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15 de outubro de 2019

O QUE DEFINE UMA RELIGIÃO? | Frank Usarski

6 de outubro de 2019

CONFLITOS RELIGIOSOS | FRANK USARSKI

13 de agosto de 2019

RELIGIÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE NO BRASIL.

Foto: Rawpixel by Getty Images

Geralmente quando se fala em “laicidade”, “separação entre igreja e Estado” e “secularização” no Brasil, costuma-se olhar e imitar o modelo francês. Ou seja, os especialistas sejam eles sociólogos, historiadores ou cientistas políticos desejam que o Brasil siga os passos da França, no que tange a separação entre religião e Estado. No entanto, tendo em consideração o contexto histórico e cultura de cada país, não podemos garantir que o modelo francês seja o mais ideal para o Brasil. Um exemplo bem claro é que o fenômeno religioso no Brasil, diferente na França, está muito presente e vivo na vida dos brasileiros. Tudo mostra que a ideia de secularização que acontece na França e em outros países europeus não se encaixa no contexto brasileiro.

José Casanova (2006) “fala que a teoria tradicional de secularização pode funcionar muito bem em muitos países europeus, mas que essa teoria não é adequada para os Estados Unidos. E de modo semelhante o modelo americano funciona nos Estados Unidos, porém ele não serve para a Europa”. Tudo indica que com o passar do tempo a religião foi perdendo sua influência e sentido no dia a dia dos europeus, tanto que muitas igrejas protestantes históricas deixaram de funcionar. Mas isso não acontece nos Estados Unidos, muitos americanos continuam sendo religiosos e frequentando os espaços sagrados.

No Brasil a situação é bem diferente, existe uma diversidade religiosa muito grande no território brasileiro. O nativo (que é amparado pela constituição brasileira) tem a liberdade de escolher e seguir o credo religioso que mais lhe agrade. Catolicismo, protestantismo, pentecostalismo, espiritismo, maçonaria, umbanda, candomblé, budismo, ateísmo e agnosticismo são as várias opções que os nativos brasileiros tem a sua disposição. Mas sabe-se muito bem que essa diversidade pode gerar conflitos e intolerância religiosa. Por isso que é bom o Estado brasileiro não ter uma religião oficial. Ele deve ser neutro em questões religiosas e criar leis para garantir a liberdade religiosa e também punir os que queiram promover a intolerância religiosa e consequentemente a violência contra as minorias.

Historicamente o Brasil é um país católico, essa conjuntura começou durante o período colonial e imperial. Mas com o advento do período republicano – muito influenciado pelas ideias do iluminismo e do positivismo – a hegemonia do cristianismo católico começou a perder força e abriu-se espaço para a inclusão de religiões não católicas que começaram, aos poucos, conquistar espaço nos vários setores da sociedade brasileira.

Na atualidade o seguimento evangélico (pentecostal/neopentecostal) tem conquistado muito espaço principalmente na esfera política. Para os secularistas as religiões não deveriam ter espaço na política, porque isso pode ferir o conceito de Estado laico. Mas se olharmos a ideia de democracia na qual as diferentes cosmovisões deve conviver juntas e se respeitarem mutualmente, não seria uma atitude antidemocrática excluir as religiões da esfera pública? Na realidade é saudável que os religiosos participem e se envolvam em todas as áreas da vida pública. O desafio é não permitir que as crenças religiosas particulares se transformem em uma espécie de “modelo” que toda a população seja obrigada a seguir e crer.
Não consigo encontrar uma razão convincente, em termos democráticos ou liberais, para banir, em princípio, a religião da esfera pública democrática. Pode-se, no máximo, em bases históricas pragmáticas, defender a necessidade de separação entre “igreja” e “Estado”, embora eu não esteja mais convencido de que a separação completa seja uma condição necessária ou suficiente para a democracia. A tentativa de estabelecer uma parede de separação entre “religião” e “politica” é injustificada e provavelmente contraproducente para a própria democracia (CASANOVA, 2006, p. 16).
        No caso do Brasil é notório que existe uma forte influência cristã (evangélica) em vários setores da sociedade, mais especificamente na política. O problema é que essa influência cristã se torne dominante e impeça que outros seguimentos religiosos tenham uma parcela de participação na esfera pública, gerando com isso um clima de intolerância religiosa. 

