Contribuição

Pix: anderson.alvesbarbosa7@gmail.com

18 de janeiro de 2020

A ETERNIDADE SEGUNDO A VISÃO BUDISTA: Uma proposta para o Ensino Religioso.


Se existe algo certo nesta vida, este algo se chama morte. Independente de raça, posição social, cor de pele, gênero ou religião, todos se encontrarão com morte algum dia. Entretanto, o que acontece do “outro lado”? Essa curiosidade acompanha a humanidade desde os tempos mais antigos. Não existe uma resposta que seja universalmente aceita por todos, existem muitas hipóteses e especulações sobre o que acontece após à morte.

As tradições religiosas sempre tentaram dar algum tipo de resposta para essa questão da vida além da morte. Neste texto vamos conhecer um pouco sobre o posicionamento da tradição budista sobre essa temática. O que os budistas creem sobre a eternidade? A alma humana (ou espirito) permanece viva após a morte do corpo físico? O que é o Nirvana?

Este texto tem como objetivo ser usado como um auxilio nas aulas do Ensino Religioso na educação básica, mais especificamente do 6° ao 9° ano. Cabe aos professores adaptarem este material a realidade de suas respectivas classes.  


I). Siddhãrtha Gautama e o problema do sofrimento humano.
Primeiramente é fundamental esclarecer que “Buda” não é uma pessoa especifica, mas sim um “estado de iluminação”, isso quer dizer que Siddhãrtha Gautama não foi o único iluminado que existiu na face da terra. Outras pessoas que viveram antes e depois dele poderiam ser consideradas como budas ou iluminados, simplesmente por serem portadoras de alguma sabedoria ou dom carismático. Neste caso tanto Confúcio, Jesus ou Maomé poderiam ser vistos como budas.

No caso de Gautama ele procurou entender a origem do sofrimento humano e com isso descobrir uma forma na qual as pessoas pudessem ser livres dele. Em seu sermão em Benares ele falou sobre a essência da doutrina budista.

Eis, ó monges, a santa verdade sobre a dor: o nascimento é dor, a velhice é dor, a doença é dor, a morte é dor, a união com alguém que não se ama é dor, a separação de quem se ama é dor, não obter o que se deseja é dor, enfim, os cinco tipos de objetos de apego (Upadana-skandha) são dores. Eis, ó monges, a santa verdade sobre a origem da dor: é a sede que se carrega de renascimentos em renascimentos, acompanhada do prazer e da ganancia, que encontra aqui e ali seu prazer: sede de prazer, sede de existência, sede de impermanência. Eis, ó monges, a santa verdade sobre a supressão da dor: a extinção desta sede com a aniquilação completa do desejo, banindo o desejo, renunciando-o, libertando-se dele, não lhe concedendo espaço. Eis, ó monges, a santa verdade sobre o caminho que leva à supressão da dor: é o caminho sagrado, feito de oito veredas, denominadas reta fé, reta vontade, reta palavra, reto agir, retos meios de subsistência, reta aplicação, reta memória, reta meditação (RIES, 2019, p.165).

Podemos ver que nas palavras de Gautama, que o Budismo em seus primórdios não era considerado como uma religião, mas como uma espécie de filosofia de vida ética em que o monge budista, a partir do seu próprio esforço, busca alcançar o estado de iluminação. Ou seja, não existe um deus ou algum tipo salvador. Tudo depende do esforço pessoal do monge budista em viver uma vida correta em todos os sentidos e na perspectiva de evitar os desejos e consequentemente o sofrimento. Nas palavras de Eckel (2007, p. 116),

O Buda não era considerado Deus ou um ser sobrenatural, mas um homem que havia encontrado e disponibilizado para todos a resposta para os dilemas mais profundos da vida humana. Para milhões de asiáticos e muitos europeus e americanos, o budismo transmite um sentido de sacralidade e de coesão sociocultural desvinculado do conceito de um deus criador.
O budismo em sua essência não é um caminho que conduz a Deus, e muito menos prega o ateísmo, por isso é muito complexo afirmar que o budismo seja uma religião. Na realidade o conceito “religião” não é universalmente aceito e nem pode ser aplicado em todas as culturas. Ele nasceu no contexto ocidental cristão e por isso é difícil querer aplicá-lo em outros contextos. 

O Buda não era visto com Deus, mas apenas como um exemplo a ser seguido. Nada mais do que isso. Assim como ele teve êxito em ter sido agraciado com a iluminação, ele abriu o caminho para que outros tivessem a mesma experiência. Entretanto, com o passar do tempo o budismo teve várias divisões internas e que engendraram diversas escolas budistas. 

