9 de fevereiro de 2017

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA BÍBLIA - PARTE II

Continuando nosso estudo sobre a formação histórica da Bíblia, nesta segunda parte fixaremos nossa atenção sobre a formação histórica das Escrituras cristãs ou Novo Testamento. Logo de início deve ficar bem claro que Jesus e seus primeiros seguidores eram judeus, e como tais conheciam e usavam a Bíblia hebraica para fundamentar seus ensinos e pregações. Os 27 livros que formam hoje Novo testamento cristão eram apenas o "registro" dos ensinos e ações de Jesus e de seus primeiros seguidores. Para eles "Escritura sagrada" era somente a Bíblia hebraica. Os livros do Novo testamento só foram incluídos nessa categoria muitos anos depois.

"Não temos nenhuma prova convincente de que a Igreja tenha nascido já dispondo de um cânone bíblico fixo (um Antigo Testamento), mas o precedente de uma Escritura sagrada já estava bem arraigada na comunidade judaica muito antes do nascimento de Jesus. [...] Os primeiros cristãos acreditavam que os desígnios e a vontade de Deus eram comunicados através da palavra escrita das Escrituras de Israel. À medida que foi se desenvolvendo, porém, a Igreja sentiu que, paralelamente ao uso das Escrituras que recebera como herança dos seus irmãos judeus, era muito importante adotar a sua própria coleção de escritos para fins de culto, instrução e testemunho" (MCDONALD, 2013, p.129).

O cristianismo primitivo em seus primórdios não possuía ainda um cânon bíblico fechado. Cânon vêm de uma palavra grega que significa "regra", "norma" ou "padrão", que é à coleção de livros sagrados que constituem a regra de fé e prática do cristianismo. Os livros que fazem parte dessa lista são considerados canônicos e são a base fundamental para a construção do pensamento e da ética cristã.

Os que ficaram fora dessa lista são conhecidos como apócrifos (escondido), que em seu conteúdo há ensinos que foram considerados heréticos pelos cristãos. Mas por incrível que pareça alguns desses livros "excluídos" já foram considerados como Escritura sagrada por alguns cristãos. Como por exemplo, O pastor de Hermas e o Didaquê

A principal autoridade religiosa para os primeiros cristãos não era um livro, mas a vida e os ensinamentos orais de Jesus. E os especialistas em estudos bíblicos concordam que foi somente a partir do século II d.C., que começou a se registrar escrituristicamente o que Jesus fez e ensinou. "O que Jesus disse e fez era em sentido muito real o "cânone" (autoridade definitiva) para os seus seguidores" (MCDONALD, 2013, p. 133). 

Podemos supor que a ideia "sola scriptura" (somente a Escritura) tão defendida pela Reforma Protestante do século XVI, era algo estranho para os primeiros seguidores de Jesus. Já que eles ainda não tinham uma coleção fechada de livros sagrados.

Será que a Bíblia é realmente a Bíblia? Considerando o contexto histórico do cristianismo antigo, é possível afirmar que existiram várias Bíblias. Quando em um lugar não existe consenso sobre o que é ou o que não é "regra de fé", abre-se uma brecha para que um indivíduo ou grupo escolha (segundo a sua opinião) à literatura sagrada que mais lhe convenha ou agrade. Existiram vários evangelhos, várias epístolas ou cartas e vários apocalipses. Mas no meio de toda essa avalanche literária o que é verdadeiro ou falso?

Historicamente à primeira pessoa que tomou à iniciativa de criar um cânon bíblico cristão foi Marcion de Sinope, que foi considerado como "herege" pela liderança religiosa da Igreja antiga. É bom esclarecer que herege era um termo pejorativo que a Igreja dominante usava para desqualificar qualquer indivíduo que pensasse diferente dela. Ou seja, nem todos os que eram chamados de hereges poderiam ser considerados como tais. E provavelmente houve muitas injustiças! 

"Marcion é a primeira pessoa conhecida por nós que publicou uma coleção fixa do que viríamos a chamar de livros do Novo Testamento. Outros podem tê-lo feito antes dele. Se o fizeram, disso não ficou registro ou conhecimento. Ele rejeitou o Antigo Testamento, alegando que não tinha relevância ou autoridade para os cristãos. Sua coleção, por isso, se apresentava como uma Bíblia inteira. Marcion nasceu por volta de 100 d. C. em Sinope, porto marítimo na costa da Ásia Menor do mar negro. Seu pai foi um dos líderes na igreja daquela cidade. Foi criado na fé apostólica. De todos os apóstolos, o que mais fortemente apelava ao seu gosto era Paulo, a quem ficou apaixonadamente devotado, concluindo, por fim, que fora o único apóstolo a preservar o ensino de Jesus em sua pureza. Ele abraçou com inteligencia e ardor o evangelho paulino da justificação pela graça divina, sem qualquer obra da lei. [...] Além de considerar Paulo o único apóstolo fiel de Cristo, Marcion sustentava que os apóstolos originais haviam corrompido o ensino de seu Mestre com uma mistura de legalismo. Ele foi além de rejeitar o Antigo Testamento; ele distinguiu entre o Deus do Antigo Testamento e o Deus do Novo Testamento. Esse distinção de duas divindades, cada uma com sua existência independente, trai a influência do gnosticismo no pensamento de Marcion" (BRUCE, 2015, p. 123).

