15 de julho de 2018

CONFUCIONISMO, O QUE É ISSO?

“Não imponha aos outros aquilo que você não deseja para si próprio” (Os analectos, XII.2)

O sincretismo religioso é uma tendência que está muito presente na cultura de vários povos ao redor do mundo. Por sincretismo entende-se como à mistura de várias crenças, relativamente diferentes, em um mesmo ato de devoção. Partindo desse pressuposto, tanto brasileiros como chineses são povos que possuem uma cultura sincrética. Por exemplo, um brasileiro, se quiser, pode ser cristão, espirita e maçom ao mesmo tempo. E de modo semelhante, um chinês pode ser confucionista, taoista e budista.

Essa tendência ao sincretismo talvez seja porque as crenças religiosas não são absolutamente perfeitas, ou seja, elas não têm a última palavra sobre tudo, e precisem ser complementadas por outras. Ou, são os próprios religiosos que estão sempre insatisfeitos e buscam nas várias crenças um meio de satisfazer os seus anseios interiores.

Tradicionalmente a religiosidade popular chinesa é formada pela junção do confucionismo, taoismo e do budismo; que juntas são conhecidas como “as três doutrinas” ou os “três caminhos”. O confucionismo ensina a importância de se ter uma boa conduta moral, o taoismo ensina como ter harmonia com à natureza e o budismo como superar os sofrimentos da vida. As três doutrinas se complementam e são importantes para à cultura religiosa chinesa.

Objetivo do texto: Proporcionar ao leitor um conhecimento básico sobre o confucionismo e descobrir o que de bom e proveitoso podemos aprender com ele.

I. QUEM FOI CONFÚCIO?
Na realidade pouquíssima coisa se sabe sobre a vida de Kong Fuzi (ocidentalmente conhecido como Confúcio), o pouco que se conhece sobre esse sábio chinês está mais para lendas do que fatos históricos comprovados. No entanto, ninguém dúvida que os ensinos de Confúcio tiveram muita influência na vida dos chineses, como também, em outros lugares do mundo.

Os escritos confucionistas são lidos por todo o mundo e respeitados por sua essência humana, sabedoria e linguagem direta e simples. Na china, Confúcio tornou-se tão venerado, e seus ensinos tão semelhantes como às ideias religiosas, que na atualidade, o confucionismo é quase visto como uma religião.

Confúcio nasceu, aproximadamente, em 552 a.C. no pequeno Estado de Lu, que faz parte da atual Shandong. Pouco se sabe sobre à família de Confúcio, no máximo se sabe que era uma família muito simples e de poucos recursos. Há evidencia de que Confúcio foi casado e teve filhos, mas não é possível saber qual foi o nome de sua esposa e filhos.
“Exerceu ofícios em geral humildes na corte de Lu, mas quando mais velho dedicou a maior parte de seu tempo ao ensino da moral, adquirindo um círculo de discípulos. Seu renome cresceu após sua morte em 479 a.C., e ele se tornou o mais respeitado mestre de moral da China. Confúcio ensinava o conceito de jen (bondade, humildade ou benevolência), insistindo que essa qualidade podia ser aprendida; não era, como muitos pensavam, uma prerrogativa das classes superiores. [...] Depois da morte de Confúcio, seus alunos difundiram suas ideias pela China com a ajuda de vários livros, conhecidos em conjunto como os Clássicos, que eram atribuídos ao mestre” (Wilkinson, 2011, p. 239).
Ao estudar Confúcio deve-se partir em primeiro lugar dos seus ensinos, e não necessariamente de sua biografia. Os ensinos de Confúcio são fundamentados na moralidade, mais especificamente na prática do bem aos outros. E são "os analectos" a principal fonte para se conhecer os ensinos do sábio chinês. Vejamos alguns trechos dessa obra:

O Mestre disse: "Um homem a quem falta seriedade não inspira admiração. Um cavalheiro que estuda não costuma ser inflexível. "Estabeleça como principio o melhor pelos outros e ser coerente com o que diz. Não aceite como amigo ninguém que não seja tão bom quanto você. "Quando cometeres um erro, não tenha medo de corrigi-lo" (Os analectos, I, 8).

O Mestre disse: "Quem é benevolente não pode permanecer por muito tempo em uma situação difícil e tampouco pode permanecer durante muito tempo em circunstancias favoráveis". "O homem benevolente é atraído pela benevolência porque ele se sente confortável com ela. O homem sábio é atraído pela benevolência porque percebe que ela lhe é favorável." (Os analectos, IV. 2).

Alcançar a harmonia na sociedade era o principal objetivo de Confúcio, e para que esse objetivo fosse alcançado era necessário que os governantes fossem bons, humildes e benevolentes e implantassem esses valores na sociedade. Família, política e sociedade são três áreas que devem ter como princípio moral à benevolência.

II. CONFÚCIO E JESUS.
Confúcio e Jesus têm pontos em comum:

1). São mestres mundialmente reconhecidos;
2). Tiveram um bom número de discípulos;
3). Viveram em épocas de crise moral e instabilidade política;
4). Ensinaram a importância da boa conduta e do amor ao próximo.

Talvez a principal diferença entre os dois seja, que no caso de Confúcio, ele não era venerado como uma divindade por seus primeiros discípulos (mas, diga-se de passagem, que com o passar do tempo, à religiosidade popular chinesa incluiu Confúcio no panteão de divindades populares), nem se preocupava muito com o que acontecia depois da morte. Confúcio estava muito mais focado na vida terrena do que numa suposta vida do além. No entanto, isso não descarta o dever de se ter uma atitude de consideração e respeito pelos antepassados.

Chi-lu perguntou como os espíritos dos mortos e os deuses deveriam ser servidos. O Mestre disse: “você sequer é capaz de servir aos homens. Como poderia servir aos espíritos”. “Posso perguntar sobre a morte? ”. “Você sequer entende a vida. Como poderia entender a morte? ” (Os analectos, XI.12).