As duas mais influentes são o Theravada (ou hinayana) e o Mahayana. A primeira é a mais antiga vertente budista, ela defende que somente os monges podem alcançar a iluminação. A segunda faz oposição a primeira, e defende que os leigos podem alcançar a iluminação. Em suma, para os budistas theravada a iluminação é somente para alguns, e para os mahayanas ela está acessível a todos.


II). O caminho para o Nirvana.
Mas o que é Nirvana? Infelizmente o Buda não explicou com muita clareza o que é o nirvana. Antônio Azevedo, em seu Dicionário Histórico de Religiões, explica de forma breve o que é o Nirvana.
Vocábulo de difícil definição, nas religiões indianas significa “extinção”. Estado permanente de beatitude e felicidade, o nirvana é alcançado quando tudo (pensamento, vontade, sensação) é abolido, suprimido, extinto. No budismo, é a extinção definitiva do sofrimento humano, alcançado pela eliminação das “três paixões”: o desejo (Raga), o ódio (Dvesha) e o erro (Maha). É a libertação próprio ser do ciclo infinito do nascimento e do renascimento. O Buda não deixou nenhuma descrição do nirvana, mas mostrou o caminho para alcançá-lo, oferecendo ao homem a possibilidade de sua libertação de toda ilusão sobre sua própria natureza. Para chegar ao nirvana é preciso uma longa aprendizagem, um caminho a percorrer em várias etapas. O nirvana é, pois, “um estado que escapa à fatalidade do dever”. (AZEVEDO, 2002, p.271).
Para que um budista (monge ou leigo) consiga alcançar o nirvana deve seguir o “caminho óctuplo”, isto é, o caminho das oito vias.  São eles: 1. Compreensão correta; 2. Pensamento correto; 3. Fala correta; 4. Ocupação correta; 5. Conduta correta; 6. Esforço correto; 7. Contemplação correta; 8. Concentração correta.

Fica muito claro que todos esses princípios estão fundamentados em uma base ética muito forte. Tanto nas religiões indianas como no budismo a “lei do carma” tem o poder de condicionar o comportamento das pessoas. A lei do carma explica que tudo o que uma pessoa faz de bom ou mau na vida presente trará consequências nas outras reencarnações. E isso explica, segundo a visão budista, o porquê algumas pessoas viverem muito bem e outras viverem em situações de pobreza e humilhação. Nas palavras de Eckel:
Relatos budistas sobre a lei do carma insistem em que toda recompensa está relacionada às ações que a causaram. Assim, o pecado causa sofrimento numa próxima vida, boas ações trazem felicidade, e uma ação que mistura o bem e o mal trará resultados que mesclem sofrimento e felicidade. Quando os monges vão à casa de leigos em sua coleta matinal para receber doações de alimentos, quanto mais generoso for um indivíduo tanto maior será a sua prosperidade na próxima vida. Pessoas coléricas ou cruéis, desrespeitosas com os pais e idosos ou que causam discussões e desacordos sofrerão futuramente. (ECKEL, 2007, p. 185).
Existe uma pequena passagem bíblica, mais especificamente no Novo testamento, que tem muita similaridade com a lei do carma budista.
Não vos iludais; de Deus não se zomba. O que o homem semear, isto colherá: quem semear na sua carne, da carne colherá corrupção; quem semear no espirito, do espirito colherá a vida eterna. Não desanimemos na pratica do bem, pois, se não desfalecermos, a seu tempo colheremos. Por conseguinte, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para todos, mas sobretudo para com os irmãos na fé (BÍBLIA, 2002, Gálatas 6.7-10, p. 2038).
No entanto, a diferença é que para o budismo as boas ou más ações trarão consequências nas outras vidas. Já no caso do cristianismo bíblico não existe a crença em reencarnações. Tudo o que uma pessoa praticar terá consequências na vida presente, no cristianismo para alguém alcançar a eternidade precisa confiar e acreditar no sacrifico de Jesus Cristo.

REFLEXÃO: O que podemos aprender com tudo isso?

1. O que acontece após a morte é algo misterioso que vai muito além da compreensão humana.
2. Cada religião tenta, de forma limitada, explicar o que acontece no além.
3. A vida é curta e passageira por isso esforcemo-nos para amar e respeitar as pessoas mais próximas de nós, principalmente os de nossa família.  