Sem dúvida Marcion foi uma ameaça para à ortodoxia da Igreja cristã antiga. Aqui é possível afirmar que a "heresia" contribuiu, de certa forma, para despertar os cristãos sobre a importância de ter uma coleção fechada de livros sagrados. As ideias de Marcion foram rejeitadas pela Igreja, e ele foi excomungado da Igreja, e com algum tempo fundou sua própria comunidade religiosa. 

"A Bíblia de Marcion" era composta pelos seguintes livros: Gálatas, Corintios (1 e 2), Romanos, Laodicenses (= Efésios), Colossenses, Filipenses e Filemon. Nem todas as epístolas do apóstolo Paulo estão nesta lista. Por trás de tudo isso existe algo chamado de sentimento de revolta contra a religião dominante. 

Mas essa história não termina aqui na parte III continuaremos!


Fontes:
BRUCE, F.F. O cânon das Escrituras. Hagnos, 2015.
MACDONALD, Lee Martin. A origem da Bíblia. Paulos, 2013. 

3 de fevereiro de 2017

A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA BÍBLIA - PARTE I


Desconheço outro livro na cultural ocidental que seja tão lido, estudado, analisado, comentado, questionado, reverenciado, amado e odiado quanto à Bíblia. Ela tem moldado a vida e a visão de mundo de milhares de pessoas ao redor do planeta. Ela é livremente lida em países que defendem a liberdade de religião e culto, mas é proibida em países fechados e sem liberdade religiosa. Escrever sobre à formação histórica da Bíblia é algo um tanto complexo, por que existem várias lacunas históricas e obscuridades sobre como esse processo de formação foi feito. No entanto, há muita literatura e fontes maduras e especializadas que tornam possível um estudo básico e substancial sobre esse tema. 

Devemos ter consciência de uma coisa: a Bíblia não caiu pronta do céu. Ela foi sendo escrita, reescrita e copiada durante anos por vários autores. Alguns especialistas defendem que foram ao todo quarenta pessoas que escreveram os livros da Bíblia, outros supõem que foram trinta e seis. E um detalhe interessante é que alguns desses escritores bíblicos são anônimos, não se sabe o nome, onde moravam, se tinha família, qual era a sua origem, etc. Seja como for devemos saber que os autores bíblicos viveram em contextos diferentes, e alguns deles nem se conheciam pessoalmente.

O principal objetivo deste texto é saber como a Bíblia Hebraica ou Antigo Testamento (que diga-se de passagem, foi a Escritura que Jesus e seus primeiros seguidores usaram), foi formada tornando-se assim o texto sagrado dos judeus e dos primeiros cristãos. A Bíblia hebraica foi sendo formada em uma época onde o conceito de Escritura sagrada já estava bem difundido. Os antigos judeus tinham plena consciência de que a revelação de Deus poderia ser escrita e preservada para que as novas gerações também pudessem saber qual seria a vontade de Deus para eles. 
"Os judeus do séc. I não tinham a mínima dúvida de que a palavra e a vontade de Deus haviam sido transmitidas através de palavras escritas; as dúvidas existentes limitavam-se à composição dessas coleções. Todos os grupos religiosos de Israel e o próprio Jesus haviam aceitado inúmeros textos religiosos judaicos como Escritura sagrada" (MCDONALD, 2013, p. 61).
Os livros que hoje fazem parte da Bíblia hebraica são canônicos, ou seja, são reconhecidos com "a regra de fé e prática" da comunidade judaica. São esses livros que no passado, e ainda hoje, preservam à identidade do povo judeu. Mas por que esses livros e não outros? Sabe-se muito bem, que além dos livros que são reconhecidos como Escritura sagrada, existiram outros que pertenciam a mesma categoria, mas ficaram de fora da Bíblia. 