III. ÉTICA E MORALIDADE.
Diferente de outras crenças, o confucionismo não está muito interessado em rituais e festas, seu principal objetivo é contribuir na formação do “homem nobre”, isto é, uma nobreza fundamentada na ética e na boa conduta, e não no sentido de realeza. Para Confúcio qualquer pessoa pode ser um nobre desde que se esforce para isso.
Perguntaram a Confúcio: “Existe uma palavra que possa servir de norma de ação para a vida inteira? ” Ele respondeu: “É a palavra reciprocidade (shu) ”. Pois humanidade significa, em concreto, cuidado e tolerância mútua: shu – para Confúcio uma forma abreviada daquela Regra Áurea, que ele de imediato acrescenta: “O que não desejas para ti mesmo, isso também não o faças aos outros” (15,24). Meio milênio, portanto, antes do Sermão da Montanha, Confúcio prega a norma de conduta, inteiramente universal, que lá é formulada positivamente: “Tudo quanto quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles! ” (Mt 7,12). (KÜNG, 2004, p. 117).
Um detalhe interessante, a famosa Regra Áurea não é um ensino ético de origem cristã. Confúcio já ensinava isso quinhentos anos antes do advento do cristianismo. Com isso podemos afirmar que nem tudo o que está registrado nas escrituras cristãs é original, no máximo os cristãos só fizeram repetir algo que já era universalmente aceito. Isso traz à luz uma grande verdade: a ética e a boa conduta não são algo de pertencimento exclusivo de uma religião especifica.  

Para Confúcio o homem nobre é aquele que busca ter uma relação harmoniosa com as pessoas e com o meio ambiente, demostrando para com todos, homens e mulheres, humanidade, respeito, carinho e bem querer. E é no seio da família que essas virtudes devem ser praticadas e transmitidas de geração a geração.

Nas palavras de Küng: “Para Confúcio, o próximo é em primeiro lugar o membro da família” (2004, p.117).

As relações familiares são de grande importância no pensamento ético de Confúcio, é necessário que exista nas famílias atitudes de amor e respeito entre pais e filhos, marido e mulher, tios e sobrinhos, avós e netos, irmãos mais velhos e novos, etc., e consequentemente essas atitudes influenciaram à sociedade e o governo. De acordo com Küng (2004, p.118): “A preocupação primária do confucionismo é com o lado externo da vida chinesa, com a organização da vida familiar e política. Ele considera toda a sociedade humana como um sistema de relações pessoais, que precisam ser harmoniosamente organizadas a partir da família”.

Para concluirmos, o que podemos aprender com Confúcio? Confúcio foi um grande mestre da moral e o seu pensamento está alicerçado nisso. Então o que Confúcio nos ensina é a importância de vivermos e praticarmos o bem ao nosso próximo, mais especificamente entre nossos familiares.

Os ensinos de Confúcio ainda são de grande valor para à nossa sociedade atual. No mundo contemporâneo existem vários países que neste exato momento estão passando por um crise moral e ética. O ódio é um sentimento nocivo que tem contaminado muitos corações.

A falta de respeito dos jovens em relação aos seus pais e professores é algo extremamente absurdo. A ganância e a corrupção de muitos políticos fazem com que muitos países (inclusive o Brasil) não subam a um nível mais alto de desenvolvimento, e com isso, deixando milhares de famílias em uma situação de extrema pobreza. Sem dúvida por trás de tudo isso existe uma perda dos valores éticos e morais. Confúcio ainda é relevante para os problemáticos dias de hoje!


Fontes:
CONFÚCIO. Os analectos. Porto Alegre, RS: L&PM, 2017.
KÜNG, Hans. Religiões do mundo: em busca de pontos comuns. Campinas, SP: Verus, 2004.
WILKINSON, Philip. Religiões: guia ilustrado zahar. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

4 de junho de 2018

A RELIGIÃO DOS MESOPOTÂMICOS E A BÍBLIA : Um tema para o Ensino Religioso.



Todos nós conhecemos os relatos da criação do mundo em seis dias e do dilúvio que estão escritos na Bíblia hebraica. No entanto, essas narrativas não são algo de pertencimento exclusivo da tradição bíblica. Há muitos anos atrás (antes mesmo da composição da Bíblia) os antigos povos mesopotâmicos (sumérios) já acreditavam na criação do mundo pela ação dos deuses e na história de um diluvio universal que teve o objetivo de punir a humanidade por causa de seus atos de rebeldia.

As culturas e crenças dos povos vão se mesclando e influenciado umas as outras. E com isso pode-se afirmar que existe uma certa influência da cultura mesopotâmica nos primeiros capítulos do livro do Gênesis. Isso é comprovado pelas evidencias geográficas que o próprio texto bíblico apresenta. O Gênesis menciona a existência de dois rios que estão localizados na região da antiga Mesopotâmia (que hoje é o atual Iraque): o Tigre e o Eufrates. 

“Um rio saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se em seguida em quatro braços. O nome do primeiro é Fison, e é aquele que contorna toda a região de Hévila, onde se encontra o ouro. (o ouro dessa região é puro; encontra-se ali também o bdélio e a pedra de ônix) O nome do segundo é Geon, e é aquele que contorna toda a região de Cuch. O nome do terceiro rio é Tigre, que corre ao oriente da Assíria. E o quarto rio é o Eufrates” (Gênesis 2:10-14).

Mesopotâmia é uma palavra de origem grega que significa “terra entre rios”, e isso faz referência à “crescente fértil” que é o vale onde estão localizados os rios Tigre e Eufrates. Essa pequena evidencia geográfica mostra que na formação do texto bíblico existe a influência de uma antiga civilização “pagã”.

Objetivo do texto: Proporcionar um conhecimento básico da religião dos antigos mesopotâmicos, dando-se destaque especial aos mitos e ritos. Saber se existe alguma semelhança entre a mitologia mesopotâmica e os relatos bíblicos.