Fontes:
AZEVEDO, Antônio Carlos do Amaral. Dicionário histórico de religiões. Rio de Janeiro. Nova fronteira, 2002.
BÍBLIA, N. T. Gálatas. In: BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Ed. Gilberto Gorgulho, Ivo Storniolo e Ana Flora Anderson (Coord.). 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Paulus, 2002. p. 2038.
ECKEL, Malcolm David. Budismo. In: COOGAN, Michael D. (Org.). Religiões. São Paulo: Publifolha, 2007.
RIES, Julien. Vida e eternidade nas grandes religiões. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019. 

15 de outubro de 2019

O QUE DEFINE UMA RELIGIÃO? | Frank Usarski

6 de outubro de 2019

CONFLITOS RELIGIOSOS | FRANK USARSKI

13 de agosto de 2019

RELIGIÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE NO BRASIL.

Foto: Rawpixel by Getty Images

Geralmente quando se fala em “laicidade”, “separação entre igreja e Estado” e “secularização” no Brasil, costuma-se olhar e imitar o modelo francês. Ou seja, os especialistas sejam eles sociólogos, historiadores ou cientistas políticos desejam que o Brasil siga os passos da França, no que tange a separação entre religião e Estado. No entanto, tendo em consideração o contexto histórico e cultura de cada país, não podemos garantir que o modelo francês seja o mais ideal para o Brasil. Um exemplo bem claro é que o fenômeno religioso no Brasil, diferente na França, está muito presente e vivo na vida dos brasileiros. Tudo mostra que a ideia de secularização que acontece na França e em outros países europeus não se encaixa no contexto brasileiro.

José Casanova (2006) “fala que a teoria tradicional de secularização pode funcionar muito bem em muitos países europeus, mas que essa teoria não é adequada para os Estados Unidos. E de modo semelhante o modelo americano funciona nos Estados Unidos, porém ele não serve para a Europa”. Tudo indica que com o passar do tempo a religião foi perdendo sua influência e sentido no dia a dia dos europeus, tanto que muitas igrejas protestantes históricas deixaram de funcionar. Mas isso não acontece nos Estados Unidos, muitos americanos continuam sendo religiosos e frequentando os espaços sagrados.

No Brasil a situação é bem diferente, existe uma diversidade religiosa muito grande no território brasileiro. O nativo (que é amparado pela constituição brasileira) tem a liberdade de escolher e seguir o credo religioso que mais lhe agrade. Catolicismo, protestantismo, pentecostalismo, espiritismo, maçonaria, umbanda, candomblé, budismo, ateísmo e agnosticismo são as várias opções que os nativos brasileiros tem a sua disposição. Mas sabe-se muito bem que essa diversidade pode gerar conflitos e intolerância religiosa. Por isso que é bom o Estado brasileiro não ter uma religião oficial. Ele deve ser neutro em questões religiosas e criar leis para garantir a liberdade religiosa e também punir os que queiram promover a intolerância religiosa e consequentemente a violência contra as minorias.

Historicamente o Brasil é um país católico, essa conjuntura começou durante o período colonial e imperial. Mas com o advento do período republicano – muito influenciado pelas ideias do iluminismo e do positivismo – a hegemonia do cristianismo católico começou a perder força e abriu-se espaço para a inclusão de religiões não católicas que começaram, aos poucos, conquistar espaço nos vários setores da sociedade brasileira.

Na atualidade o seguimento evangélico (pentecostal/neopentecostal) tem conquistado muito espaço principalmente na esfera política. Para os secularistas as religiões não deveriam ter espaço na política, porque isso pode ferir o conceito de Estado laico. Mas se olharmos a ideia de democracia na qual as diferentes cosmovisões deve conviver juntas e se respeitarem mutualmente, não seria uma atitude antidemocrática excluir as religiões da esfera pública? Na realidade é saudável que os religiosos participem e se envolvam em todas as áreas da vida pública. O desafio é não permitir que as crenças religiosas particulares se transformem em uma espécie de “modelo” que toda a população seja obrigada a seguir e crer.
Não consigo encontrar uma razão convincente, em termos democráticos ou liberais, para banir, em princípio, a religião da esfera pública democrática. Pode-se, no máximo, em bases históricas pragmáticas, defender a necessidade de separação entre “igreja” e “Estado”, embora eu não esteja mais convencido de que a separação completa seja uma condição necessária ou suficiente para a democracia. A tentativa de estabelecer uma parede de separação entre “religião” e “politica” é injustificada e provavelmente contraproducente para a própria democracia (CASANOVA, 2006, p. 16).
        No caso do Brasil é notório que existe uma forte influência cristã (evangélica) em vários setores da sociedade, mais especificamente na política. O problema é que essa influência cristã se torne dominante e impeça que outros seguimentos religiosos tenham uma parcela de participação na esfera pública, gerando com isso um clima de intolerância religiosa. 