Podemos entender que o conceito "laicidade" e "secularização" no Brasil não impedem que as religiões sejam atuantes na esfera pública. O desafio é não permitir que um determinado seguimento religioso se torne hegemônico e queira implantar na sociedade a sua visão de mundo religiosa. Ou seja, Estado e religião podem conviver juntos desde que cada um não interfira na esfera de atuação do outro.

Infelizmente nem todos compreendem isso. Em quase todas as religiões existem grupos radicais minoritários fundamentalistas que desejam a todo custo que a sociedade seja “convertida” ao seu estilo de vida religioso. Um exemplo muito claro no Brasil são as atitudes de intolerância religiosa de grupos pertencentes as Igrejas evangélicas neopentecostais que discriminam e atacam fieis de religiões de matriz africana (candomblé/umbanda), e geralmente isso acontece por causa da associação que os neopentecostais fazem das entidades espirituais das religiões africanas, os orixás, com demônios e espíritos do mal. Criando com isso uma espécie de arena de guerra na sociedade brasileira.
Alguns exemplos destes casos de vilipendio religioso foram a depredação de um centro de Umbanda no bairro de Catete no Rio, por 4 evangélicos; a ação do pastor Tupirani e de um membro da “Igreja Geração de Jesus Cristo” de postar vídeos na internet insultando às religiões afro-brasileiras e à ordem legal protetora da liberdade religiosa, como o tema veiculado “Bíblia sim, Constituição não”; assim como, a desqualificação da Lei Caó (que torna o racismo como crime inafiançável) retratada como “Lei Caô (gíria que significa mentira) (MIRANDA, 2010, p. 135 apud CAMURÇA, 2017, p. 877).
         Acreditar que a intolerância e o preconceito religioso serão algum dia erradicados na sociedade brasileira é uma grande utopia. No mínimo o que sociedade organizada poder fazer, através do poder público, é diminuir essa tendência incentivando a educação de jovens e adultos sobre a importância de respeitar os que possuem crenças diferentes. O bem comum não pode ser algo de pertencimento exclusivo de um determinado grupo religioso, mas deve abranger todas as pessoas que juntas constituem a sociedade brasileira.

        O Brasil possui um diversidade religiosa que talvez não exista em outros países. E isso nos faz pensar que não é muito apropriado implantar no Brasil um modelo de laicidade francês ou de outro país europeu. É importante pensar o Brasil pelo Brasil, e não por algum país estrangeiro.



FONTES.
CAMURÇA, Marcelo Ayres. A questão da laicidade no Brasil: mosaico de configurações e arena de controvérsias. Horizontes, Belo Horizonte, v. 15, n. 47, p. 855-886, jul./set. 2017.
CASANOVA, José. Rethinking secularization: a global comparative perspective. The Hedgehog Review, Charlottesville (EUA), v. 8, n. 1 e 2, p. 7-22, jan./dez. 2006.

7 de novembro de 2018

O ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.

A presença do Ensino Religioso na grade curricular das escolas públicas ainda é motivo de polêmica na sociedade brasileira. Para uns o ER (Ensino Religioso) é de responsabilidade da família, e por isso a escola deve ser isenta desse tipo de ensino. E ainda afirmam que à presença do ER nas escolas vai contra à laicidade do Estado. Para outros que defendem a permanência do ER nas escolas, argumentam que as religiões são fontes de espiritualidade e ética, e elas podem contribuir com a formação dos alunos e ajudá-los a terem uma visão mais ampla sobre as diferentes fés e culturas.

O ER contemporâneo deve ser pautado na diversidade religiosa que existe na cultura brasileira, isto é, ensinar que não existe apenas uma única religião, mas várias, e cabe ao indivíduo seguir (ou não) a expressão religiosa que mais lhe agrade. Mas reconhecemos que essa polêmica está longe de terminar.

Em 2017 o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou uma decisão que colocou mais fogo na polêmica sobre o ER. Segundo eles o ER nas escolas públicas deve ser “confessional”, e segundo eles, isso não fere a laicidade do Estado brasileiro. Veja este link: Decisão do STF sobre o Ensino Religioso. O ER confessional dá privilégio a uma determinada religião em detrimento das outras. Neste caso, o cristianismo de matriz Católica Apostólica Romana é o que recebe maior atenção.

Podemos supor que essa decisão foi tomada por causa da forte influência cristã católica que diretamente contribuiu com a formação religiosa do povo brasileiro. Respeito à decisão do STF, mas também discordo dela. Defendo que o ER nas escolas deve ter como objeto de estudo à diversidade religiosa que existe em nosso país. O brasileiro não é somente católico, mas também protestante, espirita, hindu, taoista, maçom, agnóstico, etc. 