I. COMO ERA A RELIGIÃO DOS MESOPOTÂMICOS?
A religião mesopotâmica era essencialmente politeísta, existia uma vasta quantidade de deuses e deusas que direita e indiretamente interviam em cada detalhe do cotidiano da população. Talvez existisse uma divindade especifica para cada atividade laboral. Politicamente os mesopotâmicos não tinham um governo único e centralizado. Toda a população estava dividida em cidades-Estados independentes que tinham um soberano e uma ou mais divindades padroeiras. Segundo alguns historiadores existia na religião mesopotâmica um panteão de quase 3.600 deuses.

Os mesopotâmicos viam transcendente em todos os lugares. Como no momento de fazer o fogo, moldar tijolos, cuidar dos animais, curar as doenças, na pesca, na cultura, etc., alguns deuses estavam muito próximos dos homens e dos seus afazeres diários. E para agradecer as graças recebidas ou pedir ajuda nos momentos de crise, os mesopotâmicos imaginavam os deuses de uma forma antropomórfica, isto é, deuses com características humanas, com olhos para vê-los e ouvidos para ouvir suas preces. 
“Cada cidade tinha o seu próprio deus protetor a quem era dedicado o templo principal. Alguns dos deuses só tinham importância local. Outras divindades exerciam um domínio mais amplo, que muitas vezes era consequência do poder adquirido pelas suas cidades de origem. Por exemplo: Marduque e Assur chegaram a ser muito importantes devido à prosperidade crescente da Babilônia e da Assíria. Em geral havia uma grande tolerância religiosa, e os deuses de uma religião assimilavam os da outra” (ROSSI, 2012).
A religiosidade dos mesopotâmicos tem alguma semelhança com a religiosidade brasileira, mais especificamente com o catolicismo popular. O ponto em comum é a crença de um deus (ou santo) padroeiro. Em nosso calendário existem alguns feriados – que por uma questão religiosa e cultural – são dedicados a algum santo do catolicismo. Por exemplo, no dia 12 de outubro é feriado nacional em devoção a Nossa Senhora Aparecida, que é vista como à “padroeira do Brasil”. Historicamente é possível afirmar que o “imaginário religioso” dos homens não morre, ele apenas assume outras representações à medida que o tempo e as culturas vão mudando.

Por possuir uma fé politeísta os mesopotâmicos eram abertos a todos os tipos de crenças, sincretismos e misticismos. Talvez fosse muito natural que existisse entre eles uma atitude de tolerância religiosa com relação aos deuses de outras cidades. Não fazia muita diferença se uma pessoa era devota de duas ou três divindades ao mesmo tempo. Geralmente em uma família existia à devoção a um deus tutelar que era auxiliado por outros deuses menores. E, possivelmente, quando um fiel mesopotâmico viajava para outra cidade próxima, absorvia os ensinos e crenças dos cultos dedicados aos deuses padroeiros daquela cidade, e ao retornar a sua terra os incluía em sua devoção pessoal e familiar. 
“Os principais centros de atividades religiosas eram os templos, em que os deuses estavam presentes em forma de estátuas divinas, e os sacerdotes eram responsáveis por tratar delas. Existiam diferentes tipos de sacerdotes, que exerciam funções distintas, como a administração, os conjuros, os exorcismos, os augúrios, a adivinhação. A maior parte da informação disponível procede de textos relativos ao palácio e ao templo e, assim, é pouco o que se conhece da religião do cidadão comum” (ROSSI, 2012).
Esqueçamos um pouco a nossa ideia de templo religioso como uma igreja, sinagoga ou mesquita, onde um aglomerado de pessoas de reúnem para prestar culto em dias específicos. Na religião mesopotâmica as celebrações públicas eram feitas fora do templo. No templo só tinha a estátua sagrada que representava à divindade padroeira da cidade e o clero sacerdotal (sacerdotes e sacerdotisas) encarregado das realizações do serviço religioso, como receber as ofertas dos fiéis, cantar louvores e fazer intercessões em favor do povo. 

Além do politeísmo outra característica da religiosidade mesopotâmica (ou suméria) era a adivinhação. Não podemos afirmar, mas talvez os mesopotâmicos fossem muito obcecados em saber qual era a vontade dos deuses. A prática da adivinhação era realizada por sacerdotes especializados. Eles faziam isso de duas formas: por um ritual mágico no qual era inspecionado o fígado de um animal sacrificado ou estudando o movimento dos astros. E daí que vem o que se conhece hoje como astrologia. 

Na Mesopotâmia não existia a ideia moderna de separação entre religião e Estado, ambos andavam juntos e influenciavam-se mutualmente. Os reis de cada cidade-Estado eram os representantes dos deuses na terra. Ou seja, havia um governo teocrático.
“Os soberanos seculares exerciam o poder como representantes dos deuses. Um dos seus mais importantes deveres consistia em efetuar cerimonias destinadas a prevenir o mal e a ganhar a boa vontade das divindades. Em maior ou menor medida, era o soberano que controlava os recursos do templo mais importante da cidade. E não no esqueçamos de que o templo era a instituição mais rica e o principal latifundiário da cidade” (ROSSI, 2012).
Uma das melhores maneiras de um rei controlar o povo é através da religião. Pois a religião dá um sentido à vida das pessoas. Acreditar nos deuses (que são seres mais fortes e poderosos) produz um sentimento de temor e tremor nas pessoas. Sabe-se muito bem que pela fé as pessoas podem fazer as coisas mais estranhas e irracionais.

II. E A BÍBLIA?
Um ponto comum entre a Bíblia e a tradição mesopotâmica é a crença de que o mundo foi criado por Deus (ou deuses), e que houve um dilúvio universal que ceifou a vida de milhares de pessoas no qual somente uns poucos indivíduos conseguiram sobreviver. Apesar de terem algumas semelhanças os relatos da criação e do dilúvio tanto na tradição bíblica como a mesopotâmica são diferentes. 

Afirmar, como alguns tem feito, de que o que existe na Bíblia é um “plágio” dos mitos mesopotâmicos não pode ser comprovado. Quem faz esse tipo de afirmação está apenas querendo criar polêmica, e tentando dizer que a tradição bíblia não é confiável.

Vejamos, de forma resumida, as diferenças que existem entre a tradição bíblica e a mesopotâmica.

