Se existe um livro que causa medo em
algumas pessoas esse é o Apocalipse. Uma das principais causas para
isso é talvez o sensacionalismo que o cinema e alguns meios de
comunicação tem feito em cima deste livro durante algum tempo. E também (que
não poderia deixar de ser mencionado), os sermões apavorantes e mal
preparados de certos líderes religiosos. Agora, por trás de tudo isso
existe uma "complexidade hermenêutica", ou seja, o Apocalipse não é
um texto de fácil compreensão e interpretação. Ele é tão complexo que durante à
história da análise bíblica surgiram várias escolas de interpretação. Que
diga-se de passagem, mais atrapalham do que ajudam.
O objetivo deste texto é tentar fazer do Apocalipse uma literatura simples e de fácil compreensão. E mostrar que de forma alguma ele fala do "fim do mundo", pelo contrário, à sua mensagem é voltada principalmente para à vida presente, aqui e agora.
1. O CONTEXTO HISTÓRICO.
Segundo à tradição cristã o autor do
Apocalipse foi o apóstolo João. Mas, existe outro ponto de vista de que foi
outra pessoa (que também era conhecido como João, mas não era um dos apóstolos
de Cristo) que escreveu as revelações do Apocalipse. O maior argumento para
isso é que se compararmos o estilo literário do Apocalipse com o estilo
literário do evangelho de João, se constatará uma grande diferença entre ambos. O
Apocalipse é essencialmente simbólico, e o evangelho é narrativo. Com isso
levanta-se a hipótese de que não foi o mesmo autor que escreveu as duas
literaturas, mas pessoas diferentes. No entanto, não vamos perder tempo com
esse detalhe. O foco principal é tentar compreender o texto apocalíptico.
Cronologicamente (mas sem muita comprovação) o apocalipse foi escrito entre os anos 80 e 90 d.C., ou seja, quase no final do primeiro século da era cristã. Se realmente foi o apóstolo João quem escreveu essa literatura, então ele foi o último dos apóstolos que ainda nesta época estava vivo. Ele se encontrava exilado em uma ilha chamada Patmos. A causa deste exílio foi à perseguição feita pelo imperador Domiciano. Os cristãos não veneravam as divindades pagãs dos romanos e nem reverenciavam o imperador com deus. Esta atitude dos antigos cristãos gerou antipatia e a hostilidade do governo contra eles. Assim, muitos foram presos, mortos ou exilados, como foi a caso de João.
"O repúdio à autoridade mais
elevada no império era considerado traição punível por meio de execução ou
exílio. Para os cristãos, a mais elevada autoridade sobre a terra e no céu era
o Senhor Jesus Cristo. render homenagem ao imperador equivalia a abandonar o
Mestre que os redimiu. Para os romanos, o Cristianismo se tornara uma religião
exclusivista que não tolerava nenhuma compromisso, pois seus seguidores falavam
do reino de Deus, no qual Jesus governava como rei. Em virtude de sua adesão à
fé cristã, os cristãos como uma classe tinham que suportar perseguição nas mãos
do oficiais romanos que eram designados a reforçar a religião do estado em cada
cidade e vila. Esses oficiais tinham a autoridade de punir as pessoas que se
recusassem a honrar a César, executando-os ou os exilando-os" (KISTEMAKER,
2004, p. 57).
A forma mais coerente de se
entender o Apocalipse é justamente entendendo o contexto histórico, político e
social onde ele foi gerado. Quando isso é levado em consideração muitas
"crendices" e "superstições" são desfeitas. O Apocalipse de
João é endereçado a sete comunidades cristãs que estão passando por vários
problemas internos e externos. São elas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira,
Sardes, Filadélfia e Laodiceia. Mas é necessário afirmar que as únicas coisas
que existem dessas comunidades hoje são somente as ruínas. Essas comunidades
deixaram de existir há muito tempo.
Boa parte do simbolismo do Apocalipse deve ser entendido como uma resposta de Deus à opressão política e religiosa que os cristãos estavam sofrendo por parte dos romanos. A mensagem apocalíptica não está falando, essencialmente, das coisas do futuro que ainda iriam acontecer. Mas sim, da realidade do mundo presente. Em suma, à mensagem apocalíptica é para a vida presente e não para um futuro distante.
2. AS CHAVES PARA LER E INTERPRETAR O APOCALIPSE.
A palavra Apocalipse significa ”revelação”,
mas quando ele é aberto parece que não há muita coisa para ser revelada. Este
livro tem um emaranhado simbólico e figurativo que causa muita confusão na
cabeça das pessoas. Esse é o principal motivo que faz o Apocalipse não ser uma
literatura de fácil compreensão, e com isso as pessoas desistem de lê-lo.
"Ao abrir o Apocalipse ficamos
impressionados. Muita gente se assusta e desiste. Alguns acham que o fim do
mundo está próximo. Outros utilizam esse livro para condenar pessoas e
religiões. Outros, ainda, acham que o Apocalipse aconselha os empobrecidos a
desistir da luta, pois só na outra vida é que as coisas poderão mudar. [...].
Então a gente se pergunta: Será que vale a pena começar a ler o Apocalipse? E
se vale a pena, quais são as chaves que abrem as portas dessa "casa"?
E, uma vez abertas as portas, o que fazer, de modo que o Apocalipse não se
torne uma "casa assombrada", cheia de fantasmas e de pesadelos?