O presente texto tem basicamente dois objetivos: 1. Mostrar resumidamente a trajetória do ER na legislação brasileira; 2. Defender que o ER é importante para a formação religiosa, ética e cultural dos alunos.

I. O TRANSCURSO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL.
Os primeiros passos da implantação do ER no território brasileiro começaram com o trabalho de evangelização dos jesuítas. O ER era de caráter catequético confessional, ou seja, ele tinha o objetivo de educar e conquistar seguidores para a fé cristã católica. Torres (2012, p. 23) confirma esse fato ao dizer que: 
“O Ensino religioso no Brasil tem início com a colonização, de modo especial, com a chegada dos Jesuítas, em 1549, os quais consideramos como os primeiros catequizadores e a quem foi confiada à educação nas novas terras. Nos quatro primeiros séculos de sua história, o Brasil foi um país oficialmente católico. ”  
Mas desde a chegada dos jesuítas até os nossos dias contemporâneos, já se passaram quase cinco séculos, e as coisas mudaram bastante. Além da fé católica tradicional, os brasileiros tiveram contato com outras manifestações de fé. Hoje o brasileiro não só católico, ele pode muito bem escolher outra fé que lhe satisfaça. Com isso o Brasil passa por uma metamorfose religiosa, abre-se espaço para o “pluralismo religioso”, no qual uma ampla variedade de crenças religiosas está à disposição do gosto de cada brasileiro.

Foi no período republicano de 1889 a 1988 que a presença do ER como disciplina nas escolas passou a ser um tema polêmico e acalorado. Nas palavras de Torres (2012, p. 25):
“A implantação do regime republicano provoca, desde início, um aferrado debate sobre o Ensino Religioso no Brasil. Pode-se considerar como sendo a mais polemica das discussões sobre a inclusão ou exclusão dessa disciplina nas escolas da rede pública oficial. ”
O período republicano foi muito influenciado pelas ideias do iluminismo e do positivismo. E isso foi tão forte que a frase ORDEM E PROGRESSO que existe da bandeira brasileira é de origem positivista. De forma resumida podemos dizer que o iluminismo defende que tudo o que existe no mundo deve ser compreendido somente pela razão humana, qualquer fato que não possa ser compreendido pela razão deve ser visto como mera superstição. O positivismo foi uma corrente de pensamento que surgiu na França no século XIX, e teve como fundador Augusto Comte. O positivismo defende que tudo no mundo deve passar pelo crivo do conhecimento cientifico, sendo ele é único conhecimento verdadeiro.

Nesse período várias pessoas defendiam que o ER não deveria fazer parte da educação básica. Um dos argumentos era que a presença do ER nas escolas públicas feriria a laicidade do Estado, e por isso, não caberia ao governo oferecer esse tipo de ensino. Mas a Igreja Católica (que sempre teve muita influência na política brasileira), sem dúvida iria lutar para que ER continuasse fazendo parte da grade curricular nas escolas. E com o passar do tempo outros grupos se engajaram na luta para que o ER continuasse fazendo parte da educação. 
“A inclusão do Ensino Religioso na Carta Magna de 1988 se deu graças a grande mobilização nacional dos professores, da sociedade em geral, liderados por Entidades e Organismos como a CNBB[1], ASSINTEC[2], AEC[3] e outros. É notável salientar a atuação de diferentes denominações religiosas na defesa do Ensino Religioso; o que antes se fazia somente mediante liderança da Igreja Católica” (TORRES, 2012, p. 31).
Legalmente o ER faz parte da educação básica no Brasil, mas uma pergunta que deve ser feita é: que tipo de ER deve ser aplicado nas escolas? Um ER que seja fundamento não na Teologia cristã confessional, mas nas Ciências da Religião. Mas teologia e ciência da religião não são a mesma coisa?  Não, pois qualquer teologia confessional vai defender uma religião em particular, e isso foi o que os Jesuítas fizeram na época da colonização. 

O ER contemporâneo deve ser fundamentado nas Ciências da Religião. Essa área de conhecimento (que surgiu no século XIX) não defende nenhuma religião em particular, pelo contrário, apenas estuda o fenômeno religioso de forma imparcial. E isso faz com que o ER não seja um instrumento de “evangelização”, mas de explicação sobre fenômeno religioso que existe no Brasil e em outros lugares do mundo.


