Todos nós conhecemos os relatos da criação do
mundo em seis dias e do dilúvio que estão escritos na Bíblia hebraica. No
entanto, essas narrativas não são algo de pertencimento exclusivo da tradição
bíblica. Há muitos anos atrás (antes mesmo da composição da Bíblia) os antigos
povos mesopotâmicos (sumérios) já acreditavam na criação do mundo pela ação dos deuses e na história de um diluvio universal que teve o objetivo de punir a humanidade por
causa de seus atos de rebeldia.
As culturas e crenças dos povos vão se
mesclando e influenciado umas as outras. E com isso pode-se afirmar que existe
uma certa influência da cultura mesopotâmica nos primeiros capítulos do livro
do Gênesis. Isso é comprovado pelas evidencias geográficas que o próprio texto bíblico
apresenta. O Gênesis menciona a existência de dois rios que estão localizados
na região da antiga Mesopotâmia (que hoje é o atual Iraque): o Tigre e o Eufrates.
“Um rio
saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se em seguida em quatro braços. O
nome do primeiro é Fison, e é aquele que contorna toda a região de Hévila, onde
se encontra o ouro. (o ouro dessa região é puro; encontra-se ali também o
bdélio e a pedra de ônix) O nome do segundo é Geon, e é aquele que contorna
toda a região de Cuch. O nome do terceiro rio é Tigre, que corre ao oriente da
Assíria. E o quarto rio é o Eufrates” (Gênesis 2:10-14).
Mesopotâmia é uma palavra de origem grega que significa “terra entre rios”, e isso faz referência à “crescente fértil” que é o vale onde estão localizados os rios Tigre e Eufrates. Essa pequena evidencia geográfica mostra que na formação do texto bíblico existe a influência de uma antiga civilização “pagã”.
Mesopotâmia é uma palavra de origem grega que significa “terra entre rios”, e isso faz referência à “crescente fértil” que é o vale onde estão localizados os rios Tigre e Eufrates. Essa pequena evidencia geográfica mostra que na formação do texto bíblico existe a influência de uma antiga civilização “pagã”.
Objetivo do texto: Proporcionar um conhecimento básico da religião dos antigos
mesopotâmicos, dando-se destaque especial aos mitos e ritos. Saber se existe alguma semelhança entre
a mitologia mesopotâmica e os relatos bíblicos.
I. COMO ERA A RELIGIÃO DOS MESOPOTÂMICOS?
I. COMO ERA A RELIGIÃO DOS MESOPOTÂMICOS?
A religião mesopotâmica era essencialmente
politeísta, existia uma vasta quantidade de deuses e deusas que direita e
indiretamente interviam em cada detalhe do cotidiano da população. Talvez existisse uma divindade especifica para cada atividade laboral. Politicamente os
mesopotâmicos não tinham um governo único e centralizado. Toda a população
estava dividida em cidades-Estados independentes que tinham um soberano e uma
ou mais divindades padroeiras. Segundo alguns historiadores existia na religião
mesopotâmica um panteão de quase 3.600 deuses.
Os mesopotâmicos viam transcendente em todos os
lugares. Como no momento de fazer o fogo, moldar tijolos, cuidar dos animais,
curar as doenças, na pesca, na cultura, etc., alguns deuses estavam muito próximos
dos homens e dos seus afazeres diários. E para agradecer as graças recebidas ou
pedir ajuda nos momentos de crise, os mesopotâmicos imaginavam os deuses de uma forma antropomórfica, isto é, deuses com
características humanas, com olhos para vê-los e ouvidos para ouvir suas
preces.
“Cada cidade tinha o seu próprio deus protetor a quem era dedicado o templo principal. Alguns dos deuses só tinham importância local. Outras divindades exerciam um domínio mais amplo, que muitas vezes era consequência do poder adquirido pelas suas cidades de origem. Por exemplo: Marduque e Assur chegaram a ser muito importantes devido à prosperidade crescente da Babilônia e da Assíria. Em geral havia uma grande tolerância religiosa, e os deuses de uma religião assimilavam os da outra” (ROSSI, 2012).
A religiosidade dos mesopotâmicos tem
alguma semelhança com a religiosidade brasileira, mais especificamente com
o catolicismo popular. O ponto em comum é a crença de um deus (ou santo)
padroeiro. Em nosso calendário existem alguns feriados – que por uma questão religiosa
e cultural – são dedicados a algum santo do catolicismo. Por exemplo, no dia 12 de
outubro é feriado nacional em devoção a Nossa Senhora Aparecida, que é vista
como à “padroeira do Brasil”. Historicamente é possível afirmar que o “imaginário religioso” dos homens não morre, ele apenas assume outras representações à
medida que o tempo e as culturas vão mudando.