1. A criação segundo o mito mesopotâmico:

“No começo, nada existia a não ser Apsu, o oceano de água doce, e Tiamat, o oceano de água salgada. De sua união resulta uma sucessão de deuses, culminando com os grandes deuses Anu e Ea, que gera Marduc. Mas surge um conflito entre os deuses mais jovens e as divindades originais. Ea mata Apsu, e Tiamat decide vingar-se. Ela reúne uma horta de monstros ferozes, tais como o homem-escorpião, comandados por seu filho Kingu, a quem ela dá a “Placa do Destino”, corresponde aos me sumérios.
Vários deuses tentam subjugar Tiamat, mas fracassam e, por fim, o panteão escolhe Marduc como seu paladino. Este aceita, sob a condição de ser reconhecido como rei dos deuses. Ele derrota e mata Tiamat, dividindo seu corpo em dois, uma metade formando o céu e a outra, a terra. De Kingu ele toma a Placa do Destino. A seguir Marduc mata Kingu e com o seu sangue, misturado com terra, cria a espécie humana. Os deuses constroem para Marduc, na Babilônia, um templo próprio, Esagila, com seu zigurate” (WILLIS, 2007, 62).

Qualquer pessoa que tomar a iniciativa de comparar o mito mesopotâmico e a narrativa bíblica verá a grande diferença que existe entre os dois. No mito existe uma luta entre os deuses pelo poder, no qual Marduc tornar-se a divindade principal. Na Bíblia existe apenas um Deus (cujo o nome não é mencionado) que com sua palavra, em seis dias, cria o mundo, toda a vida animal e o homem.

O mito mesopotâmico e a narrativa bíblica juntos explicam uma coisa: que cada povo tem a sua forma peculiar de explicar a origem do mundo. E isso inclui egípcios, celtas, gregos, romanos, africanos, maias, astecas, etc. Ou seja, não existe apenas uma única explicação para a origem do universo, existem várias. E isso é um mistério que atiça a curiosidade da humanidade há vários séculos.

2. O dilúvio no épico de Gilgamesh.

“Utnapistin, o sobrevivente do diluvio do épico de Gilgamesh, reconta em detalhes a construção de um barco em forma de cubo perfeito e dá um quadro vívido dos efeitos do dilúvio. Ele conta como, quando as águas finalmente baixaram, enviou uma pomba, uma andorinha e um corvo para fazerem um reconhecimento do solo e como ele então surgiu para oferecer um sacrifício, em torno do qual todos os deuses se agruparam para “sentir o doce aroma”. Essas características ligam estreitamente a história babilônica à narrativa bíblica do dilúvio. Por fim, Ea diz ao zangado Enlil que este não deveria tentar extinguir completamente a raça humana, e sim puni-la quando necessário, enviando animais selvagens, escassez de viveres ou pragas. Enlil aceita o conselho e recompensa Utnapistin com o dom da imortalidade” (WILLIS, 2007, p.63).

Há semelhanças e diferenças entre o dilúvio mesopotâmio e o bíblico. A principal semelhança é que o dilúvio foi um instrumento usado por Deus (ou deuses) para castigar a humanidade. Utnapistin e Noé são, de certo modo, os únicos sobreviventes da grande inundação. No grande barco, ainda em meio ao dilúvio, Utnapistin e Noé soltam aves para terem uma noção de como estava o nível das águas. Logo após o fim do dilúvio tanto Utnapistin e Noé oferecem sacríficos aos seus deuses.

Uma das diferenças entre o dilúvio mesopotâmico e o bíblico, é que no primeiro os deuses continuam castigando os homens com escassez de alimentos e pragas, mas no segundo o Deus da narrativa bíblica faz uma promessa a Noé de não mais punir à humanidade com as águas do dilúvio.

“Levantou Noé um altar ao Senhor e, tomando de animais limpos e de aves limpas, ofereceu holocaustos sobre o altar. E o Senhor aspirou o suave cheiro e disse consigo mesmo: Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque é mau o designo íntimo do homem desde a sua mocidade; nem tornarei a ferir todo vivente, como fiz” (GÊNESIS 8: 20,21)

Outra diferença é que no dilúvio mesopotâmico Utnapistin é agraciado com o dom da imortalidade, mas na narrativa bíblia esse dom não foi concedido a Noé.

Concluindo, podemos percebe que existe, sim, na tradição bíblica a influência da cultura mesopotâmica. E também que o imaginário mitológico dos homens vai adquirindo outras representações e significados à medida que o tempo passa. No entanto, a principal lição que aprendemos com tudo isso é que os homens têm uma profunda necessidade de acreditar em algo maior do que eles, seja no passado, no presente e no futuro.


FONTES.
ROSSI, Luiz Alexandre. Sumérios. In: FUNARI, Pedro Paulo (org.). Religiões que o mundo esqueceu: como egípcios, gregos, celtas e outros povos cultuavam seus deuses. São Paulo: Contexto, 2012.  
WILLIS, Roy. Mitologias. São Paulo: Publifolha, 2007.     

2 de maio de 2018

MARXISMO E HUMANISMO: Filosofias de vida não religiosas.


“Nossas crenças se transformam em pensamentos, os pensamentos em palavras, as palavras se tornam ações e estas ações repetidas se tornam hábitos. E estes hábitos formam nossos valores e nossos valores determinam nosso destino” (Mahatma Gandhi)[1]

Todos nós, direta ou indiretamente, seguimos alguma filosofia de vida, isto é, uma sabedoria que dê sentido à nossa vida e objetivos. Quando refletimos sobre nossa existência, o mundo no qual vivemos e os desafios que ele nos traz; inevitavelmente somos estimulados a procurar soluções e respostas para os mais complexos desafios que vivemos e enfrentamos. E para que tenhamos uma certa direção em nossa busca; abraçamos alguma filosofia de vida, seja ela religiosa ou não, para nos dar algum suporte.

O presente texto tem o objetivo de introduzir o leitor no estudo de duas filosofias de vida não religiosas; o marxismo e o humanismo, e saber o que elas têm de positivo e negativo.