II. O ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA.
A escola, através dos professores, tem a missão de ensinar e transmitir o conhecimento para os alunos, contribuindo com sua formação cidadã e ética. Língua portuguesa, matemática, história, geografia, ciências, artes e Ensino Religioso são disciplinas que fazem parte da grade curricular das escolas sejam elas públicas ou particulares, no entanto, com relação ao ER ainda existe muito preconceito por parte de diretores, coordenadores e professores sobre a presença desse tipo de ensino nas escolas.

Muito provavelmente é a influência do iluminismo e do positivismo na mentalidade brasileira que faz com que alguns profissionais da educação não vejam o ER com bons olhos. Mas quer gostem ou não o ER faz parte da educação brasileira, e mais, as religiões sempre estiveram presentes na vida dos brasileiros, então o conhecimento religioso é algo público e deve estar disponibilizado para todos os que tenham interesse.
“Todo o conhecimento humano tornar-se patrimônio da humanidade. A sua utilização, porém, depende de condições sociais e econômicas bem como das finalidades para as quais são utilizados. Nem todo conhecimento é de interesse de todos. Um conhecimento político ou religioso pode não interessar a um grupo, mas, uma vez produzido, é patrimônio humano e como tal deve estar disponível. O conhecimento religioso é um conhecimento disponível, e por isso, a Escola não pode recusar-se a socializa-lo” (PCNER, 2009, p. 35).
Como falamos logo no início o ER contemporâneo não deve ser confessional, mas sim, plural. Ou seja, deve valorizar a diversidade religiosa que existe na sociedade brasileira. Encontrar  pontos em comum entre as religiões, e tentar criar um clima de diálogo amigável entre elas é um dos objetivos do ER contemporâneo. 

Infelizmente durante a história da humanidade muitas guerras e tragédias foram feitas (e ainda nos dias atuais continuam) em nome da religião. Mas isso aconteceu por causa da arrogância e soberba de alguns religiosos fanáticos. Quando alguém pensa que a sua religião é única verdadeira e as outras são falsas, abre-se espaço para que a intolerância e o fundamentalismo se manifestem.
“A Escola tem a função de ajudar o educando a se libertar de estruturas opressoras que o impedem de progredir e avançar. Através da reflexão, educador e educando rompem com as prisões que os prendem à segurança ilusórias oferecidas por objetos, situações e autoridade não legitimas. Compreendem os limites do conhecimento e a finitude do ser humano. ” (PCNER, 2009, p. 42)
O ER contemporâneo pode ajudar os alunos a terem um entendimento mais amplo sobre suas próprias crenças pessoais e as dos outros. Algo que eles precisam saber é que todos os sistemas religiosos são humanos e imperfeitos, e mais, eles não possuem respostas prontas para todas as perguntas da humanidade. Perguntas simples e inquietantes como: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? O ER contemporâneo vai explicar que cada religião tem respostas diferentes para essas perguntas.

Por exemplo, qual é a origem do universo? O cristianismo dará uma resposta, o budismo outra, o hinduísmo outra, o zoroastrismo outra, o ateísmo outra, etc. Com isso o educando aprenderá que podem existir várias respostas para uma única pergunta.

Concluindo, de tudo o que foi dito neste breve estudo fica comprovado que a presença do ER na educação brasileira é muito importante. O fenômeno religioso está muito presente na vida de milhares de pessoas, e seria muita falta de inteligência querer que este ensino seja excluído das escolas.   


Fontes:
FONAPER. Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Religioso. São Paulo, Mundo Mirim, 2009.
TORRES, Maria Augusta de Sousa. Ensino Religioso e literatura: um dialogo a partir do poema Morte e Vida Severina. Recife, FASA, 2012. 


[1] CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
[2] ASSINTEC – Associação Inter-religiosa de Educação de Curitiba.
[3] AEC – Associação de Escolas Católicas.


15 de outubro de 2018

UMA BREVE INTRODUÇÃO AO HINDUÍSMO.


Devoto faz preces matinais no Ganges, em Benares.
Afirma-se que a imersão nas águas sagradas do rio é um
importante ato de purificação espiritual.
O Hinduísmo é uma das tradições religiosas mais antigas do mundo, tem aproximadamente cinco mil anos de existência. Não se sabe com certeza quando o Hinduísmo surgiu (na verdade é praticamente perda de tempo tentar saber as origens de alguma religião), no mínimo o que existem são apenas hipóteses. Mas isso não tira o fascínio que essa antiga tradição religiosa exerce sobre os hindus e os não hindus. A Índia é um pais no qual o sagrado está em toda parte, e isso é uma grande oportunidade para se descobrir os “mistérios” que rondam este exótico lugar.