Por possuir uma fé politeísta os mesopotâmicos
eram abertos a todos os tipos de crenças, sincretismos e misticismos. Talvez
fosse muito natural que existisse entre eles uma atitude de tolerância
religiosa com relação aos deuses de outras cidades. Não fazia muita diferença
se uma pessoa era devota de duas ou três divindades ao mesmo tempo. Geralmente em
uma família existia à devoção a um deus tutelar que era auxiliado por outros
deuses menores. E, possivelmente, quando um fiel mesopotâmico viajava para outra
cidade próxima, absorvia os ensinos e crenças dos cultos dedicados aos deuses
padroeiros daquela cidade, e ao retornar a sua terra os incluía em sua devoção
pessoal e familiar.
“Os principais centros de atividades religiosas eram os templos, em que os deuses estavam presentes em forma de estátuas divinas, e os sacerdotes eram responsáveis por tratar delas. Existiam diferentes tipos de sacerdotes, que exerciam funções distintas, como a administração, os conjuros, os exorcismos, os augúrios, a adivinhação. A maior parte da informação disponível procede de textos relativos ao palácio e ao templo e, assim, é pouco o que se conhece da religião do cidadão comum” (ROSSI, 2012).
Esqueçamos um pouco a nossa ideia de templo religioso como uma igreja, sinagoga ou mesquita, onde um aglomerado
de pessoas de reúnem para prestar culto em dias específicos. Na religião mesopotâmica as celebrações
públicas eram feitas fora do templo. No templo só tinha a estátua sagrada que
representava à divindade padroeira da cidade e o clero sacerdotal (sacerdotes e sacerdotisas) encarregado
das realizações do serviço religioso, como receber as ofertas dos fiéis, cantar
louvores e fazer intercessões em favor do povo.
Além do politeísmo outra característica da religiosidade mesopotâmica (ou suméria) era a adivinhação. Não podemos afirmar, mas talvez os mesopotâmicos fossem muito obcecados em saber qual era a vontade dos deuses. A prática da adivinhação era realizada por sacerdotes especializados. Eles faziam isso de duas formas: por um ritual mágico no qual era inspecionado o fígado de um animal sacrificado ou estudando o movimento dos astros. E daí que vem o que se conhece hoje como astrologia.
Na Mesopotâmia não existia a ideia moderna de separação entre religião e Estado, ambos andavam juntos e influenciavam-se mutualmente. Os reis de cada cidade-Estado eram os representantes dos deuses na terra. Ou seja, havia um governo teocrático.
Além do politeísmo outra característica da religiosidade mesopotâmica (ou suméria) era a adivinhação. Não podemos afirmar, mas talvez os mesopotâmicos fossem muito obcecados em saber qual era a vontade dos deuses. A prática da adivinhação era realizada por sacerdotes especializados. Eles faziam isso de duas formas: por um ritual mágico no qual era inspecionado o fígado de um animal sacrificado ou estudando o movimento dos astros. E daí que vem o que se conhece hoje como astrologia.
Na Mesopotâmia não existia a ideia moderna de separação entre religião e Estado, ambos andavam juntos e influenciavam-se mutualmente. Os reis de cada cidade-Estado eram os representantes dos deuses na terra. Ou seja, havia um governo teocrático.
“Os soberanos seculares exerciam o poder como representantes dos deuses. Um dos seus mais importantes deveres consistia em efetuar cerimonias destinadas a prevenir o mal e a ganhar a boa vontade das divindades. Em maior ou menor medida, era o soberano que controlava os recursos do templo mais importante da cidade. E não no esqueçamos de que o templo era a instituição mais rica e o principal latifundiário da cidade” (ROSSI, 2012).
Uma das melhores maneiras
de um rei controlar o povo é através da religião. Pois a religião dá um sentido
à vida das pessoas. Acreditar nos deuses (que são seres mais fortes e
poderosos) produz um sentimento de temor e tremor nas pessoas. Sabe-se muito
bem que pela fé as pessoas podem fazer as coisas mais estranhas e irracionais.
II. E A BÍBLIA?
O mito mesopotâmico e
a narrativa bíblica juntos explicam uma coisa: que cada povo tem a sua forma peculiar
de explicar a origem do mundo. E isso inclui egípcios, celtas, gregos, romanos,
africanos, maias, astecas, etc. Ou seja, não existe apenas uma única explicação
para a origem do universo, existem várias. E isso é um mistério que atiça a
curiosidade da humanidade há vários séculos.
2. O dilúvio no épico de Gilgamesh.
II. E A BÍBLIA?
Um ponto comum entre a Bíblia e a tradição
mesopotâmica é a crença de que o mundo foi criado por Deus (ou deuses), e que
houve um dilúvio universal que ceifou a vida de milhares de pessoas no qual
somente uns poucos indivíduos conseguiram sobreviver. Apesar de terem algumas
semelhanças os relatos da criação e do dilúvio tanto na tradição bíblica como a
mesopotâmica são diferentes.
Afirmar, como alguns tem feito, de que o que
existe na Bíblia é um “plágio” dos mitos mesopotâmicos não pode ser comprovado.
Quem faz esse tipo de afirmação está apenas querendo criar polêmica, e tentando
dizer que a tradição bíblia não é confiável.