I. O MARXISMO E O SONHO DE UMA SOCIEDADE IGUALITÁRIA.
O marxismo é uma corrente de pensamento secular ainda muito influente no mundo ocidental. Ela está presente principalmente nas universidades, na política, nas artes, nas repartições públicas e em algumas igrejas. Milhares de pessoas no Brasil e no mundo são marxistas ou simpatizantes. Para se conhecer as ideias do marxismo é fundamental conhecer um pouco sobre a vida de Karl Marx, que é o seu “guru-idealizador”.
“Karl Marx (1818-1883) nasceu em Trier, na Alemanha, filho de pai judeu e mãe holandesa. Teve excelente formação nas Universidade de Berlim e Bonn e obteve o doutorado com distinção. Um dos primeiros empregos foi o de escrever artigos para um jornal radical, criticando o governo, e por isso foi expulso da Alemanha. Tentou viver em Paris e em Bruxelas, mas acabou fixando-se em Londres, onde viveu até a morte em 1883. Exerceram influência sobre o jovem Marx os escritos de Ludwid Feuebach e de G.W.F. Hegel (1770-1831). Marx criticou Feuerbach nas concordou que a teologia era antropologia. O erro cometido pela teologia é o de referir-se a algum ser transcendente, em vez de ver a verdade e a divindade da natureza humana” (Crawford, 2005, p.179).
A base do pensamento marxista é o materialismo, e nele não existe espaço para o transcendente ou sobrenatural. Tudo está direcionado para o âmbito terreno. Marx ao ser influenciado pelas ideias céticas de Feuerbach olha para a religião como algo alienante ou alucinógeno, ou seja, a religião é um tipo de “droga” criada pelos homens, e faz com que eles percam a vontade lutar por uma vida melhor, ficando assim acomodados. E, infelizmente, permanecendo escravos da exploração da classe burguesa capitalista. 

Segundo o pensamento de Marx, a religião ilude os homens oferecendo-lhes falsas esperanças. As pessoas passam a pensar que tudo o que há na terra é transitório e passageiro, e no reino do céu tudo é lindo e maravilhoso. Depois que morremos não levamos nada, então para que mudar as coisas? Nesse ponto o marxismo mostra ser uma filosofia de vida antirreligiosa.
"Se Marx tivesse vivido para presenciar o vigoroso protesto da Igreja católica na Polônia contra o comunismo, a Teologia da Libertação na África e América do Sul e a firme resistência de Martin Luther King nos Estado Unidos e de Gandhi na Índia, poderia ter mudado de opinião" (Crawford, 2005, p. 180)
Nem sempre a religião oprime, ela também pode ser usada para causar mudanças profundas na sociedade. Martin Luther King e Mahatma Gandhi são exemplos de lideres religiosos que denunciaram as injustiças e motivaram as grandes massas para se levantarem contra as opressões impostas pelos governos tiranos. King lutou contra o racismo e a discriminação dos negros nos Estados Unidos, e Gandhi contra à dominação dos ingleses na Índia. Considerando esses fatos pode-se ver que Marx se fixou apenas no lado negativo da religião.  

Uma característica peculiar dos movimentos seculares é a crença de que o homem, por si só, é capaz de transformar o mundo e a si mesmo. No marxismo é a união da classe trabalhadora que produzirá essa transformação. E para que isso aconteça é necessário que se derrube o governo opressor, assuma-se o poder e temporariamente implante-se uma “ditadura” na sociedade. Em todo esse processo pode-se ver que a religião seria um grande empecilho. Pois ela poderia tirar dos trabalhadores o estimulo de lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.
“Se definirmos a religião como um conjunto de crenças que as pessoas têm em comum e que proporcionam um fundamento racional para seu estilo de vida, tanto o marxismo quanto a maioria das religiões se enquadram na definição. O cristianismo em seus primeiros inícios tem algumas semelhanças com o comunismo. Há um tom revolucionário no Magnificat: “Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes e necessitados. Encheu os famintos com coisas boas e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc 1,52-53) (Crawford, 2005, p. 183).
O marxismo não pode ser visto como uma religião, mas também não se pode negar que não exista alguns “resquícios” de religiosidade em sua estrutura. Os humanos têm uma grande necessidade de acreditar em algo, algo que faça com eles tenham esperança e que os incentive a mudar a sua história. Por exemplo, no cristianismo existe a crença de que no futuro haverá um novo céu e uma nova terra. Um lugar no qual não existirá nem morte, nem tristeza e nem dor. Tudo será maravilhoso com Cristo reinando na terra.  

Já os marxistas clássicos partem do pressuposto de que o “sonho” de uma sociedade igualitária acontecerá por meio da luta de classes, da revolução do proletariado e quando este assumir o poder do Estado. Mas deve-se reconhecer que os ideais cristãos e marxistas não se realizaram. Não existe um novo céu e uma nova terra, e muito menos uma sociedade igualitária. O mundo contemporâneo continua desumano, desigual e caótico. Até hoje o cristianismo e o marxismo não conseguiram transformar o mundo por completo. Existe apenas muita utopia e pouca realidade.


II. O HUMANISMO E A FÉ NA RAZÃO HUMANA.
O humanismo foi um movimento intelectual que teve início na antiga Grécia, passando pelo período da renascença e tendo o seu ápice no iluminismo. Pensadores como Sócrates, Leonardo da Vince e Voltaire marcaram cada um desses períodos do humanismo. Um ponto comum entre esses pensadores é a preocupação de conhecer melhor o ser humano sua personalidade, talentos e virtudes.
“A palavra humanismo deriva de humano. Podemos definir um humanista como aquele que dá maior importância aos seres humanos, à vida humana e à dignidade humana. O humanismo enfatiza a liberdade do indivíduo, sua razão, suas potencialidades e seus direitos” (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 227).
O principal fundamento do humanismo é a crença de que tudo deve ser entendido e julgado por meio da razão humana. Ou seja, os homens através de sua razão e inteligência são capazes de encontrar respostas para os mais diversos problemas da vida. O homem é essencialmente autônomo e por isso não precisa da ajuda de religiões e divindades. A religião muitas vezes foi usada como um instrumento de opressão dos homens, fazendo-os escravos do obscurantismo e da ignorância. Nesse ponto o humanismo foi um severo crítico das instituições religiosas.