Willis (2007, p. 69) diz que: 
O Hinduísmo denota as tradições que se desenvolveram a partir da religião védica trazida a Índia pelos arianos. Uma ênfase inicial ao sacrifício animal acabou sendo substituída por oferendas vegetarianas, divindades femininas de tornaram mais importantes e a religião piedosa ficou popular. Vishnu, ou Shiva, é visto muitas vezes como a divindade suprema. Um conceito hindu característico é aquele de transmigração: o nascimento continuo em uma serie de vidas, até a pessoa alcançar a libertação final por meio de conhecimento, ações ou devoção.
Algo que deve estar fixado em nossas mentes é que não se pode compreender um povo descartando o seu “fator religioso”, e infelizmente essa tem sido a atitude de alguns historiadores, sociólogos, filósofos, etc. Muitas civilizações foram formadas a partir de alguma crença religiosa. Um exemplo muito claro disso é a própria cultura ocidental que teve uma grande contribuição do cristianismo em sua formação. E a Índia não fica fora dessa regra. Então para que se possa ter uma compreensão sensata de um povo é necessário conhecer o seu fator religioso, caso contrário a pesquisa será muito limitada e pueril.

Este artigo tem o objetivo de responder três perguntas: 1. Quais são as principais divindades que compõem a mitologia hindu? 2. O que é libertação e quais os caminhos para alcança-la? 3. O que é o sistema de castas e suas implicações na sociedade hindu?

OS DEUSES.
Deus macaco Hanumam, um
avatar de Shiva.
Antes de conhecermos algumas divindades que compõem a mitologia hindu, é interessante conhecer, de forma resumida, os três tipos de crenças que durante muitos séculos estiveram presentes no imaginário religioso da humanidade, são: o monoteísmo, politeísmo e o henoteísmo. O primeiro defende a existência de um único deus supremo e nega a existência de outros. O segundo, diferente do primeiro, acredita na existência de várias divindades. E o terceiro acredita da existência de um ser supremo, mas não nega a existência de outros. O hinduísmo se encaixa nesta terceira crença. Os hindus creem em um ser supremo (favorito), mas não negam a existência de outros. 


Narayanan (2007, p. 134), diz que: 
“Os hindus podem reconhecer muitas divindades, mas considerar que apenas uma é suprema; ou podem considerar todos os deuses e deusas iguais, mas adorar um que é o seu favorito. Contudo, a maioria acha que todas as divindades são manifestações de uma única. Para muitos, dizer que esse Deus é homem ou mulher, um ou muito, é limitá-lo, impor ao divino ideias humanas de sexo e número”.
Apenas para fazer uma pequena comparação. No cristianismo existe a crença na Santíssima Trindade, isto é, que o Deus verdadeiro é entendido como Pai, Filho e Espírito Santo. De modo semelhante, existe no hinduísmo a crença, não muito popular, no Trimurti que se compõem de três divindades principais: Brahma, Vishnu e Shiva.

Narayanan (2007, p. 136), diz que: 
Textos sagrados exprimem a ideia de uma trindade divina (Trimurti) de Brahma (o criador), Vishnu (o preservador) e Shiva (o destruidor), mas esse conceito nunca foi muito popular. Com o tempo, Brahma perdeu funções, e criação, preservação e destruição associaram-se em uma divindade, que pode ser Vishnu, Shiva ou Devi (a Deusa).
Existem milhares de divindades no hinduísmo, e seria praticamente impossível enumerá-las uma por uma em um simples artigo. Para uma melhor compreensão dos deuses do hindismo, veja este video: Conhecimentos da humanidade - Hinduísmo Vishnu e Shiva são duas principais dividades panteão hindu. Os devotos de Vishnu são chamados de vaishnavas, e os shaivas são os de Shiva. Cada um desses grupos tem o seu modo peculiar de devoção.


A LIBERTAÇÃO.
Quase todas as religiões possuem o seu próprio sistema de salvação ou libertação. No caso do hinduísmo a alma do homem (atmã) está presa a um repetitivo ciclo de vida e morte. O fiel hindu está sempre em busca dessa libertação. Mas quais são os caminhos para chegar a esse objetivo? Praticamente três: o caminho da ação, o caminho do conhecimento e o caminho da devoção. 
“O caminho da ação (carma-oiga) é o caminho da ação altruísta; uma pessoa precisa fazer o seu dever (dharma), como estudar ou fazer boas ações, mas não por medo de culpa ou da punição, ou por esperança de louvores ou recompensa. [...]. De acordo com o caminho do conhecimento (jnana-ioga), atingido o conhecimento dos escritos sagrados pode-se adquiri uma sabedoria transformadora que destrói o carma passado. O verdadeiro conhecimento é uma percepção da real natureza do universo, do poder divino e da alma humana. [...]. O terceiro caminho é o mais enfatizado em todo o Bhagavad Gita: o caminho da devoção (bhakti-ioga). Esse caminho talvez seja o mais popular entre os hindus de qualquer posição social. (NARAYANA, 2007, p. 144-145).
Fazer bem ao próximo, adquirir conhecimento dos textos sagrados e ter uma vida devocional, segundo o hinduísmo, são os caminhos para libertar o atmã do ciclo de vida e morte. Mas isso realmente funciona? Cabe somente ao hindus responderem.


DIVISÃO SOCIAL.
Na cultura ocidental é muito comum dividir a sociedade em classes, ou seja, classe alta, média e baixa. É a condição econômica e social que vai definir a que classe uma pessoa pertence. Mas essa divisão não é algo predestinado desde o nascimento. Existe uma certa transitoriedade, isto é, uma pessoa que pertence à classe baixa (com esforço e dedicação) pode mudar de vida, e com isso migrar para a classe média ou alta. 

Infelizmente isso não acontece no sistema de casta da Índia. Não existe mudança de uma casta inferior para outra superior. Uma pessoa que nasceu em uma casta especifica permanecerá nela por toda a vida, e não faz muita diferença se a pessoa é rica ou pobre. Em outras palavras, é a casta que diz qual é o lugar da pessoa na sociedade indiana.

Küng (2004, p. 61) explica de modo objetivo o sistema de casta na Índia:

  • acima de todos, a elite clerical dos brâmanes: sacerdotes, poetas, pensadores, sábios;
  • em seguida, a aristocracia dos kshatriyas: guerreiros, governantes;
  • mais adiante, os vaishyas, com frequência ricos: comerciantes, camponeses, operários;
  • então, a massa dos shudras: criados, trabalhadores, proletários – cerca de quinhentos milhões;
  • e, além desses, ainda os cerca de cento e cinquenta milhões que não pertencem a nenhuma casta: os sem casta, os outcasts, os “intocáveis”, chamados por Gandhi eufemisticamente de filhos de Deus (hrijan).


Narayanan (2007, p.160-161) comenta como Gandhi lutou contra o preconceito e discriminação em relação aos “intocáveis” (sem-casta), 
“Mahatma Gandhi, por exemplo, procurou superar o preconceito contra algumas das pessoas em desvantagem na sociedade indiana, os chamados “intocáveis” – aqueles cujas ocupações as castas “superiores” consideravam “sujas” e “degradantes”. Essas ocupações incluíam lidar com couro e cadáveres de animais, porque se considera que a pele e a carne mortas conspurcam (a palavra “pária”, que designa os que não tem casta, vem do tâmil pariab – “tambor” --, o que é explicado pelo fato de a membrana do tambor ser feita de couro “sujo” de animal). Gandhi chamava de harijan (“Filhos de Deus”) os sem-casta, e a constituição indiana pós-independência tornou ilegal a discriminação contra eles. Até agora, no entanto, as declarações oficiais tiveram pouco resultado na prática”.
Não existe cultura perfeita, mas não podemos negar que existem culturas melhores e outras piores. O sistema de castas indiano visto pelos olhos ocidentais pode causar repúdio e indignação, mas também não podemos negar que em países ocidentais “desenvolvidos”, o preconceito, o racismo e a discriminação estão muito presentes. E isso revela que independente da religião, da cultura ou do país, os humanos são produtores de mazelas da sociedade, e é necessário sempre fazer uma autocrítica de si mesmo com o objetivo de corrigir os próprios erros.

Concluído, o hinduísmo é uma religião fascinante, exótica e contraditória. Ela mostra como o ser humano é religioso e obcecado pelo sagrado. Acredito que sociedades seculares, que de certa forma desprezam o fator religioso, poderiam aprender coisas interessante sobre a humanidade com o hinduísmo.


FONTES
KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Campinas. Verus, 2004.
NARAYANAN, Vasudha. Hinduísmo. In: COOGAN, Michael D. (Org). Religiões. São Paulo. Publifolha, 2007.
WILLIS, Roy. Mitologias. São Paulo. Publifolha, 2007.