Você já parou para pensar o porquê das
religiões se dividirem? Quais são os motivos que fazem com que os fiéis de uma
mesma religião se desentendam e com isso criem conflitos e divisões? Há vários
fatores que podem contribuir para que isso aconteça. Um deles pode ser que logo
após a morte do fundador os seus seguidores; depois de algum tempo, comecem a
disputar entre si a liderança e o poder da religião, criando com isso várias ramificações.
Outro fator muito comum é a discordância no
entendimento e interpretação dos textos sagrados. Um indivíduo pode alegar que
possui a interpretação mais correta de um determinado texto; e com isso querer
impor o seu ponto de vista sobre as outras pessoas do grupo religioso. Esse
tipo de discórdia é muito comum em religiões letradas, isto é, que fundamentam
seus dogmas em algum livro sagrado.
Acredito que você já tenha ouvido alguma vez em
sua vida aquele ditado popular que diz “cada
cabeça é um mundo diferente”. Pois bem, nem tudo é paz e harmonia no mundo místico
das religiões. Há momentos em que os religiosos se dividem internamente, criando
pequenas seitas dentro de uma grande religião.
O objetivo deste texto é mostra, resumidamente, às várias divisões internas que existem em algumas religiões. Dar-se-á mais
atenção a quatro grandes religiões mundiais: O hinduísmo, o budismo, o Islamismo e o judaísmo.
HINDUÍSMO.
A fé hindu é bem diversificada. Isso significa
que as pessoas podem praticar à religião de modos diferentes. Tudo dependerá da
divindade à qual se oferece devoção. Mas também existem vários movimentos com
raízes no hinduísmo.
1. Vaisnavas
e Saivitas – Os vaisnavas são os
devotos de Visnu, que é uma das divindades mais populares do hinduísmo. Ele é
conhecido como protetor e sustentador do universo. Segundo Wilkinson (2011, p.
178), “Visnu é a divindade que dá vida ao
criador, Brama, que se senta numa flor de lótus no umbigo de Visnu, que também
sustenta e protege tudo o que é criado por Brama”.
Os saivitas são os devotos de Xiva conhecido
como “o destruidor”. Xiva é o deus dos “opostos”, ele cria e recria o universo,
como também da vida e a tira. Muito provavelmente é essa característica que faz
como que Xiva seja tão admirado por seus devotos.
“Essa capacidade de reunir opostos é um dos aspectos de Xiva que fascina os saivitas. A conciliação de qualidades diversas por divindades superiores é fundamental no hinduísmo, e Xiva encarna essa reunião de opostos como nenhum outro deus. Não surpreende que seus devotos o vejam como deus supremo” (WILKINSON, 2011, p. 178).
Se existe algo de fascinante no estudo das
religiões é a possibilidade de encontrar “pontos
comuns” entre elas. É possível perceber que no hinduísmo existe a devoção a
“três divindades populares”, que são Brama, Visnu e Xiva. No cristianismo
existe a crença em um único Deus, mas que em “essência” ele é Pai, Filho e
Espírito Santo. Mas não se pretende afirmar que o cristianismo e o hinduísmo
sejam iguais. E realmente não são. Apenas que ambos possuem um ponto em comum.
2. O
movimento Hare Krishna – Esse movimento religioso foi fundado em 1965 nos
EUA por um indiano conhecido pelo nome de Bhakti-vedanta Prabhupada. O objetivo
do movimento é propagar por todo o mundo a religiosidade hindu tendo Krishna
com divindade suprema.
Todos os devotos desse movimento são
vegetarianos. Eles não comem carne, peixe ou ovos. Procuram ter uma vida
simples, abstendo-se de drogas, álcool e café. E são facilmente identificados
pela cabeça raspada e por vestirem um manto alaranjado.
“Os Hare Krishna consideram o mundo exterior
naturalista e desprezível. Esse movimento – para alguns seita – se apoia nos
textos sagrados dos Vedas, principalmente nos Upanixades e no Bhagavad-Gita,
sem perder de vista também a extraordinária mitologia do hinduísmo” (Dicionário
histórico de religiões, p. 180).
