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Geralmente
quando se fala em “laicidade”, “separação entre igreja e Estado” e
“secularização” no Brasil, costuma-se olhar e imitar o modelo francês. Ou seja,
os especialistas sejam eles sociólogos, historiadores ou cientistas políticos
desejam que o Brasil siga os passos da França, no que tange a separação entre
religião e Estado. No entanto, tendo em consideração o contexto histórico e
cultura de cada país, não podemos garantir que o modelo francês seja o mais
ideal para o Brasil. Um exemplo bem claro é que o fenômeno religioso no Brasil,
diferente na França, está muito presente e vivo na vida dos brasileiros. Tudo
mostra que a ideia de secularização que acontece na França e em outros países
europeus não se encaixa no contexto brasileiro.
José
Casanova (2006) “fala que a teoria tradicional de secularização pode funcionar
muito bem em muitos países europeus, mas que essa teoria não é adequada para os
Estados Unidos. E de modo semelhante o modelo americano funciona nos Estados
Unidos, porém ele não serve para a Europa”. Tudo indica que com o passar do
tempo a religião foi perdendo sua influência e sentido no dia a dia dos
europeus, tanto que muitas igrejas protestantes históricas deixaram de
funcionar. Mas isso não acontece nos Estados Unidos, muitos americanos
continuam sendo religiosos e frequentando os espaços sagrados.
No
Brasil a situação é bem diferente, existe uma diversidade religiosa muito
grande no território brasileiro. O nativo (que é amparado pela constituição
brasileira) tem a liberdade de escolher e seguir o credo religioso que mais lhe
agrade. Catolicismo, protestantismo, pentecostalismo, espiritismo, maçonaria,
umbanda, candomblé, budismo, ateísmo e agnosticismo são as várias opções que os
nativos brasileiros tem a sua disposição. Mas sabe-se muito bem que essa
diversidade pode gerar conflitos e intolerância religiosa. Por isso que é bom o
Estado brasileiro não ter uma religião oficial. Ele deve ser neutro em questões
religiosas e criar leis para garantir a liberdade religiosa e também punir os
que queiram promover a intolerância religiosa e consequentemente a violência contra
as minorias.
Historicamente
o Brasil é um país católico, essa conjuntura começou durante o período colonial
e imperial. Mas com o advento do período republicano – muito influenciado pelas
ideias do iluminismo e do positivismo – a hegemonia do cristianismo católico
começou a perder força e abriu-se espaço para a inclusão de religiões não
católicas que começaram, aos poucos, conquistar espaço nos vários setores da
sociedade brasileira.
Na
atualidade o seguimento evangélico (pentecostal/neopentecostal) tem conquistado
muito espaço principalmente na esfera política. Para os secularistas as
religiões não deveriam ter espaço na política, porque isso pode ferir o
conceito de Estado laico. Mas se olharmos a ideia de democracia na qual as
diferentes cosmovisões deve conviver juntas e se respeitarem mutualmente, não
seria uma atitude antidemocrática excluir as religiões da esfera pública? Na
realidade é saudável que os religiosos participem e se envolvam em todas as
áreas da vida pública. O desafio é não permitir que as crenças religiosas
particulares se transformem em uma espécie de “modelo” que toda a população
seja obrigada a seguir e crer.
Não consigo encontrar uma razão convincente, em termos democráticos ou liberais, para banir, em princípio, a religião da esfera pública democrática. Pode-se, no máximo, em bases históricas pragmáticas, defender a necessidade de separação entre “igreja” e “Estado”, embora eu não esteja mais convencido de que a separação completa seja uma condição necessária ou suficiente para a democracia. A tentativa de estabelecer uma parede de separação entre “religião” e “politica” é injustificada e provavelmente contraproducente para a própria democracia (CASANOVA, 2006, p. 16).
No
caso do Brasil é notório que existe uma forte influência cristã (evangélica) em
vários setores da sociedade, mais especificamente na política. O problema é que
essa influência cristã se torne dominante e impeça que outros seguimentos
religiosos tenham uma parcela de participação na esfera pública, gerando com
isso um clima de intolerância religiosa.
Podemos
entender que o conceito "laicidade" e "secularização" no Brasil não impedem que as
religiões sejam atuantes na esfera pública. O desafio é não permitir que um
determinado seguimento religioso se torne hegemônico e queira implantar na
sociedade a sua visão de mundo religiosa. Ou seja, Estado e religião podem
conviver juntos desde que cada um não interfira na esfera de atuação do outro.
Infelizmente
nem todos compreendem isso. Em quase todas as religiões existem grupos radicais
minoritários fundamentalistas que desejam a todo custo que a sociedade seja
“convertida” ao seu estilo de vida religioso. Um exemplo muito claro no Brasil
são as atitudes de intolerância religiosa de grupos pertencentes as Igrejas
evangélicas neopentecostais que discriminam e atacam fieis de religiões de
matriz africana (candomblé/umbanda), e geralmente isso acontece por causa da
associação que os neopentecostais fazem das entidades espirituais das religiões
africanas, os orixás, com demônios e espíritos do mal. Criando com isso uma espécie
de arena de guerra na sociedade brasileira.
Alguns exemplos destes casos de vilipendio religioso foram a depredação de um centro de Umbanda no bairro de Catete no Rio, por 4 evangélicos; a ação do pastor Tupirani e de um membro da “Igreja Geração de Jesus Cristo” de postar vídeos na internet insultando às religiões afro-brasileiras e à ordem legal protetora da liberdade religiosa, como o tema veiculado “Bíblia sim, Constituição não”; assim como, a desqualificação da Lei Caó (que torna o racismo como crime inafiançável) retratada como “Lei Caô (gíria que significa mentira) (MIRANDA, 2010, p. 135 apud CAMURÇA, 2017, p. 877).
Acreditar
que a intolerância e o preconceito religioso serão algum dia erradicados na
sociedade brasileira é uma grande utopia. No mínimo o que sociedade organizada
poder fazer, através do poder público, é diminuir essa tendência incentivando a
educação de jovens e adultos sobre a importância de respeitar os que possuem
crenças diferentes. O bem comum não pode ser algo de pertencimento exclusivo de
um determinado grupo religioso, mas deve abranger todas as pessoas que juntas
constituem a sociedade brasileira.
O
Brasil possui um diversidade religiosa que talvez não exista em outros países.
E isso nos faz pensar que não é muito apropriado implantar no Brasil um modelo
de laicidade francês ou de outro país europeu. É importante pensar o Brasil
pelo Brasil, e não por algum país estrangeiro.
FONTES.
CAMURÇA,
Marcelo Ayres. A questão da laicidade no
Brasil: mosaico de configurações e arena de controvérsias. Horizontes, Belo
Horizonte, v. 15, n. 47, p. 855-886, jul./set. 2017.
CASANOVA,
José. Rethinking secularization: a global comparative perspective. The Hedgehog Review, Charlottesville
(EUA), v. 8, n. 1 e 2, p. 7-22, jan./dez. 2006.