros? Sabe-se muito bem, que além dos livros que são reconhecidos como Escritura sagrada, existiram outros que pertenciam a mesma categoria, mas ficaram de fora da Bíblia. 

E esses livros “excluídos” são conhecidos como "apócrifos e pseudoepígrafos". Mas qual foi o critério usado para selecionar os livros que iriam fazer parte da Bíblia hebraica? Uma forma usada pelos sábios judeus para identificar os livros sagrados foi uma técnica obscura conhecida como "sujar as mãos" 
"No final do séc. I EC ou início do II e seguintes, alguns judeus empregavam a expressão "sujar as mãos" para se referir à sua literatura sagrada. Neste período, alguns judeus começaram os debates sobre quais livros "sujam as mãos" ritualmente, isto é, quais textos religiosos são Escritura sagrada. O significado dessa expressão é um tanto obscuro, mas ela se refere aos livros que os judeus consideravam sagrados. [...] "Sujar as mãos" era uma referência a sacralidade dos livros sagrados. Aceitar a propriedade das Escrituras de sujar as mãos era uma forma de aceitar seu caráter sagrado" (MCDONALD, 2013, p. 119).  
Podemos supor que se um livro fosse inspirado por Deus ele iria sujar as mãos da pessoa que o manuseasse. Os que não sujassem as mãos, não eram reconhecidos como sagrados. Já os cristãos tinham outra forma de identificar os livros sagrados (mas isso é assunto de outra postagem). Até aqui ficou claro como é complexo descobrir como foi esse processo de seleção dos livros que iriam fazer parte da Bíblia Hebraica.  

Mas outro fator de muito peso nesse processo é a crença pessoal da comunidade judaica. Em muitas situações à religião não trabalho com fatos, mas sim, com crenças. Com isso em mente é possível dizer que os livros que fazem parte da Bíblia hebraica hoje refletem a crença religiosa dos judeus. Mas mesmo assim houve muitas divergências sobre isso. 

Vejamos agora as diferenças entre as Bíblias hebraica, católica e protestante quanto ao número de livros que as compõem.

HEBRAICA.
1. Torá (Pentateuco) - Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
2. Profetas (Nebiim) - Anteriores: Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis; Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.
3. Escritos (Ketubim) - Salmos, Provérbios, Jó.
4. Cinco rolos (Hamesh megillot) - Cântico dos cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras-Neemias, 1-2 Crônicas. 

CATÓLICA
1. Pentateuco - Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
2. Livros históricos - Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Tobias, Judite, Ester, 1 Macabeus, 2 Macabeus. 
3. Livros sapienciais - Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos cânticos, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico. 
4. Livros proféticos - Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruc, Ezequiel, Daniel (+ 3 acréscimos: oração de Azarias, cântico dos três jovens, Bel e o dragão), Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. 

PROTESTANTE
1. Pentateuco - Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
2. Livros históricos - Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester.
3. Livros poéticos - Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cânticos dos cânticos.
4. Livros proféticos - Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.

Como se pode observar existem livros na Bíblia católica que não existem na Bíblia hebraica e nem na protestante. Para os protestantes radicais esses livros são "apócrifos", isto é, livros de conteúdo duvidoso e herético, mas isso é apenas preconceito. 
"No período da Reforma, os protestantes contestaram o valor religioso desses textos. No entanto, os apócrifos são obras interessantes e originais - "bons e úteis para se ler" dirá Lutero -, contendo vários gêneros literários: autobiografias, orações, passagens apocalípticas, salmos, etc. [...] Já para o Antigo testamento, o termo é utilizado quando se refere aos livros que os católicos chamam de "deuterocanônicos", isto é, aqueles que integram uma segunda lista (deuteros, segunda; nomos, lei), como, por exemplo, os livros de Tobias, Baruc, Judite, Eclesiástico etc.)". (Dicionário Histórico de religiões, p. 43).
Há muitas informações sobre a formação histórica da Bíblia hebraica que não sabemos e vamos continuar sem saber. Os especialistas em estudos bíblicos apenas nos oferecem "pequenas luzes" sobre como esse processo aparentemente foi feito. Mas essa história não termina aqui, na parte II continuaremos.


Fontes: 
AZAVEDO, Antonio C. do Amaral. Dicionário histórico de religiões. Nova fronteira, 2002. 
MCDONALD, Lee Matin. A origem da Bíblia. Paulinas, 2013.  

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