Uma característica do humanismo é ser uma filosofia de vida heterogênea, isto é, podem existir várias ramificações com ideias divergentes. Mas, geralmente, os humanistas são em sua maioria ateus ou agnósticos, no entanto, isso não significa que tudo o que as religiões dizem seja rejeitado por eles. Para alguns humanistas a religião pode ser útil à medida que ensine valores éticos que contribuam com o melhoramento do caráter do indivíduo.
“Os humanistas acreditam que, em virtude de sua razão, o homem sabe a diferença entre certo e o errado. O homem não precisa de nenhum mandamento ou regra externa. Certos valores e normas básicas podem ser estabelecidos com base puramente na razão humana. É isso que se quer dizer com a expressão ética humanista” (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000, p. 238).
Concluindo, o que existe de comum entre o marxismo e o humanismo é a crença que o homem é o centro de todas as coisas. É ele quem transforma o mundo, tem as respostas para certos dilemas da vida (e mesmo que ainda não os tenha, no futuro poderá tê-los), e não precisa da ajuda de nenhuma suposta “força divina”.

Mas algumas perguntas podem ser feitas: até que ponto o ser humano é capaz de resolver tudo sozinho? Até onde vai a sua autossuficiência? A própria história da humanidade mostra as atrocidades que os homens praticam uns contra os outros. Podemos citar como exemplo, as duas grandes guerras mundiais, o holocausto nazista, bombas atômicas, atentados terroristas, etc. Nem sempre os homens são virtuosos, eles podem ser tão irracionais e selvagens como qualquer outro animal.


Fontes.
CRAWFORD, Robert. O que é Religião. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry; GAARDER, Jostein. O livro das Religiões. São Paulo: Companhia das letras, 2000.



[1]https://www.pensador.com/frase/MTc3NjM4NA/

7 de abril de 2018

RITOS SAGRADOS: As manifestações celebrativas da fé.


“Orar em conjunto, em qualquer língua, em qualquer rito, é a mais comovedora fraternidade de esperança e de simpatia que os homens podem contrair na terra”
(Anne Louise Germaine de Staël)[1].

Religião sem rito não é religião. Ela pode até não possuir um livro sagrado, mas não ter um rito (culto) que faça mediação entre os humanos e o divino é algo inadmissível. Durante séculos as tradições religiosas exercem uma grande influência em reunir pessoas que compartilham a mesma fé em diversos lugares. Seja o cristianismo no ocidente, o budismo na Ásia ou o Islamismo no oriente. A fé religiosa nunca deixou de ter influencia sobre a mente e o comportamento de milhares de pessoas ao redor do mundo.

E é nesse ajuntamento religioso que as crenças são praticadas e experimentadas em coletividade. Neste ponto os ritos são muito relevantes para que os integrantes do grupo se conheçam melhor e juntos compartilhem suas experiências de fé. Considerando esses fatos, podemos afirmar que ao estudar os ritos estamos conhecendo um pouco mais sobre a cultura humana.

Este texto tem o objetivo de mostrar a relação entre rito e o imaginário religioso; a importância dos espaços sagrados e refletir sobre os vários tipos de ritos.

I) O RITO E O IMAGINÁRIO RELIGIOSO.
A mente humana é perita em criar imagens e símbolos que são utilizados como representações do sagrado. Os humanos sempre no decorrer de sua existência, e nas mais variadas culturas, criaram e usaram imagens e símbolos para representar os seres espirituais e com isso ter algum tipo de contato com eles. E é por isso que o imaginário religioso e os ritos são inseparáveis. Eles são, de certo modo, o oxigênio da vida religiosa de um povo.

O sagrado é multifacetado, isto é, ele pode ter várias faces e representações, dependendo do contexto cultural e religioso de um povo. O sagrado pode ter um sentido para o judeu, outro para o cristão, outro para o hindu, outro para o budista e outro para o zoroastrista etc. E são nos ritos que a experiência do sagrado é praticada e vivenciada seja de forma individual ou coletiva. 
“Ora, o sagrado refere-se a algo que, presente e real, é inesgotável, absoluto, misterioso, majestoso, inefável, ou seja, sobre o qual se pode dizer alguma coisa, mas não tudo. É energia, poder e força criadora e destruidora sempre pronta a derramar-se, a desgastar-se, como a eletricidade. Perante o sagrado, o ser humano percebe-se limitado, relativo, efêmero, dependente. Seu sentimento é de maravilhamento, fascinação, estupor, temor” (VILHENA, 2005, p.59).
Para que possamos entender melhor essa relação entre o rito e o imaginário religioso, tomemos como exemplo o rito do zoroastrismo. Os zoroastristas têm o costume regular de realizar suas preces e devoções a Aúra-Mazda, O senhor Sábio, em casa ou no templo. Para os zoroastristas à presença da divindade no templo é simbolizada pelo fogo. “O fogo sagrado” representa a luz divina, a energia a verdade de Aúra-Mazda. 
“O culto coletivo envolve preces no templo, rituais em torno do fogo sagrado e uma refeição comunal. Assim como em casa, o fogo é o foco do culto no templo, onde é mantido continuamente aceso para que o fogo celeste de Aúra-Mazda possa fundir-se com ele. O fogo torna-se então um símbolo vivo que adquire algumas das qualidades sagradas de Aúra-Mazda” (WILKINSON, 2014, p.156).
Isso é apenas um exemplo de como o sagrado é simbolizado em um rito de um grupo religioso específico. Poderíamos mencionar os ritos de outras religiões, mas isso deixaria este texto muito extenso. Mas acreditamos que a partir deste exemplo ficou claro à relação que existe entre o rito e o imaginário religioso.