E esses livros “excluídos” são conhecidos como "apócrifos e pseudoepígrafos". Mas qual foi o critério usado para selecionar os livros que iriam fazer parte da Bíblia hebraica? Uma forma usada pelos sábios judeus para identificar os livros sagrados foi uma técnica obscura conhecida como "sujar as mãos" 
"No final do séc. I EC ou início do II e seguintes, alguns judeus empregavam a expressão "sujar as mãos" para se referir à sua literatura sagrada. Neste período, alguns judeus começaram os debates sobre quais livros "sujam as mãos" ritualmente, isto é, quais textos religiosos são Escritura sagrada. O significado dessa expressão é um tanto obscuro, mas ela se refere aos livros que os judeus consideravam sagrados. [...] "Sujar as mãos" era uma referência a sacralidade dos livros sagrados. Aceitar a propriedade das Escrituras de sujar as mãos era uma forma de aceitar seu caráter sagrado" (MCDONALD, 2013, p. 119).  
Podemos supor que se um livro fosse inspirado por Deus ele iria sujar as mãos da pessoa que o manuseasse. Os que não sujassem as mãos, não eram reconhecidos como sagrados. Já os cristãos tinham outra forma de identificar os livros sagrados (mas isso é assunto de outra postagem). Até aqui ficou claro como é complexo descobrir como foi esse processo de seleção dos livros que iriam fazer parte da Bíblia Hebraica.  

Mas outro fator de muito peso nesse processo é a crença pessoal da comunidade judaica. Em muitas situações à religião não trabalho com fatos, mas sim, com crenças. Com isso em mente é possível dizer que os livros que fazem parte da Bíblia hebraica hoje refletem a crença religiosa dos judeus. Mas mesmo assim houve muitas divergências sobre isso. 

Vejamos agora as diferenças entre as Bíblias hebraica, católica e protestante quanto ao número de livros que as compõem.

HEBRAICA.
1. Torá (Pentateuco) - Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
2. Profetas (Nebiim) - Anteriores: Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis; Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.
3. Escritos (Ketubim) - Salmos, Provérbios, Jó.
4. Cinco rolos (Hamesh megillot) - Cântico dos cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras-Neemias, 1-2 Crônicas. 

CATÓLICA
1. Pentateuco - Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
2. Livros históricos - Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Tobias, Judite, Ester, 1 Macabeus, 2 Macabeus. 
3. Livros sapienciais - Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos cânticos, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico. 
4. Livros proféticos - Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruc, Ezequiel, Daniel (+ 3 acréscimos: oração de Azarias, cântico dos três jovens, Bel e o dragão), Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias. 

PROTESTANTE
1. Pentateuco - Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
2. Livros históricos - Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis, 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras, Neemias, Ester.
3. Livros poéticos - Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cânticos dos cânticos.
4. Livros proféticos - Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias.

Como se pode observar existem livros na Bíblia católica que não existem na Bíblia hebraica e nem na protestante. Para os protestantes radicais esses livros são "apócrifos", isto é, livros de conteúdo duvidoso e herético, mas isso é apenas preconceito. 
"No período da Reforma, os protestantes contestaram o valor religioso desses textos. No entanto, os apócrifos são obras interessantes e originais - "bons e úteis para se ler" dirá Lutero -, contendo vários gêneros literários: autobiografias, orações, passagens apocalípticas, salmos, etc. [...] Já para o Antigo testamento, o termo é utilizado quando se refere aos livros que os católicos chamam de "deuterocanônicos", isto é, aqueles que integram uma segunda lista (deuteros, segunda; nomos, lei), como, por exemplo, os livros de Tobias, Baruc, Judite, Eclesiástico etc.)". (Dicionário Histórico de religiões, p. 43).
Há muitas informações sobre a formação histórica da Bíblia hebraica que não sabemos e vamos continuar sem saber. Os especialistas em estudos bíblicos apenas nos oferecem "pequenas luzes" sobre como esse processo aparentemente foi feito. Mas essa história não termina aqui, na parte II continuaremos.


Fontes: 
AZAVEDO, Antonio C. do Amaral. Dicionário histórico de religiões. Nova fronteira, 2002. 
MCDONALD, Lee Matin. A origem da Bíblia. Paulinas, 2013.  

24 de janeiro de 2017

RELIGIOSIDADE AFRICANA: conhecendo um pouco sobre nossas raízes.

É possível dizer que geneticamente todo brasileiro tem um pouco de africanidade no sangue. E isto é comprovado pela herança cultural que os africanos deixaram na formação do Brasil desde os tempos da colonização portuguesa. Conhecer a cultura e a religiosidade africana é ao mesmo tempo conhecer um pouco melhor à nossa própria formação histórica.