3. Igreja
de Saiva Siddhanta – Conhecida como “Sagrada Congregação da Verdade
Revelada do Deus Supremo Xiva”, essa igreja foi fundada em 1949 nos EUA pelo
mestre Satguru Shivaya Subremuniyaswami, mais conhecido como Gurudeva. Segundo
Wilkinson (2011, p. 180),
“Gurudeva tornou-se respeitado na comunidade hindu como uma das pessoas que mais fizeram para disseminar o conhecimento da religião fora da Índia. A variedade de hinduísmo que ele difundiu foi fortemente influenciada pela dos saivitas do Sri Lanka. Os adeptos se dedicam ao serviço comunitário, ao culto de Xiva, à ioga e à meditação, na esperança de se aproximar do deus e alcançar mocsa[1]. Seus valores incluem o vegetarianismo e a não violência”.
Essas são apenas algumas divisões que existem
dentro do hinduísmo; muito provavelmente existem outras, porém, as que aqui
foram citadas mostram que a crença nas divindades é o principal elo de ligação
entre todas as divisões do hinduísmo.
BUDISMO.
O budismo possui várias divisões, e elas podem
se diferenciar em alguns aspectos; contudo todas as formas de budismo
compartilham o mesmo compromisso com os ensinos do mestre Buda.
1. Budismo
teravada – É o ramo do budismo praticado exclusivamente pelos monges e
monjas. E é o que mais se aproxima dos ensinamentos originais de Buda. É muito
influente na Tailândia, Laos e no Camboja. O teravada enfatiza a importância da
sangha ou comunidade. Os monges passam
a maior parte do tempo nos mosteiros praticando meditações diárias, vivendo de
modo simples e com poucos bens materiais.
2. Budismo
maaiana – Esse ramo budista surgiu logo após a morte de Buda, e tem alguns
pontos de vista diferentes do budismo teravada. Enquanto este é restrito aos
monges, aquele é aberto aos leigos. Ou seja, o maaina amplia o conceito de
comunidade tornando-a acessível aos leigos.
Outra diferença entre o teravada e o maaiana é a
visão que se tem do Buda. O primeiro crê que o Buda é apenas um “exemplo a ser seguido”,
logo após a sua morte ele deixou de existir deixando apenas os seus ensinos. Mas o
segundo crê que o Buda continua vivo e deve ser cultuado.
“Os maaianas creem que o Buda sobrevive, e que devem cultuá-lo. Creem ainda que outros seres também se podem tornar Budas. Quando uma pessoa perde a individualidade, o que resta é uma espécie de essência interior chamada natureza do Buda. Os budistas maaianas reconhecem diversos seres que alcançaram a budidade e são dignos de culto” (WILKINSON, 2011, p. 201).
3. Zen
budismo – “Segundo o zen, todos são um Buda, mas
nem todos realizaram a sua budidade potencial ou tomaram consciência dela.
Ademais, todos nós temos uma identidade única que une não só todos, mas todas
as coisas” (WILKINSON, 2011, p. 202).
Essa é uma forma de budismo chinês que com o
passar do tempo se fixou no Japão em meados do século XII. Uma das
características do zen budismo é ser rigoroso em questões de meditação e
comportamento. Outra é a criação de jardins minimalistas e a composição de
poesias.
4. Budismo
tibetano – Esse ramo do budismo foi implantado no Tibete pelo rei Songten
Gampo em meados do século VII d.C. Segundo Wilkinson, alguns relatos dizem que
o rei Gampo construiu templos budistas e também ordenou a criação de um
alfabeto tibetano que possibilitou os eruditos a traduzirem os textos budistas
para à escrita tibetana. Em outras palavras, o poder político contribuiu para que o budismo se estabelecesse no Tibete, e ao mesmo tempo fez algumas mudanças na religião.
Um aspecto do budismo tibetano (e que o
diferencia das outras correntes budistas) é o uso das mandalas que são uma
espécie de diagramas simbólicos, que segundo à crença tibetana, representam o
corpo, os ensinamentos e a mente do Buda. A confecção de uma mandala já é em si
uma prática de meditação.