(BORTOLINI, 2016, p. 7).
Sem dúvida os destinatários
para os quais o Apocalipse foi endereçado, compreendiam muito bem todo o
simbolismo dele. No entanto, o leitor contemporâneo não consegue entender muita
coisa. A explicação para isso é que o autor do Apocalipse não tinha o propósito
de escrever para às futuras gerações de cristãos. O objetivo dele era resolver
uma situação especifica do seu tempo e contexto.
Mas isso não é motivo para
desanimar. Felizmente há uma vasta literatura escrita que auxilia na pesquisa e
estudo do Apocalipse. Com isso vejamos as sete chaves para se ler e entender o Apocalipse de um modo
simples e prático.
a) O Apocalipse como um livro de resistência: Resistir contra quem? Contra à opressão e injustiça do imperialismo romano. Quando o Apocalipse foi escrito as comunidades cristãs estavam sendo oprimidas e perseguidas pela tirania do Império romano. O simbolismo do Apocalipse servia como uma espécie de "código secreto" que somente os cristãos entendiam. A mensagem apocalíptica é um estimulo para que as comunidades se unissem e resistissem contra o governo romano opressor. Essa chave mostra que o Apocalipse não é um livro que incentiva à alienação, ou seja, que os cristãos ficassem parados apenas "sonhado" com uma vida melhor no céu, e que tivessem uma atitude de indiferença para as coisas da vida presente. O Apocalipse é um livro de resistência e não de alienação.
b) O Apocalipse como um livro de denúncia profética: A denúncia é uma característica dos profetas. Os profetas do Antigo Testamento denunciavam a injustiça e a opressão por parte dos governos injustos. O autor do Apocalipse toma emprestado essa virtude dos antigos profetas e a aplica à situação em que ele e os outros cristãos estavam enfrentando. "E isso que o livro do Apocalipse deseja ser: um livro de denúncia profética que leva a resistir. Sem essa chave ele perde toda a força que estimulou os profetas do passado e do presente" (BORTOLINI, 2016, p. 9).
c) O Apocalipse como livro de celebração: "Feliz aquele que lê e aqueles que escutam as palavras desta profecia, se praticarem o que nela está escrito. Pois o tempo está próximo" (Ap. 1.3). Se Cristo venceu, os seus servos também venceram. Essa é a mística do Apocalipse. E essa mística trás para os cristãos que estavam (e estão) sendo perseguidos e oprimidos à certeza que de a vitória sobre toda injustiça chegará. O Apocalipse fala de um novo céu e uma nova terra aqui e agora. O Apocalipse não afirma que o mundo acabará um dia.
"O Apocalipse não
deixa dúvida: a nova sociedade não é algo que Deus prepara na outra vida; pelo
contrário, ela tem suas bases em nossa história. [...] O Apocalipse, portanto,
não fala do fim do mundo, e sim do modo como Deus quer que seja a nossa
sociedade hoje" (BORTOLINI, 2016, p. 10).
d) O
Apocalipse como livro de testemunho: O cristão que resiste e denuncia o
sistema político opressor, está colocando sua vida em risco. O martírio é um
exemplo de testemunho de fé e de resistência contra à opressão e a injustiça do
imperialismo romano. Sempre que o Apocalipse fala sobre a "besta, falso
profeta e a Babilônia", ele está diretamente se referindo ao poder
político e religioso dos romanos. Qualquer pessoa que não recebesse a marca
da Besta, que talvez pudesse se referir ao culto ao imperador romano. Seria
severamente perseguido e morto. Provavelmente vários cristãos perderam suas
vidas por testemunharem que Jesus era rei e não César.
e) O Apocalipse como livro de felicidade: O Apocalipse chamada de bem-aventurados, ou seja, felizes todos os que ouvem e aceitam a sua mensagem. Existem 7 bem-aventuranças por todo o livro do Apocalipse (1.3; 14.13;16.15; 19.9;20.6; 22.7; 22.14). O número 7 é sinônimo de perfeição. Isso mostra que à mensagem de felicidade apocalíptica é perfeita.
f) O Apocalipse é um livro de urgência: A urgência não está atrelada à crença no fim literal do mundo. Isso é algo sem fundamento. A urgência apocalíptica está ligada as questões existências terrenas. É urgente resistir e denunciar contra à opressão do imperialismo romano. Não somente deste, mas também de qualquer tipo de imperialismo que apareça durante a história.
g) O Apocalipse um livro de esperança: O Apocalipse não traz medo. Pelo contrário, ele tem uma mensagem de esperança para os cristãos oprimidos. As comunidades que lutam por um mundo melhor são consoladas pela mensagem de esperança apocalíptica. O Apocalipse mostra que os inimigos da Igreja serão derrotados pelo poder do "Cordeiro de Deus", e Ele reinará pelos séculos dos séculos. Tudo isso está ligado a vida presente, e não a um futuro distante.
Estas sete chaves tem o objetivo de proporcionar um entendimento mais simples e prático do Apocalipse. Elas procuram fazer do Apocalipse um livro mais imanente, isto é, mais perto da terra. E também mais próximo da realidade social e religiosa das comunidades cristãs contemporâneas.
Fontes:
BORTOLINI,
José. Como ler o Apocalipse. São Paulo. Paulos, 2016.
KISTEMAKER,
Simon. Apocalipse: comentário do Novo Testamento. São Paulo.
Cultura cristã, 2004.
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