O presente texto tem o objetivo de mostrar alguns aspectos peculiares da religiosidade do povo africano, e ao mesmo tempo suscitar reflexão e conscientização sobre a relevância de respeitar os seus costumes e crenças. 
Três religiões dominam a África moderna. O cristianismo se encontra sobretudo no sul e ao longo dos litorais leste e oeste. O centro do Islã fica na África setentrional árabe, mas historicamente essa religião sempre teve penetração também ao sul do Saara. Há, por fim, as religiões primais, ou tribais, ou tradicionais, as mais difundidas antes da invasão cultural ocidental e árabe. Na África moderna, a estrutura tradicional baseada na aldeia está desaparecendo e, juntamente com ela, o fundamento das antigas religiões, que era a vida familiar e tribal. As religiões africanas tradicionais não têm textos escritos, o que torna seu estudo difícil para os pesquisadores. Boa parte do conhecimento que temos sobre essas religiões, reunidos durante os últimos séculos, apóia-se nos relatos de observadores europeus, sejam eles mercadores, colonizadores ou missionários (GAARDER; NOTAKER;HELLERN, 2000, p.89).
As religiões tribais africanas são essencialmente "animistas", isto é, acreditam que em todos os lugares existe algum tipo de espírito, e são esses espíritos os responsáveis pela vida e movimento da vida. Por causa dessa crença, as religiões africanas olham tudo ao seu redor como sagrado. Uma coisa interessante é a preservação da natureza. Para o africano o homem tem o dever de estar em harmonia com a natureza, e em troca ela o recompensará lhe dando a chuva e uma boa safra.   


Animismo - "Crença em seres espirituais", segundo definição do etnólogo inglês E.B. Tylor (1832-1917). Em sentido amplo, o termo indica o conjunto de crenças pertinentes a um princípio superior (força vital, alma) que existe nos lugares e objetos (Dicionário histórico de religiões, p. 35).


Estudar e compreender a mitologia africana é a forma mais sensata para analisar a religiosidade africana. Os mitos foram passados de geração em geração pela oralidade, ou seja, os mais velhos narravam e explicavam aos mais jovens as histórias e façanhas dos deuses e dos antepassados míticos na criação do mundo. 
"Baseando-se nos mitos, que nunca eram escritos, mas passados oralmente de geração em geração, os estudiosos já tentaram descobrir o que caracteriza a crença divina dos africanos. Na maioria das tribos existe a crença num deus supremo, embora este receba muitos nomes. Normalmente associado ao céu, é ele que concede a fertilidade, e em alguns mitos é representado ao lado da deusa associada à terra. Foi esse deus supremo que criou todas as coisas vivas, os animais e o ser humano. Foi ele ainda o responsável pelos decretos que regulam a sociedade, pelos costumes a que a tribo tem o dever de obedecer. (GAARDER; NOTAKER; HELLERN, 2000, p. 91)".
Qualquer semelhança com o Deus judaico-cristão (Javé) não é mera coincidência. Se os africanos tivessem deixado escrito todas as suas crenças muito provavelmente teriam melhor preservado as suas  tradições. Esse é o lado bom de se ter textos escritos, eles são um eficaz meio de preservação. Vejamos agora algumas divindades da mitologia africana e que com o passar do tempo já fazem parte das religiões de matriz africana-brasileira. 

1. Iansã (Oiá) - Deusa das tempestades, dos ventos e da sexualidade feminina. Domina os eguns (mortos). Antes mulher de Ogun, fugiu de Xangô, que a seduzira, o que provocou grandes lutas entre os orixás.

2. Ogum - Deus do ferro e da guerra. Vencedor das Demandas. Artífice da forja, patrono das armas manuais, vida cheia de aventuras amorosas. Segundo filho de Iemanjá, aventureiro e conquistador de reinos.


3. Xangô - Poderoso orixá iorubá, deus dos raios e do trovão, filho de Iemanjá e Oxalá. Foi grande rei, orgulhoso e dominador, mas justo.


4. Oxalá - Grande pai do orixás. Filho de Olórum, o criador supremo, criou o mundo e a humanidade. Possui duas formas: um guerreiro vigoroso e nobre, Oxaguiã, e um ancião cheio de bondade, Oxalufã.


5. Exu -  Mensageiros do orixás, é um diabrete que mantém a ordem e pune os transgressores. Primeiro filho de Oxalá e Iemanjá, foi expulso de casa por ser muito travesso, e o país onde vivia ficou na miséria até que lhe foram dados presentes; por isso é o primeiro a receber oferendas nos rituais. [...] No sincretismo religioso foi associado ao diabo cristão e transformado em uma multidão de entidades que formam o Povo da Rua e as linhas da quimbanda. (Dicionário histórico de religiões, p. 424). 


Será que o deus africano Exu e o diabo bíblico são o mesmo personagem? Certamente não. Há três diferenças entres eles: 


1) Exu é um deus para os africanos. No caso do diabo, segundo alguns especialistas, ele foi um ser (anjo) criado pelo Deus Javé, que com o passar do tempo se corrompeu (mas diga-se de passagem que a própria Bíblia não explica detalhadamente a origem do diabo). 


2) Exu para os africanos mantém a ordem e castiga os transgressores. Diferentemente o diabo bíblico não possui essas características, ele causa a desordem no mundo e incentiva os homens ao pecado. 


3) Exu tem pai e mãe. Já o diabo bíblico não. Acredito que essas diferenças mostram que Exu e o diabo são apenas personagens diferentes de culturas diferenças e de religiões diferentes. Qualquer coisa que passe disso é ignorância e falta de conhecimento.