No budismo tibetano um personagem muito
respeitado e reverenciado é o Lama. Ele é um monge erudito que para alcançar o
título de lama teve que passar por rigorosa formação. Acredita-se que os lamas
foram, em vidas passadas, grandes líderes espirituais.
“Quando o fim de sua vida se aproxima, um lama dá uma série de pistas para a identificação de sua próxima encarnação. Então seus adeptos buscam, até encontrar, a criança que melhor corresponda às pistas, e começam a treiná-la como líder espiritual também. O lama de mais renome internacional é Dalai Lama, chefe dos gelugpa e embaixador da fé no mundo inteiro” (WILKINSON, 2011, p. 2014)
ISLAMISMO.
Há algumas hipóteses que dizem que em alguns
anos o Islamismo tornar-se-á a maior religião do mundo; e com isso, ultrapassando
o cristianismo no número de seguidores. Basicamente dentro do Islamismo existem
três divisões que são: sunismo, xiismo e
sufismo. Conheçamos cada uma delas resumidamente.
1. Sunismo – A maioria da população
muçulmana é sunita, o que pode representar mais de oitenta por cento do mundo
muçulmano. Um sunita é um fiel seguidor da “Suna do Profeta”, ou seja, o sunita
é um imitador do comportamento de Maomé. Para essa corrente do islamismo o
comportamento do profeta Maomé é tão importante como o Corão.
Nas palavras de Wilkinson (2011, p. 144), “Todo muçulmano sunita segue uma das quatros
escolas de jurisprudência – Malaki, Hanafi, Hanbali e Shafi´i -, que variam no
modo como usam o consenso e a razão para suplementar o Corão. As pessoas são livres
para escolher a que escola aderir, mas a maioria dos sunitas tende a adotar a
mesma do pai”.
2. Xiismo
– Os muçulmanos xiitas são os partidários de Ali, que foi primo de Maomé e
marido de Fátima uma das filhas do profeta. Os xiitas surgiram a partir de uma
discórdia sobre quem deveria ser o sucessor de Maomé.
Os sunitas seguiam a Abu Bark (que segundo os
sunitas, tinha sido escolhido pelo próprio Profeta), os xiitas não concordavam
com essa escolha; para eles somente alguém que fizesse diretamente parte da
família de Maomé deveria ser o sucessor, e neste caso, Ali seria o mais
indicado.
“Os sunitas são maioria entre os muçulmanos, mas os xiitas sempre foram proeminentes e hoje constituem a maioria no Irã e no Iêmen e a maior minoria no Iraque. Adotam os cinco pilares como os sunitas, mas divergem deles ao acrescentar ao primeiro pilar – Há um só Deus e Muhammad é seu profeta – as palavras: “E Ali é o vice regente de Deus” (CRAWFORD, 2005, p. 116).
3. Sufismo
– O sufismo é a corrente “mística” do Islamismo, seus adeptos são conhecidos
como os “sufis”. A principal diferença desta corrente islâmica em relação as
outras, é que os sufis dão mais importância à experiência pessoal com Alá do
que o legalismo e à ortodoxia.
“Uma terceira divisão na fé muçulmana é o
sufismo, que são os místicos. O nome significa “lã” e era aplicado aos ascetas
que usavam lã sobre a pele. Reagiam contra o legalismo islâmico, o mundanismo
dos muçulmanos gananciosos, e procuravam a união com Alá através de práticas
semelhantes das religiões indianas. [...]. Muitos se converteram ao sufismo por
causa do zelo missionário de seus adeptos. Alguns afirmavam ter chegado à união
completa com Alá, coisa que os sunitas consideravam uma blasfêmia e por isso os
puniam ou executavam” (CRAWFORD, 2005, p. 118).
Para os sufis o profeta Maomé foi um grande
místico; pois ele teve profundas experiências com Alá, e foi na solidão que ele
recebeu as revelações que depois tornar-se-iam o sagrado Corão. E diferente das outras correntes do Islamismo, o sufismo acredita em um Deus amoroso e procura fazer uma interpretação mística dos textos do Corão.