Vejamos, de forma resumida, as diferenças que
existem entre a tradição bíblica e a mesopotâmica.
1. A criação segundo o mito mesopotâmico:
1. A criação segundo o mito mesopotâmico:
“No começo, nada existia a não ser Apsu, o oceano de água
doce, e Tiamat, o oceano de água salgada. De sua união resulta uma sucessão de
deuses, culminando com os grandes deuses Anu e Ea, que gera Marduc. Mas surge
um conflito entre os deuses mais jovens e as divindades originais. Ea mata Apsu,
e Tiamat decide vingar-se. Ela reúne uma horta de monstros ferozes, tais como o
homem-escorpião, comandados por seu filho Kingu, a quem ela dá a “Placa do
Destino”, corresponde aos me sumérios.
Vários deuses tentam subjugar Tiamat, mas fracassam e, por
fim, o panteão escolhe Marduc como seu paladino. Este aceita, sob a condição de
ser reconhecido como rei dos deuses. Ele derrota e mata Tiamat, dividindo seu
corpo em dois, uma metade formando o céu e a outra, a terra. De Kingu ele toma
a Placa do Destino. A seguir Marduc mata Kingu e com o seu sangue, misturado
com terra, cria a espécie humana. Os deuses constroem para Marduc, na Babilônia,
um templo próprio, Esagila, com seu zigurate” (WILLIS, 2007, 62).
Qualquer pessoa que tomar a iniciativa de comparar
o mito mesopotâmico e a narrativa bíblica verá a grande diferença que existe entre
os dois. No mito existe uma luta entre os deuses pelo poder, no qual Marduc
tornar-se a divindade principal. Na Bíblia existe apenas um Deus (cujo o nome
não é mencionado) que com sua palavra, em seis dias, cria o mundo, toda a vida
animal e o homem.
2. O dilúvio no épico de Gilgamesh.
“Utnapistin, o
sobrevivente do diluvio do épico de Gilgamesh, reconta em detalhes a construção
de um barco em forma de cubo perfeito e dá um quadro vívido dos efeitos do dilúvio.
Ele conta como, quando as águas finalmente baixaram, enviou uma pomba, uma
andorinha e um corvo para fazerem um reconhecimento do solo e como ele então
surgiu para oferecer um sacrifício, em torno do qual todos os deuses se
agruparam para “sentir o doce aroma”. Essas características ligam estreitamente
a história babilônica à narrativa bíblica do dilúvio. Por fim, Ea diz ao
zangado Enlil que este não deveria tentar extinguir completamente a raça
humana, e sim puni-la quando necessário, enviando animais selvagens, escassez
de viveres ou pragas. Enlil aceita o conselho e recompensa Utnapistin com o dom
da imortalidade” (WILLIS, 2007, p.63).
Há semelhanças e diferenças entre o dilúvio mesopotâmio
e o bíblico. A principal semelhança é que o dilúvio foi um instrumento usado
por Deus (ou deuses) para castigar a humanidade. Utnapistin e Noé são, de certo
modo, os únicos sobreviventes da grande inundação. No grande barco, ainda em
meio ao dilúvio, Utnapistin e Noé soltam aves para terem uma noção de como
estava o nível das águas. Logo após o fim do dilúvio tanto Utnapistin e Noé oferecem
sacríficos aos seus deuses.
Uma das diferenças entre o dilúvio mesopotâmico
e o bíblico, é que no primeiro os deuses continuam castigando os homens com escassez
de alimentos e pragas, mas no segundo o Deus da narrativa bíblica faz uma
promessa a Noé de não mais punir à humanidade com as águas do dilúvio.
“Levantou Noé um altar ao Senhor e, tomando de animais
limpos e de aves limpas, ofereceu holocaustos sobre o altar. E o Senhor aspirou
o suave cheiro e disse consigo mesmo: Não tornarei a amaldiçoar a terra por
causa do homem, porque é mau o designo íntimo do homem desde a sua mocidade;
nem tornarei a ferir todo vivente, como fiz” (GÊNESIS 8: 20,21)
Outra diferença é que no dilúvio mesopotâmico Utnapistin
é agraciado com o dom da imortalidade, mas na narrativa bíblia esse dom não foi
concedido a Noé.
Concluindo, podemos percebe que existe, sim, na
tradição bíblica a influência da cultura mesopotâmica. E também que o imaginário
mitológico dos homens vai adquirindo outras representações e significados à
medida que o tempo passa. No entanto, a principal lição que aprendemos com tudo
isso é que os homens têm uma profunda necessidade de acreditar em algo maior do
que eles, seja no passado, no presente e no futuro.
FONTES.
ROSSI, Luiz Alexandre. Sumérios. In: FUNARI, Pedro Paulo (org.). Religiões que o mundo
esqueceu: como egípcios, gregos, celtas e
outros povos cultuavam seus deuses. São Paulo: Contexto, 2012.
WILLIS, Roy. Mitologias. São Paulo: Publifolha, 2007.