II) O ESPAÇO SAGRADO.
O homem religioso observa o mundo como uma criação de Deus (ou deuses), e por isso, tudo o que há no mundo pode ser visto como sagrado. Igrejas, sinagogas, mesquitas, templos, rios, desertos, terreiros, florestas, montanhas, etc., podem ser consagrados para o uso do serviço religioso. E são nesses espaços que os ritos são realizados, nos quais os fiéis em comunidade vivenciam à experiência religiosa.

Para que algum espaço seja considerado sagrado por um indivíduo ou grupo religioso é fundamental que aconteçam pelo menos três fatores:

  • A manifestação visível de alguma divindade, espírito ou força impessoal no local;
  • Algum sinal extraordinário que seja diferente da realidade cotidiana;
  • Ritos de consagração no espaço que foi “santificado” para o uso exclusivo do grupo religioso.

Esses fatores são essenciais para que algum espaço geográfico deixe de ser profano e passe a ser considerado como sagrado. 
“O ser humano religioso tem necessidade de identificar e mapear esses espaços a fim de configurar sua leitura e interpretação do mundo, suas maneiras de nele habitar, ser e estar, orientar suas trajetórias. Os espaços sagrados são pontos de referência capazes de transfigurar o que antes era indeterminado, amorfo, caótico em um cosmo ordenado e significativo” (VILHENA, 2005, p.80).
As pessoas buscam desesperadamente um sentido para à existência. Ao viverem em um mundo caótico e desorganizado, elas buscam nas religiões a oportunidade de terem um contato com o sagrado, e consequentemente colocar “ordem em suas vidas”. Quando à medicina e à ciência falham em seus objetivos, as igrejas, mesquitas, sinagogas, templos, etc., transforma-se em locais de refúgio e esperança para milhares de pessoas. E isso mostra que as religiões continuarão existindo por muitos e muitos séculos. 

III) TIPOS DE RITOS.
Existem vários tipos de ritos com propósitos diversos, e dependendo da tradição religiosa eles podem ser praticados de modos diferentes. Alguns dos ritos mais conhecidos são: ritos de celebração, de passagem, de consagração, de propiciação, as procissões e as peregrinações. 

Geralmente esses ritos têm em sua composição cânticos, mantras, orações, meditações, leituras/recitações de textos sagrados, sermões, recolhimento de ofertas, etc. E são os líderes religiosos ou algum grupo de fieis os responsáveis pela organização dos ritos.

Concluindo, os ritos são importantes para a preservação e fortalecimento da fé de um povo. É a partir deles que buscasse ter um contato com o sagrado. Mas não somente isso, os ritos podem unir pessoas e criar entre elas fortes laços de amizades e companheirismo. Nesse aspecto os ritos sagrados cumprem um relevante papel na sociedade de inclusão social. Ou seja, agregar por meio da fé pessoas que outrora não se conheciam.


Fontes.
CRAWFORD, Robert. O que é Religião. Petropolis: Vozes 2005.
WILKINSON, Philip. Religiões: guia ilustrado zahar. Rio de janeiro: Zahar, 2014.
VILHENA, Maria Ângela. Ritos: expressões e propriedades. São Paulo: Paulinas, 2005. 


[1] https://kdfrases.com/frase/141407

10 de março de 2018

ATEÍSMO: Visão de mundo, moral e espiritualidade.

Teoricamente a principal característica de um Estado laico é ser neutro em relação a religião e a fé. Ou seja, um Estado laico não tem, não persegue e nem defende qualquer tipo de religião. Ele apenas permite que as pessoas sob sua jurisdição tenham a liberdade de crer ou não crer em algum tipo de religiãoMas sabemos que nem todos os países seguem esse modelo. Existem nações que possuem uma religião oficial. E nem sempre o direito à liberdade religiosa é permitido. O nativo deve se submeter a religião oficial do Estado, caso contrário, poderá sofrer sanções.

Diferentemente, em um Estado laico o crente tem a liberdade de praticar a sua fé. E os descrentes, sejam eles ateus e agnósticos, podem manifestar a sua descrença com relação as religiões e deuses. É importante saber que sempre existiu na história da humanidade pessoas que questionavam e negavam a existência das divindades populares. Por exemplo, na Grécia antiga havia pensadores que não davam muito crédito aos deuses que constituíam o panteão mitológico grego.

E na atualidade a situação não é muito diferente. Milhões de pessoas que por algum motivo seja intelectual, emocional e psicológico, abraçaram o ateísmo como filosofia de vida. E afirmam que estão muito satisfeitas com a escolha que fizeram. 

O presente texto tem como objetivo oferecer ao leitor um conhecimento básico sobre a visão de mundo ateísta e também pensar sobre a possibilidade de haver uma moralidade e uma espiritualidade sem Deus.

1. COMO O ATEÍSTA VÊ O MUNDO?
Podemos dizer que o ateísta é um indivíduo que nega à existência de qualquer tipo de divindade. Para ele é incoerente acreditar em seres divinos cuja à existência não pode ser comprovada. Tudo que o acontece no mundo deve ser entendido e compreendido a partir da racionalidade humana e da ciência. Qualquer coisa que fuja desse padrão deve ser descartada. As várias ideias sobre divindades, segundo o ponto de vista ateístas, não podem ser comprovadas e por isso são irrelevantes.

Assim como no universo religioso existem crentes radicais e moderados; semelhantemente entre os ateístas existem esses dois grupos. Os ateístas radicais odeiam as religiões e não poupam esforços para combatê-las e destruí-las. Eles procuram convencer as pessoas sobre a inutilidade das crenças religiosas e do mal que elas podem fazer. Geralmente os radicais são fundamentalistas e intolerantes. 

Já os ateístas moderados seguem outro caminho. Eles apesar de olharem para as divindades e as religiões como meras superstições humanas; não se sentem incomodados com a presença delas. Para que perder tempo tentando destruir algo que não existe? E se as crenças religiosas, de certa forma, ajudam as pessoas para que combatê-las? Geralmente os moderados são mais inclinados a serem tolerantes e democráticos.