Podemos entender que o conceito "laicidade" e "secularização" no Brasil não impedem que as religiões sejam atuantes na esfera pública. O desafio é não permitir que um determinado seguimento religioso se torne hegemônico e queira implantar na sociedade a sua visão de mundo religiosa. Ou seja, Estado e religião podem conviver juntos desde que cada um não interfira na esfera de atuação do outro.

Infelizmente nem todos compreendem isso. Em quase todas as religiões existem grupos radicais minoritários fundamentalistas que desejam a todo custo que a sociedade seja “convertida” ao seu estilo de vida religioso. Um exemplo muito claro no Brasil são as atitudes de intolerância religiosa de grupos pertencentes as Igrejas evangélicas neopentecostais que discriminam e atacam fieis de religiões de matriz africana (candomblé/umbanda), e geralmente isso acontece por causa da associação que os neopentecostais fazem das entidades espirituais das religiões africanas, os orixás, com demônios e espíritos do mal. Criando com isso uma espécie de arena de guerra na sociedade brasileira.
Alguns exemplos destes casos de vilipendio religioso foram a depredação de um centro de Umbanda no bairro de Catete no Rio, por 4 evangélicos; a ação do pastor Tupirani e de um membro da “Igreja Geração de Jesus Cristo” de postar vídeos na internet insultando às religiões afro-brasileiras e à ordem legal protetora da liberdade religiosa, como o tema veiculado “Bíblia sim, Constituição não”; assim como, a desqualificação da Lei Caó (que torna o racismo como crime inafiançável) retratada como “Lei Caô (gíria que significa mentira) (MIRANDA, 2010, p. 135 apud CAMURÇA, 2017, p. 877).
         Acreditar que a intolerância e o preconceito religioso serão algum dia erradicados na sociedade brasileira é uma grande utopia. No mínimo o que sociedade organizada poder fazer, através do poder público, é diminuir essa tendência incentivando a educação de jovens e adultos sobre a importância de respeitar os que possuem crenças diferentes. O bem comum não pode ser algo de pertencimento exclusivo de um determinado grupo religioso, mas deve abranger todas as pessoas que juntas constituem a sociedade brasileira.

        O Brasil possui um diversidade religiosa que talvez não exista em outros países. E isso nos faz pensar que não é muito apropriado implantar no Brasil um modelo de laicidade francês ou de outro país europeu. É importante pensar o Brasil pelo Brasil, e não por algum país estrangeiro.



FONTES.
CAMURÇA, Marcelo Ayres. A questão da laicidade no Brasil: mosaico de configurações e arena de controvérsias. Horizontes, Belo Horizonte, v. 15, n. 47, p. 855-886, jul./set. 2017.
CASANOVA, José. Rethinking secularization: a global comparative perspective. The Hedgehog Review, Charlottesville (EUA), v. 8, n. 1 e 2, p. 7-22, jan./dez. 2006.

7 de novembro de 2018

O ENSINO RELIGIOSO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA.

A presença do Ensino Religioso na grade curricular das escolas públicas ainda é motivo de polêmica na sociedade brasileira. Para uns o ER (Ensino Religioso) é de responsabilidade da família, e por isso a escola deve ser isenta desse tipo de ensino. E ainda afirmam que à presença do ER nas escolas vai contra à laicidade do Estado. Para outros que defendem a permanência do ER nas escolas, argumentam que as religiões são fontes de espiritualidade e ética, e elas podem contribuir com a formação dos alunos e ajudá-los a terem uma visão mais ampla sobre as diferentes fés e culturas.

O ER contemporâneo deve ser pautado na diversidade religiosa que existe na cultura brasileira, isto é, ensinar que não existe apenas uma única religião, mas várias, e cabe ao indivíduo seguir (ou não) a expressão religiosa que mais lhe agrade. Mas reconhecemos que essa polêmica está longe de terminar.

Em 2017 o STF (Supremo Tribunal Federal) tomou uma decisão que colocou mais fogo na polêmica sobre o ER. Segundo eles o ER nas escolas públicas deve ser “confessional”, e segundo eles, isso não fere a laicidade do Estado brasileiro. Veja este link: Decisão do STF sobre o Ensino Religioso. O ER confessional dá privilégio a uma determinada religião em detrimento das outras. Neste caso, o cristianismo de matriz Católica Apostólica Romana é o que recebe maior atenção.

Podemos supor que essa decisão foi tomada por causa da forte influência cristã católica que diretamente contribuiu com a formação religiosa do povo brasileiro. Respeito à decisão do STF, mas também discordo dela. Defendo que o ER nas escolas deve ter como objeto de estudo à diversidade religiosa que existe em nosso país. O brasileiro não é somente católico, mas também protestante, espirita, hindu, taoista, maçom, agnóstico, etc. 

O presente texto tem basicamente dois objetivos: 1. Mostrar resumidamente a trajetória do ER na legislação brasileira; 2. Defender que o ER é importante para a formação religiosa, ética e cultural dos alunos.

I. O TRANSCURSO DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL.
Os primeiros passos da implantação do ER no território brasileiro começaram com o trabalho de evangelização dos jesuítas. O ER era de caráter catequético confessional, ou seja, ele tinha o objetivo de educar e conquistar seguidores para a fé cristã católica. Torres (2012, p. 23) confirma esse fato ao dizer que: 
“O Ensino religioso no Brasil tem início com a colonização, de modo especial, com a chegada dos Jesuítas, em 1549, os quais consideramos como os primeiros catequizadores e a quem foi confiada à educação nas novas terras. Nos quatro primeiros séculos de sua história, o Brasil foi um país oficialmente católico. ”  
Mas desde a chegada dos jesuítas até os nossos dias contemporâneos, já se passaram quase cinco séculos, e as coisas mudaram bastante. Além da fé católica tradicional, os brasileiros tiveram contato com outras manifestações de fé. Hoje o brasileiro não só católico, ele pode muito bem escolher outra fé que lhe satisfaça. Com isso o Brasil passa por uma metamorfose religiosa, abre-se espaço para o “pluralismo religioso”, no qual uma ampla variedade de crenças religiosas está à disposição do gosto de cada brasileiro.

Foi no período republicano de 1889 a 1988 que a presença do ER como disciplina nas escolas passou a ser um tema polêmico e acalorado. Nas palavras de Torres (2012, p. 25):
“A implantação do regime republicano provoca, desde início, um aferrado debate sobre o Ensino Religioso no Brasil. Pode-se considerar como sendo a mais polemica das discussões sobre a inclusão ou exclusão dessa disciplina nas escolas da rede pública oficial. ”
O período republicano foi muito influenciado pelas ideias do iluminismo e do positivismo. E isso foi tão forte que a frase ORDEM E PROGRESSO que existe da bandeira brasileira é de origem positivista. De forma resumida podemos dizer que o iluminismo defende que tudo o que existe no mundo deve ser compreendido somente pela razão humana, qualquer fato que não possa ser compreendido pela razão deve ser visto como mera superstição. O positivismo foi uma corrente de pensamento que surgiu na França no século XIX, e teve como fundador Augusto Comte. O positivismo defende que tudo no mundo deve passar pelo crivo do conhecimento cientifico, sendo ele é único conhecimento verdadeiro.

Nesse período várias pessoas defendiam que o ER não deveria fazer parte da educação básica. Um dos argumentos era que a presença do ER nas escolas públicas feriria a laicidade do Estado, e por isso, não caberia ao governo oferecer esse tipo de ensino. Mas a Igreja Católica (que sempre teve muita influência na política brasileira), sem dúvida iria lutar para que ER continuasse fazendo parte da grade curricular nas escolas. E com o passar do tempo outros grupos se engajaram na luta para que o ER continuasse fazendo parte da educação. 
“A inclusão do Ensino Religioso na Carta Magna de 1988 se deu graças a grande mobilização nacional dos professores, da sociedade em geral, liderados por Entidades e Organismos como a CNBB[1], ASSINTEC[2], AEC[3] e outros. É notável salientar a atuação de diferentes denominações religiosas na defesa do Ensino Religioso; o que antes se fazia somente mediante liderança da Igreja Católica” (TORRES, 2012, p. 31).
Legalmente o ER faz parte da educação básica no Brasil, mas uma pergunta que deve ser feita é: que tipo de ER deve ser aplicado nas escolas? Um ER que seja fundamento não na Teologia cristã confessional, mas nas Ciências da Religião. Mas teologia e ciência da religião não são a mesma coisa?  Não, pois qualquer teologia confessional vai defender uma religião em particular, e isso foi o que os Jesuítas fizeram na época da colonização. 