JUDAÍSMO
Existem algumas ramificações no judaísmo que
poucos conhecem, e cada uma delas se diferencia no modo como a Torá é entendida
e interpretada.
1. Judaísmo
ortodoxo
– Os ortodoxos são os fiéis preservadores da tradição judaica e da Torá. O Judaísmo
ortodoxo é a religião oficial do Estado de Israel. E é caracteristicamente rigoroso
na obediência à Tora e na conservação da identidade do povo judeu.
Nas palavras de Wilkinson (2011, p. 80), “Os judeus ortodoxos procuram viver segundo
as instruções da Torá. O texto influi no modo como se vestem, no que comem, em
sua vida familiar e nas leis da herança. [...]. Em séculos passados, na Europa,
esses judeus se viram excluídos do resto da sociedade. Hoje, ainda resistentes a
mudanças, seu modo de vida contrasta com os dos não judeus e o de outros judeus
à sua volta, mas eles optam por permanecer separados para viver em conformidade
com a lei de Deus”.
Podemos ver que ao preservarem às
características de suas tradições religiosas, os ortodoxos buscam preservar a
sua própria identidade. Sabe-se que durante a história, os judeus foram muito
perseguidos e escravizados por outros povos. E uma das causas que fizeram com que
eles não perdessem a sua identidade foi a conservação de sua fé e religião.
É possível constatar que o lado positivo do
conservadorismo religioso é ser um meio de não permitir que a cultura, fé e a religião
de um povo sejam destruídos. Se o povo judeu ainda existe hoje é porque
souberam conservar e lutar por sua fé e religião.
2. Judaísmo
da Reforma ou progressista - Diferente
dos judeus ortodoxos, os judeus da reforma ou progressistas tentam adaptar a
religião as mudanças que ocorrem na sociedade. Essa divisão do judaísmo surgiu nos
Estados Unidos, mais especificamente na cidade da Pitsburgh na Pensilvânia no
século XIX.
Os progressistas são mais liberais em questões
de religião do que os ortodoxos. “Eles tendem a ver a Torá não como as palavras
de Deus, mas como obra de diferentes autores que podem ter sido inspirados por
ele. Abandonaram muitas das antigas leis dietéticas e adotaram novos costumes,
como a ordenação de mulheres como rabinos. Aboliram também algumas partes
antiquadas da liturgia, como a oração pela restauração do sacrifício animal no
Templo” (WILKINSON, 2011, p. 82).
Acredito que nem sempre querer adaptar as
crenças religiosas as mudanças que acontecem na sociedade pode ser algo
positivo. Por que isso, de certa forma, pode causar a “descaracterização da
religião”, ou seja, cria-se uma religião diferente da antiga. Ela pode até
tomar emprestado alguns elementos da antiga religião, mas não será igual a ela.
Conclusão.
As religiões são fascinantes e ao mesmo tempo
contraditórias. Existem pontos de convergência e divergência em todas as
religiões. Podemos até dizer que elas são o reflexo dos próprios religiosos. Ou
seja, indivíduos obcecados pelo Ser divino, mas por não o compreender muito bem,
acabam se desentendendo e criando divisões entre si.
Fontes:
AZEVEDO, Antonio Carlos do Amaral. Dicionário Histórico de Religiões. Rio
de Janeiro. Nova fronteira, 2002.
CRAWFORD, Robert. O que é Religião? Rio de Janeiro. Vozes, 2005.
WILKINSON, Philip. Religiões: guia ilustrado Zahar. Rio de Janeiro. Zahar, 2011.
[1] Resumidamente o mocsa é a libertação do
repetitivo ciclo de reencarnações. Todo devoto hindu procura atingir esse estado
de espírito. Há vários caminhos que podem levar a esse estado. Um deles é uma
vida dedicada a meditação sob a orientação de um mestre ou guru. Outro é a
prática do altruísmo, procurando fazer boas ações no mundo. No entanto, isso
não garante que este estado de espírito seja alcançado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário