"Não haverá paz entre as nações, se não existir paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões, se não existir diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões, se não existir padrões éticos globais. Nosso planeta não irá sobreviver, se não houver um etos global, uma ética para o mundo inteiro" (Hans Küng).
Tentar
construir pontes que aproximem as religiões é algo muito relevante e ao
mesmo tempo desafiador. Relevante no sentido de que haja paz e respeito
entre os seres humanos; e desafiador porque as religiões são tendenciosas a se proclamarem como donas de uma única verdade absoluta. E essa tendência negativa pode atrapalhar à prática do diálogo entre elas.
Os
cristãos e os muçulmanos são grupos religiosos diferentes que se originaram em
culturas distintas. E essa distinção pode, em algumas situações, criar um clima
de hostilidade entre ambos. Mas isso só acontecerá caso os dois grupos se
fechem e não tenham o interesse de se conhecerem melhor.
Mas afinal de contas, é possível cristãos e muçulmanos viverem pacificamente apesar
das diferenças? Provavelmente sim. Entretanto, para que isso aconteça é
fundamental que um queira conhecer e entender as crenças de outro, e tentar
criar pontes de aproximação. Caso contrário, a boa convivência não existirá.
O
objetivo deste texto é ser um auxílio para as aulas do Ensino Religioso e mostrar aos alunos e leitores a
relevância de tentar construir pontes entre as religiões, mais especificamente entre o cristianismo
e o islamismo. E também refletir
sobre mal que o fundamentalismo religioso (cristão e muçulmano) pode causar na
sociedade.
1. EM BUSCA DO DIÁLOGO ENTRE CRISTÃOS E MUÇULMANOS.
1. EM BUSCA DO DIÁLOGO ENTRE CRISTÃOS E MUÇULMANOS.
Para
que exista diálogo entre duas ou mais pessoas é fundamental que primeiramente
elas se conheçam. De modo semelhante, para que os cristãos possam ter um
diálogo sério e produtivo com qualquer muçulmano é importantíssimo que se
conheça as suas crenças.
Será que cristãos e muçulmanos reverenciam a mesma divindade? Para os muçulmanos quem é Jesus? Essas perguntas básicas são fundamentais para que os primeiros passos na busca do
diálogo possa acontecer. Mas independente das crenças pessoais é necessário compreender o
valor da pessoa humana.
“Creio que o diálogo surge quando, antes das religiões, vemos as pessoas como seres humanos criados por Deus, finitos e certos da dependência total d´Ele. Com essa visão, a compaixão se manifesta, a mão pode ser estendida” (CALIXTO, 2006, p.31).
Em
outras palavras, independente da religião todo ser humano é merecedor de
respeito. Ninguém é obrigado a acredita ou concordar com tudo, no entanto, isso
não significa que se deve odiar alguém por causa de sua escolha religiosa.
Devemos acreditar que a compaixão pela vida humana é mais importante do que
qualquer tipo de crença religiosa.
“Se quisermos evitar em uma cidade, em um país e no mundo o clash of civilization, o temido “choque das culturas”, isso só poderá ser feito por meio do diálogo e da compreensão. Existem fanáticos no islã, mas eles existem também no judaísmo e no cristianismo, em toda parte. É claro que devemos nos opor à violência. Mas antes de tudo precisamos ter compreensão, tolerância, convicções democráticas para com as pessoas religiosamente engajadas. E aqui, o que ajuda muito é refletir sobre as raízes religiosas, sobretudo as raízes comuns ao judaísmo, cristianismo e islamismo na fé no único Deus de Abraão” (KÜNG, 2004, p. 252).
Infelizmente
a mídia mundial tem nos passado uma imagem negativa sobre os muçulmanos. Eles têm
sido retratados como pessoas violentas, propagadoras do terror e da intolerância.
Mas na realidade são os grupos minoritários e radicais os verdadeiros
responsáveis por esses atos de maldade. Nesses momentos é fundamental termos um senso crítico e
não aceitar como verdadeiro tudo o que a mídia mundial nos passa. Não
somente em relação aos muçulmanos, mas sobre qualquer outra religião ou indivíduo.
A
mídia mundial, em algumas situações, tem prestado um grande desserviço à paz
mundial. Isso quando faz uma caricatura de
um povo, baseando-se em atitudes nefastas de grupos radicais minoritários. E
isso revela que os meios de comunicação não nos trazem informação, mas sim “desinformação”.
Tenhamos muito cuidado!
2. CRENÇAS MUÇULMANAS E CRISTÃS.
2. CRENÇAS MUÇULMANAS E CRISTÃS.
Um
ponto comum entre cristão e muçulmanos é que ambos acreditam no mesmo Deus de
Abraão; mas a ideia acerca desse Deus é distinta entre as duas religiões. Por prestarem
devoção a Deus usando o nome “Allá” muitas pessoas pensam que os muçulmanos
creem em uma divindade diferente. Na realidade Allá é apenas o vocábulo “Deus”
em árabe. É semelhante ao pronunciar “God” em inglês ou “Dios” em espanhol.
Na
crença cristã existe o complexo dogma da Trindade em que Deus é reverenciado
como Pai, Filho e Espirito Santo. Qualquer muçulmano não conseguirá compreender
esse dogma cristão (e, diga-se de passagem, até hoje muitos cristãos não o
entendem bem), esse dogma passa à impressão que os cristãos reverenciam três
deuses, e que com isso eles seriam politeístas.
Mas na
realidade os cristãos adoram um Deus criador, que tem um Filho (Jesus) como
mediador entre os homens e que há um Espirito Santo que conduz a vida do fiel
cristão. Temos que reconhecer que tudo isso causa muita confusão na cabeça de
um muçulmano. Para o fiel muçulmano Allá não tem filhos e nem precisa de
mediadores. E ninguém sabe como ele é, e nem se pode ter um relacionamento pessoal
com ele.
Para o islamismo “Deus é irreconhecível. Ele próprio mantêm-se distante do homem, e Ele nunca pode ser conhecido pelo homem”. Para o cristianismo, Deus é mais pessoal e relacionável, e tornou isso possível através de Jesus Cristo como intermediário perfeito entre nós e Ele. Para os muçulmanos, Allah não precisa de intermediário, por isso esse papel de Cristo é rejeitado (Calixto, 2006, 101).
Sem
dúvida as religiões não falam a mesma língua e são essencialmente
contraditórias entre si. Mas será que isso é um motivo justo para se odiarem e fazerem guerra? Provavelmente não. Quando há interesse é possível existir diálogo
e respeito com pessoas que pensam e tem crenças religiosas diferentes. Uma das
formas para isso é dar mais atenção aos pontos que unem ao invés dos que
separam.
A
morte de Jesus Cristo na cruz é outro aspecto da doutrina cristã que qualquer
muçulmano tem dificuldade de entender e acreditar. Na visão muçulmana é injusto um inocente ser
punido pelos erros dos outros. Em outras palavras, cada um deve responder por
seus atos. Conforme Calixto, “na doutrina
do islamismo se nega a divindade de Cristo (Sura 112) e sua morte expiatória
(Sura 4:158), duas mensagens fundamentais do cristianismo e da pregação evangélica”
(2006, 104).
Aqui
é um ponto que pode criar muita tensão entre cristãos e muçulmanos, caso não
exista uma atitude de humildade para o diálogo. Durante mais de dois mil anos os
cristãos têm pregado e ensinado que “Deus tanto amou o mundo, que entregou seu
Filho único, para que quem crê não pereça, mas tenha vida eterna” (Evangelho de
João 3,16 – Bíblia do Peregrino).
Nenhuma religião vai negar as suas crenças, por que elas fazem parte de sua
identidade. Se qualquer religião negar o que acredita consequentemente ela deixará de existir.
Todo
cristão acredita que é possível conhecer o Deus único e ter um relacionamento pessoal
com ele por meio de Jesus Cristo. Essa é uma das principais bases da doutrina
cristã. E estamos certos que nenhum cristão verdadeiro deixará de crê nisso.
Então podemos concluir que, qualquer muçulmano ou cristão que queria ser um pacificador,
isto é, um defensor da paz, terá que saber respeitar as pessoas que tenham crenças
diferentes.
3. FUNDAMENTALISMO CRISTÃO E MUÇULMANO.
3. FUNDAMENTALISMO CRISTÃO E MUÇULMANO.
O
fundamentalismo religioso é essencialmente um movimento ideológico e social.
Ideológico porque os fundamentalistas querem que todas as pessoas pensem como eles
pensam, e creiam como eles creem. Não existe liberdade religiosa e muito menos
democracia. E como movimento social, o fundamentalismo religioso não vê o
progresso cientifico com bons olhos. O avanço da ciência pode colocar em dúvida
crenças religiosas tradicionais que durante muitos anos foram (e são) a base de
sustentação da religião.
Nem
todos cristãos e muçulmanos são fundamentalistas. Os fundamentalistas,
geralmente, constituem um grupo minoritário organizado que procura defender
propagar a sua visão de mundo na sociedade. Nem sempre existe espaço para o diálogo
com essas pessoas.
O
movimento fundamentalista não surgiu com os muçulmanos (quem pensa desse modo
está muito equivocado), ele foi gerado por um grupo de cristãos protestantes
americanos no final do século XIX. O racionalismo e o progresso cientifico
estavam colocando em dúvida, e consequentemente em descrédito, os fundamentos
essenciais da religião cristã. E isso fez com que cristãos protestantes conservadores
reagissem contra o avanço cientifico.
"O fundamentalismo foi nos EUA, onde nasceu, um apelo para a volta aos fundamentos da fé cristã diluídos pelo modernismo: a veracidade absoluta da Bíblia, que deve ser entendida literalmente; a necessidade de conduzir uma vida virtuosa, com rezas e rituais regulares, rejeitando as tentações e a permissividade associada à grande cidade e enfatizando valores familiares; uma reafirmação de dogmas tais como a volta de Jesus Cristo e o último julgamento; um compromisso com um estilo de vida frugal, modesto e trabalhador" (DEMANT, 2014, 197).
Neste
sentido fundamentalista é qualquer religioso que faz apologia (defesa) aos
fundamentos de sua fé religiosa; não permitindo que eles sejam ameaçados e destruídos pelos avanços
da modernidade secularizada. Em outras palavras, o fundamentalismo religioso é
um movimento que faz oposição ao progresso da modernidade.
O
fundamentalista, seja cristão ou muçulmano, procura entender o mundo a partir
de suas ideias religiosas particulares. Aqui é possível perceber um grande equívoco.
Isso porque qualquer fé religiosa é limitada para compreender o mundo em sua
amplitude, e incapaz de responder a todas às dúvidas da humanidade.
Os
fundamentalistas consideram-se os donos da verdade absoluta. E isso os estimula
a saírem pelo mundo agregando novos seguidores para as suas comunidades. E a
ideia defendida pela modernidade de que não existe apenas uma verdade, mas
várias verdades, é repudiada pelos fundamentalistas.
Para
um cristão fundamentalista “Jesus Cristo é a única verdade” e todos têm que
acreditar nele. No caso dos muçulmanos somente “o sagrado Alcorão diz é a
verdade” e todos têm que acreditar nele. Por causa de sua visão de fé restrita
e limitada, os fundamentalistas podem criar um clima de intolerância religiosa no mundo. E esse é um dos grandes problemas sociais
que os movimentos fundamentalistas têm causado em várias partes do mundo.
Então,
qual deve ser a nossa atitude? Acredito que devemos saber separar o joio do trigo,
isto é, saber distinguir quem é, e quem não é fundamentalista. Seria uma grande
injustiça de nossa parte generalizar e afirmar que todos são fundamentalistas.
Há
cristãos e muçulmanos mais civilizados e que estão abertos ao diálogo, e são defensores
da paz entre os povos. São com esses que devemos ter uma aproximação e criar
laços de amizade. E consequentemente não permitir que haja um “conflito entre
as civilizações”.
Fontes:
CALIXTO,
Marcos Stier. O cristão e o islamismo:
coleção diálogo religioso. Rio de
Janeiro, MK ed. 2006.
KÜNG,
Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Campinas:
Verus, 2004.
DEMANT,
Peter. O mundo muçulmano. São Paulo:
Contexto, 2014.
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