O ER contemporâneo deve ser fundamentado nas Ciências da Religião. Essa área de conhecimento (que surgiu no século XIX) não defende nenhuma religião em particular, pelo contrário, apenas estuda o fenômeno religioso de forma imparcial. E isso faz com que o ER não seja um instrumento de “evangelização”, mas de explicação sobre fenômeno religioso que existe no Brasil e em outros lugares do mundo.


II. O ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA.
A escola, através dos professores, tem a missão de ensinar e transmitir o conhecimento para os alunos, contribuindo com sua formação cidadã e ética. Língua portuguesa, matemática, história, geografia, ciências, artes e Ensino Religioso são disciplinas que fazem parte da grade curricular das escolas sejam elas públicas ou particulares, no entanto, com relação ao ER ainda existe muito preconceito por parte de diretores, coordenadores e professores sobre a presença desse tipo de ensino nas escolas.

Muito provavelmente é a influência do iluminismo e do positivismo na mentalidade brasileira que faz com que alguns profissionais da educação não vejam o ER com bons olhos. Mas quer gostem ou não o ER faz parte da educação brasileira, e mais, as religiões sempre estiveram presentes na vida dos brasileiros, então o conhecimento religioso é algo público e deve estar disponibilizado para todos os que tenham interesse.
“Todo o conhecimento humano tornar-se patrimônio da humanidade. A sua utilização, porém, depende de condições sociais e econômicas bem como das finalidades para as quais são utilizados. Nem todo conhecimento é de interesse de todos. Um conhecimento político ou religioso pode não interessar a um grupo, mas, uma vez produzido, é patrimônio humano e como tal deve estar disponível. O conhecimento religioso é um conhecimento disponível, e por isso, a Escola não pode recusar-se a socializa-lo” (PCNER, 2009, p. 35).
Como falamos logo no início o ER contemporâneo não deve ser confessional, mas sim, plural. Ou seja, deve valorizar a diversidade religiosa que existe na sociedade brasileira. Encontrar  pontos em comum entre as religiões, e tentar criar um clima de diálogo amigável entre elas é um dos objetivos do ER contemporâneo. 

Infelizmente durante a história da humanidade muitas guerras e tragédias foram feitas (e ainda nos dias atuais continuam) em nome da religião. Mas isso aconteceu por causa da arrogância e soberba de alguns religiosos fanáticos. Quando alguém pensa que a sua religião é única verdadeira e as outras são falsas, abre-se espaço para que a intolerância e o fundamentalismo se manifestem.
“A Escola tem a função de ajudar o educando a se libertar de estruturas opressoras que o impedem de progredir e avançar. Através da reflexão, educador e educando rompem com as prisões que os prendem à segurança ilusórias oferecidas por objetos, situações e autoridade não legitimas. Compreendem os limites do conhecimento e a finitude do ser humano. ” (PCNER, 2009, p. 42)
O ER contemporâneo pode ajudar os alunos a terem um entendimento mais amplo sobre suas próprias crenças pessoais e as dos outros. Algo que eles precisam saber é que todos os sistemas religiosos são humanos e imperfeitos, e mais, eles não possuem respostas prontas para todas as perguntas da humanidade. Perguntas simples e inquietantes como: Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? O ER contemporâneo vai explicar que cada religião tem respostas diferentes para essas perguntas.

Por exemplo, qual é a origem do universo? O cristianismo dará uma resposta, o budismo outra, o hinduísmo outra, o zoroastrismo outra, o ateísmo outra, etc. Com isso o educando aprenderá que podem existir várias respostas para uma única pergunta.

Concluindo, de tudo o que foi dito neste breve estudo fica comprovado que a presença do ER na educação brasileira é muito importante. O fenômeno religioso está muito presente na vida de milhares de pessoas, e seria muita falta de inteligência querer que este ensino seja excluído das escolas.   


Fontes:
FONAPER. Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Religioso. São Paulo, Mundo Mirim, 2009.
TORRES, Maria Augusta de Sousa. Ensino Religioso e literatura: um dialogo a partir do poema Morte e Vida Severina. Recife, FASA, 2012. 


[1] CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
[2] ASSINTEC – Associação Inter-religiosa de Educação de Curitiba.
[3] AEC – Associação de Escolas Católicas.