Outra característica das religiões tribais africanas é o culto aos antepassados. Para o africano à morte não aniquila os laços familiares. Mesmo depois de mortos os parentes continuam tendo ligações com a tribo. Pode acontecer de um adulto se transformar em uma espécie de espírito ancestral ou deus ancestral, e ser respeitado e venerado pelos membros da família. 

"O homem que é considerado o pai fundador de uma linhagem de chefes com frequência é cultuado como um deus acima de todos os outros, uma divindade nacional. [...] Culto aos antepassados é uma expressão que implica interação entre os vivos e os mortos. O vivos obtêm força e socorro de seus ancestrais; ao mesmo tempo, os mortos dependem das oferendas de seus descendentes: é por meio desses sacrifícios que adquirem sua força e potência. Se não receberem oferendas, irão "morrer", isto é, cessar completamente de existir" (GAARDER; NOTAKER; HELLERN, 2000, p. 93).
O Brasil não é somente católico ou evangélico, ele também é afrodescendente. Os brasileiros são um povo mestiço, formado por três etnias: indígena, portuguesa e africana. E essa mistura faz dos brasileiros um povo culturalmente rico. Principalmente na música e na gastronomia. Entretanto, essa mistura trouxe alguns problemas. A religiosidade africana, com seus ritos e crenças, continua sendo algo estranho para muitos brasileiros. O preconceito contra as religiões de matriz africana como à umbanda e o candomblé está muito presente em nossa sociedade. 

Para que haja uma mudança de mentalidade é necessário que exista uma boa educação. O preconceito é o resultado da ignorância. E ele poderá ser diminuído quando existir nos brasileiros interesse de conhecer mais profundamente as suas raízes, e também tentar compreender o porquê das origens e crenças dos povos africanos.



Fontes: 
AZEVEDO, Antonio C. do Amaral. Dicionário histórico de religiões. Nova fronteira, 2002.
GAARDER, Jostein; NOTAKER, Henry; HELLERN, Victor. O livro das religiões. Cia das letras, 2000.

14 de janeiro de 2017

KARDECISMO E CRISTIANISMO - O que há de convergente e divergente entre essas duas religiões?


A diversidade religiosa no Brasil é grande. Católicos, protestantes, budistas, maçons, espiritas, umbandistas, etc., fazem parte desse grande mosaico religioso que se chama Brasil. Culturalmente a maior parte dos brasileiros se consideram cristãos, no entanto, uma boa parte adota o espiritismo e os ensinamentos de Allan Kardec como filosofia de vida.  

Mas o que é o espiritismo? Quais são as suas doutrinas? O principal objetivo deste texto é tentar explicar o que é o espiritismo, conhecer algumas de suas doutrinas e descobrir o que há de convergente e divergente em relação ao cristianismo.
"O espiritismo kardecista consiste num sistema filosófico-religioso cujo eixo principal é a crença na reencarnação. Essa crença, baseada na milenar doutrina hinduísta da transmigração das almas, se apoia em dois pilares básicos: a concepção hinduísta do carma e a possibilidade concreta de comunicação com os mortos. A comunicação entre o mundo dos mortais e o mundo dos mortos - usualmente chamados de "espíritos desencarnados" - é feita por meio de pessoas especialmente dotadas para o transe mediúnico, os médiuns, durante uma sessão espírita (ou sessão de "mesa branca")". O kardecismo também é conhecido como "espiritismo de mesa branca", ou mesmo "alto espiritismo" (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 259).
Nenhuma religião é singular ou única, isto é, elas nascem de outra mais antiga. Por isso alguns elementos religiosos que o espiritismo possui vieram de outras crenças religiosas. Por exemplo, à crença na reencarnação da alma no hinduísmo é um pouco diferente do que o kardecismo ensina. No kardecismo o espírito de um ser humano reencarna-se em outro corpo humano, já no hinduísmo, dependendo do carma, o espírito humano pode se reencarnar em outra pessoa ou animal.

1. Sobre Allan Kardec.
Não é regra geral, mas é comum que uma nova religião tenha um fundador, seja ele mítico ou histórico. Allan Kardec é o guru dos espiritas kardecistas. Suas obras literárias (o Evangelho segundo o Espiritismo, o livro dos Espíritos, A gênese, o Céu e o inferno e o livro dos médiuns) são os "textos sagrados" do espiritismo, nelas estão contidas as bases filosóficas e doutrinarias do kardecismo.  

Maria Angela Vilhena, professora do departamento de Teologia e Ciência da Religião da PUC-SP, nos oferece uma breve biografia do fundador do kardecismo. 
"Hippolyte Léon Denizard Rivail era filho de pais católicos, pois foi batizado. Fez seus primeiros estudos em escola suíça de orientação protestante, cujo diretor era João Henrique Pestalozzi, ex-aluno de Rousseau. [...]. Em 1855, na residencia da família Baudin, Denizard Rivail participou de sessões realizadas em torno de uma técnica de comunicação com os mortos, denominada "cestas girantes", interessando-se pelos fenômenos que ali ocorreram. [...] Foi durante sessão semelhante assistida por ele que seu "espírito protetor" afirmou tê-lo conhecido em existência anterior, no tempo dos druidas, quando viviam juntos na Gália. De acordo com esse espírito, seu nome à época teria sido Allan Kardec. Denizard Rivail passou então a adotar o pseudônimo Allan Kardec, assinando com ele todas as obras de viria a escrever" (VILHENA, 2008, p. 57).
Para que um novo movimento religioso seja reconhecido socialmente é necessário que o seu fundador tenha tido algum tipo de chamado ou experiência mística. Caso isso não ocorra a nova religião não durará muito tempo. Não é regra geral, mas é fundamental que um novo movimento religioso tenha uma teologia, ou seja, um conjunto de ensinos que deem base e fundamentação para o novo movimento. 

Durante sua vida Kardec escreveu vários livros que são a base teórica do espiritismo. Aqui temos uma diferença entre Kardec e Jesus. Diferente de Kardec, Jesus não deixou nada escrito, foram os seus seguidores que escreveram sobre ele e registraram os seus ensinos, dando assim a base para a formulação da doutrina cristã.

2. Resumo doutrinário do Kardecismo.
Vilhena nos proporciona um resumo de toda a doutrina kardequiana. "Do conjunto da obra de Kardec, destacamos os seguintes princípios doutrinários:  
  1. Monoteísmo, que implica a existência de Deus, criador do universo, perfeição absoluta, clemente, bom, justo, misericordioso;
  2. A sobrevivência do espírito após a morte biológica;
  3. A reencarnação como nova possibilidade de aperfeiçoamento espiritual;
  4. A comunicação e interação entre vivo e mortos;
  5. A comunicação e interação entre espíritos desencarnados;
  6. A mediunidade como dom gratuito de Deus; destina-se à instrução dos homens pela comunicação dos espíritos superiores, a fim de ensinar àqueles o caminho do bem e levar à fé; a mediunidade é coisa sagrada e deve ser praticada santamente, religiosamente;
  7. A evolução dos espíritos conforme as boas obras praticadas;
  8. A responsabilidade da pessoa por seu desenvolvimento espiritual;
  9. A pluralidade dos mundos habitados, sendo que cada mundo significa um estágio no processo evolutivo;
  10. A existência de mentores ou guias espirituais que, através de seu amor solidário, ajudam os vivos e espíritos desencarnados;
  11. Jesus Cristo como o mais evoluído espírito encarnado na terra, paradigma moral para a ação;
  12. a caridade como a maior de todas as virtudes, a ser por todos praticada em benefício dos vivos em corpos e espíritos desencarnados;
  13. o valor e importância da prece, sempre dirigida a Deus, seja para louvá-lo, agradecer, para que permita a manifestação e orientação de espíritos superiores, afastar os espíritos não desenvolvidos, alcançar desenvolvimento espiritual, resistir às tentações, pelos doentes, pelos aflitos, etc." (VILHENA, 2008, p.73,74).

Tendo como base esses pontos vejamos o que há de comum e divergente entre o espiritismo e o cristianismo.

3. Pontos comuns.
Um ponto comum é o monoteísmo, a crença em um único Deus, nisso as duas religiões andam juntas. Outro ponto comum é a crença de que existe vida após a morte. A responsabilidade do desenvolvimento pessoal pode até ser um ponto em comum, pois o cristão tem o dever de crescer espiritualmente e progredir no seu relacionamento com Deus. Só que como esse desenvolvimento será alcançado pode haver divergências entre as duas religiões. Outro ponto comum é a questão do amor ao próximo, isso visto na prática do bem e da caridade.

4. Pontos divergentes.
Em primeiro lugar, à reencarnação e à ressurreição são duas coisas diferentes. E nesse ponto as duas religiões não andam juntas. Em segundo lugar, à comunicação entre vivos e mortos é algo que não faz parte da crença cristã. Na teologia cristã não existe comunicação com quem já morreu. Em terceiro lugar, à mediunidade é outro ponto que não há consenso entre cristãos e espíritas. Em quarto lugar, a pessoa de Jesus Cristo é um "divisor de águas" entre o espiritismo e o cristianismo. O espiritismo nega à divindade de Cristo ao afirmar que Jesus é "o mais evoluído espírito encarnado". Em contrapartida o cristianismo durante muito séculos, e até hoje, acredita que Jesus é Deus e Filho de Deus.