Mas seja radical ou moderado o ateísta não vê o mundo como o teísta vê. O teísta olha para mundo fundamentado em suas crenças religiosas. O ateísta olha para mundo fundamentando-se no naturalismo.
A visão de mundo através da qual o ateísta ponderado examina o mundo à sua volta é o “naturalismo”. Em contraste, a visão de mundo do teísta é o “supernaturalismo” (Walter, 2015, p. 49).
Quando se fala em naturalismo isso remete à ideia de que tudo no mundo tem uma explicação natural e cientifica. Ou seja, se quisermos saber como o universo, a vida animal e vegetal começaram a surgir; temos que encontrar as respostas com base no que observamos no mundo, e não fora dele. Mas, caso não exista respostas para determinados fenômenos naturais, o ateísta crerá que com o avanço da ciência uma resposta poderá surgir futuramente.

Em contraste, o supernaturalismo é a ideia de que além do mundo natural existe um mundo espiritual. Essa visão não nega a importância do mundo natural e do avanço cientifico, entretanto, o mundo natural limita-se as coisas terrenas e não satisfaz os anseios mais íntimos dos homens. Nesse sentido, os teístas defendem que a crença na existência de Deus pode proporcionar respostas para os indivíduos.
“O naturalismo pode ser descrito como a crença em que o mundo natural é um sistema fechado: nada existe fora dele, assim nada de fora o influencia. Em contraste, os supernaturalistas adotam uma visão de mundo cuja crença mais profunda é que a realidade é dualisticamente aberta, divisível em domínios naturais e supernaturais que interagem de uma forma ou de outra. [...] Saber exatamente como o natural e o sobrenatural interagem um com o outro e onde os limites de um termina e o outro começa é até certo ponto um mistério (Walter, 2015, p. 56) ”.
Pode-se perceber que não existe um combate entre ciência e religião, mas sim entre crenças pessoais subjetivas. Contudo, a visão de mundo naturalista tende a ser menos confusão do que a visão de mundo sobrenatural. Isso porque a primeira procura ser mais lógica e coerente com a realidade; já a segunda tem muitas dificuldades em explicar certos fenômenos “sobrenaturais” com base em pressuposto científicos, ela parte mais da fé religiosa pessoal. 

2. MORAL SEM DEUS.
Será que os ateístas por negarem a existência de qualquer tipo de divindade devem ser vistos como pessoas imorais e cheia de maldade? E os crentes seriam sempre amáveis e moralmente corretos só porque acreditam na existência de um Deus transcendente? Certamente não. A vida tem mostrado que tanto os ateus como os crentes são capazes de praticar atos de benevolência, altruísmo e caridade; como também serem capazes de matar e fazer injustiças. Em outras palavras, com ou sem Deus qualquer ser humano pode fazer o bem ou o mal.

Mas isso levanta uma pergunta: será que Deus é necessário para a moralidade? Fundamentando-se em suas respectivas visões de mundo e em suas “convicções pessoais”, ateístas e teístas teriam respostas muito divergentes. Sem dúvida os primeiros afirmariam que é perfeitamente possível existir uma boa conduta moral sem Deus; mas os segundos rebateriam dizendo que se Deus não existe, tudo é permitido. Infelizmente temos que reconhecer que no campo da moral não existe convergência entre ateísta e teístas.

Quais são as características de uma moral sem Deus? Essencialmente ela é naturalista, humanista e relativista.
É naturalista, firmemente fundamentada no entendimento do que significa ser uma pessoa. [...] A moralidade ateísta é humanista, fortemente centralizada no ser humano, não em Deus. Suas metas são terrenas, não celestes. Uma moralidade independente de Deus defende valores objetivos no sentido de estarem racionalmente fundamentados e não serem subjetivos. Mas esses valores também são flexíveis o bastante para levar em consideração circunstancias atenuantes que surgem de contexto, agente e situação. Em suma, os valores ateístas são relativos, não absolutos” (Walters, 2015, p. 168).
É possível ver que em uma moral sem Deus o indivíduo está livre para criar os seus próprios padrões de conduta moral e ética. Esse tipo de moralidade parte do pressuposto de que “o homem é o centro de todas as coisas”. Ele é senhor e juiz de sua própria vida, e não deve satisfação a nenhum tipo de divindade. Não existe a ideia de um suposto céu ou inferno que o constranja a mudar de conduta. Tudo depende dele e de mais ninguém.  

3. ESPIRITUALIDADE SEM DEUS.
O “ateísta místico” é uma nova categoria de descrente que tem surgido na sociedade contemporânea. Entretanto, a espiritualidade ateísta não é religiosa, mas secular. Ou seja, é uma espiritualidade que “religa” com à natureza e faz com que o mistico seja unido a ela. E isso produz o que alguns especialistas chamam de “experiência de pico”.  
“Essas experiências de pico trazem uma sensação de interligação com o universo e também de profundo deslumbramento com o puro mistério da existência, o fato inescrutável, mas maravilhoso, de que as coisas são. Apreço, gratidão e o sentimento de ter aprendido algo importante e libertador acompanhada tipicamente as experiências” (Walters, 2015, p. 198). 
Talvez a área da espiritualidade possa ser uma ponte de aproximação entre ateístas e teístas. Mas a diferença é que o ateísta se “religa” com a natureza e não com alguma divindade. Supostamente, as experiências de pico nascem da contemplação que o ateísta místico faz do universo. Há um tipo de mistério no universo que faz o místico se sentir parte do todo.

Considerando todos esses fatos, podemos dizer que existe uma certa aproximação entre a espiritualidade ateísta e o Budismo. Mas por que? No Budismo (mais especificamente no Zen budismo) não há necessidade de comunicação com nenhuma divindade. Ao meditar, o budista procura “limpar” a sua mente de todos os pensamentos negativos que lhe possam causar algum sofrimento. Nesse exercício meditativo o budista procura estar em harmonia com o seu “eu” interior o qual está ligado ao universo.

Podemos concluir que é possível, sim, existir uma espiritualidade sem Deus. Uma espiritualidade que é terrena e não celestial, que faz o indivíduo ficar admirado com a beleza e a grandeza do universo.

Fonte.
WALTERS, Kerry. Ateísmo: um guia para crentes e não crentes. São Paulo: Paulinas, 2015.