Concluindo, depois desse estudo comparado podemos constatar que o espiritismo kardecista não é essencialmente cristão. Ele pode sim tomar emprestado alguns princípios do cristianismo e levá-los para dentro de sua doutrina, mas por outro lado ele tem princípios e doutrinas que não fazem parte do repertório cristão.


Fontes:
VILHENA, Maria Ângela. Espiritismolimiares entre a vida e a morte. Col. temas do Ensino Religioso. Paulinas, 2008.
HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry; GAARDER, Jostein. O livro das Religiões. Companhia das Letras, 2000.

4 de janeiro de 2017

BUDISMO E CRISTIANISMO: Convergências e divergências entre duas religiões mundiais.


“Eu me refúgio no Buda, eu me refúgio na doutrina (no darma), eu me refúgio na ordem (no sangha) ”. Também no cristianismo a profissão de fé poderia ser formulada de uma forma muito parecida: “Eu me refúgio (ou melhor, eu creio) em Cristo, eu me refúgio em sua doutrina (no evangelho), eu me refúgio na comunidade dos fiéis (na Igreja) ”. (Hans Küng).

O que existe de comum e divergente entre Budismo e Cristianismo? Milhões de pessoas pelo mundo (incluindo o Brasil) são budista, elas seguem e praticam os ensinos de Buda, pois os tais lhes trazem algum tipo satisfação. Semelhantemente milhões de pessoas encontraram na fé cristã sentido para vida e forças para enfrentar os problemas existenciais.

O presente texto tem o objetivo é oferecer ao leitor um breve estudo comparado entre o budismo e o cristianismo, e ao mesmo tempo, conhecer os pontos comuns e divergentes entre essas duas tradições religiosas.

1. SEMELHANÇAS ENTRE JESUS E BUDA.
Historicamente o budismo e o cristianismo se originaram e saíram de outras religiões mais antigas. O primeiro saiu do hinduísmo e o segundo do judaísmo. Um ponto comum entre esses dois movimentos religiosos é o seu caráter reformador. Sidarta Gautama (Buda), combatia o "discriminatório sistema de castas" do hinduísmo, no qual à casta dos brâmanes era a mais privilegiada. O sistema de castas no hinduísmo era fechado, ou seja, não existia a possibilidade de acessão para uma casta melhor, que proporcionava uma melhoria na vida social. Isso quer dizer que o indivíduo que nascesse em uma casta inferior viveria nela pelo resto da vida.

No caso de Jesus de Nazaré, ele frequentemente estava em conflito com os líderes tradicionalistas do sinédrio (o concílio religioso de Jerusalém). Em sua época, Jesus observou que os ensinamentos da Torá eram muitas vezes substituídos pelas tradições e preceitos dos escribas e fariseus. Aqui temos um ponto de convergência entre essas duas religiões mundiais.
“Nem Gautama nem Jesus são legitimados por qualquer cargo, ambos se opõem à tradição religiosa e seus guardiães, à casta ritual-formalista dos sacerdotes e doutores da lei, que não demonstram sensibilidade para com o sofrimento do povo. Tanto Gautama como Jesus logo reúnem amigos íntimos em torno de si, um círculo de discípulos e um grupo mais amplo de seguidores” (KÜNG, 2004, p. 155).
Gautama nasceu em uma família nobre do clã dos Sakyas, e foi filho de um rei. Já Jesus foi de família humildade e foi filho adotivo de um carpinteiro. Mas em questões de idade, é possível afirmar que Gautama é bem mais velho do que Jesus. Gautama nasceu no Nepal entre os anos de 558-563 a.C., Mas no caso de Jesus até hoje não se sabe a data do seu nascimento.

Para a comunidade cristã Jesus é reverenciado como “filho de Deus” e a mais perfeita manifestação do Eterno na terra. No caso das escolas budistas, mais especificamente o Theravada; Buda não é reverenciado com uma espécie de divindade, mas apenas como um exemplo a ser seguido. No entanto, com o passar dos anos, o budismo foi se expandindo, sofrendo mudanças e adotando outras compreensões sobre a pessoa de Gautama.

Os ensinamentos de Buda e Jesus possuem um forte repertório ético, ou seja, eles exortam as pessoas sobre à importância de terem uma vida correta e virtuosa. E observando o mundo cheio de ódio e violência no qual vivemos, esses ensinos são grande relevância para à preservação da vida humana.

2. BUDISMO E CRISTIANISMO: O que os une e o que os separa.
Por terem sido gerados em contextos sociais e culturais distintos, budismo e cristianismo não concordam com alguns pontos.  Um deles é sobre o conceito de divindade. Os cristãos acreditam na existência de um Deus pessoal, e que Ele se revelou em Jesus Cristo. No budismo não se precisa da ajuda de nenhuma divindade. Apenas pelo seu esforço pessoal e à prática da meditação o budista pode alcançar à libertação do ciclo repetitivo de reencarnações.
“Não havia uma ênfase de Buda na busca ao sobrenatural. Aliás, pelo contrário, ele desencorajava qualquer apego ao sobrenatural. Isso seria como tentar agarra-se em muletas” (Câmara, 2006, p. 24).
Outro ponto de divergência entre as duas religiões é sobre o problema do sofrimento no mundo. Budismo e o cristianismo olham essa problemática de forma muito distinta. Em resumo, os budismos têm uma visão negativa do sofrimento, ele deve ser evitado a qualquer custo. Tudo o que cause sofrimento deve ser afastado da mente. E é por isso que à meditação é uma prática de muita importância para os budistas. Já o cristianismo vê o sofrimento como uma virtude. O cristão olha para Jesus como sua maior fonte de inspiração na superação dos sofrimentos da vida. Jesus sofreu e venceu; o cristão sofre neste mundo e vence.

Um dos fundamentos da doutrina budista são "as quatro nobres verdades"1) Que é o sofrimento?; 2) De onde vem o sofrimento?; 3) Como pode o sofrimento ser superado?; 4) Qual a via para se chegar a isso? Segundo o budismo a vida é repleta de sofrimento, e a principal causa do sofrimento é o apego as coisas desse mundo, como por exemplo: fama, dinheiro, ódio, ambição, etc. Todas essas coisas trazem o sofrimento, e o caminho da libertação é o desapegar-se de tudo que possa causar sofrimento.

Aqui temos outro ponto em comum entre as duas religiões. O cristianismo também ensina que não se deve se apegar as coisas deste mundo, tentando encontrar nelas algum tipo de felicidade. Uma das principais coisas que Jesus ensinou é que não se deve acumular riquezas e colocar confiança nelas

Os valores éticos são, sem dúvida, os pontos mais comuns entre budismo e cristianismo. Há cinco mandamentos éticos que todo budista deve seguir:

1. Não fazer mal a nenhuma criatura viva; 2. Não tomar aquilo que não lhe foi dado (não roubar); 3. Não se comportar de modo irresponsável nos prazeres sensuais; 4. Não falar falsidades; 5. Não usar drogas e álcool.

Qualquer semelhança com os dez mandamentos ou com o sermão da montanha não é mera coincidência. É nesse ponto que podemos ver que as religiões (apesar de suas divergências) podem contribuir com o melhoramento da vida social. O mundo "pós-moderno" de hoje jogou na lata do lixo valores éticos que sempre fizeram parte da vida de milhares de pessoas.

Virtudes como respeito a vida, renuncia aos vícios mundanos, a paz interior, etc. São valores que devem ser resgatados. E neste caso budismo e cristianismo podem trazer para à mesa de debate esses valores tão importantes para o equilíbrio da sociedade.

3. QUADRO COMPARATIVO ENTRE OS ENSINOS DE JESUS E BUDA.
BUDA
JESUS
É mais fácil ver os erros dos outros que os próprios. É muito difícil enxergar os próprios defeitos. Espalham-se os defeitos dos outros como palha ao vento, mas escondem-se os próprios erros como um jogador trapaceiro.
Por que olhas o cisco no olho de teu irmão e não vês a trave no teu? Como ousas dizer a teu irmão: “Deixa-me tirar o cisco de teu olho, pois sei corrigir teu erro de visão”? Hipócrita, tira primeiro o engano de tua visão, e só então poderás tirar o cisco de teu companheiro.

Não importa o que um homem faça, se seus atos servem à virtude ou ao vício, tudo é importante. Toda ação acarreta frutos.
Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar bons frutos. Porventura colhem-se figos de espinheiros ou ervas de urtigas? Toda árvore se conhece pelos frutos.

A pessoa má fala com falsidade, acorrentando os pensamentos às palavras. Aquele que fala mal e rejeita o que é verdadeiramente justo não é sábio.

O homem bom tira coisas boas do tesouro do coração, e o mau retira coisas más, pois a boca fala do que está cheio o coração.
Assim como a chuva penetra numa casa mal coberta, também a paixão invade uma mente dispersa. Assim como a chuva não penetra numa casa bem coberta, igualmente a paixão não invade uma mente bem formada.
Todo aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é como um homem que construiu uma casa sobre a rocha. Caiu a chuva, uma torrente se abateu sobre a casa, mas ela não caiu, pois estava fundada sobre a rocha. Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as pratica é semelhante a um homem que construiu sua casa na areia. Veio a chuva, a torrente se abateu sobre ela, e ela desabou. E foi grande a sua ruína.

(Fonte: CÂMARA, Uipirangi da Silva. O cristão e o budismo, p. 79)


Fontes:
CÂMARA, Uipirangi F. da Silva. O cristão e o budismo: coleção diálogo religioso. Rio de Janeiro. MK Ed. 2006.
KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Campinas/SP. Verus, 2004.