4 de agosto de 2017

OS ÍNDIOS E O BRASIL - História, fé e resistência dos primeiros nativos brasileiros.

Os índios fazem parte da história e cultura brasileira, e isso ninguém pode negar. Antes dos colonizadores portugueses chegarem a região que futuramente seria conhecida como Brasil, ela já estava sendo habitada por várias tribos indígenas. Então, é mais coerente dizer que o Brasil não foi descoberto, mas sim "invadido". A história pode ser contada e recontada de diversas formas. Tudo depende de quem vai narrá-la. 

Infelizmente o que sabemos sobre os índios é contado a partir do olhar do colonizador português, ou seja, o conhecimento que temos dos primeiros habitantes brasileiros é um conhecimento de segunda mão. No entanto, com o passar do tempo, pesquisadores sérios, como antropólogos e sociólogos tomaram à iniciativa de ouvir e conviver com os índios. Com o objetivo de conhecer mais profundamente a sua história e cultura.

O presente texto vai se fundamentar no eixo temático culturas e tradições religiosas, que faz parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso (PCNER), e tem como objetivo ser uma contribuição a mais no estudo sobre a vida dos índios brasileiros. E também, na medida do possível, conscientizar o leitor de que os índios contribuíram na formação cultural do Brasil.

1. OS ÍNDIOS E SUA RELIGIOSIDADE.
Basicamente a religião dos índios é uma religião que está ligada aos elementos da natureza e ao culto dos antepassados. Em sua essência à religiosidade indígena é animista, por que acredita que tudo o que existe na natureza é habitado por algum espirito. Os rios, as plantas, as árvores, as pedras e os animais estão em constante movimento por que são movidos por algum espírito. Para os índios é fundamental estar em harmonia com a natureza, por que ela é sagrada. E também é necessário apaziguar os espíritos maus que habitam na floresta, para que eles não venham causar doenças e infortúnios para a tribo. É nesse momento que a figura do pajé (ou xamã) é tão importante para a manutenção da ordem cósmica indígena.
"Aliás, o xamanismo dos povos da terra do Brasil, chamado pajelança, é a base de sua religião. [...]. Seus pajés, homens ou mulheres, fazem a viagem ao mundo dos espíritos da natureza através do exercício do transe extático. Apossam-se dos espíritos, fazem curas, dirigem preces, aconselham. Às vezes, acreditando que a enfermidade foi causada porque a alma do enfermo abandonou, saem em busca dessa alma e afazem retornar ao corpo da pessoa doente para, assim, restituir-lhe a saúde" (DOMEZI, 2015, p. 31).
O pajé é o líder espiritual dos índios. Ele é muito respeitado e reverenciado por todos os habitantes de uma determinada tribo. Pode-se dizer que o pajé é um tipo de mediador entre os homens e os espíritos da floresta. Ele tem a missão de afastar os maus espíritos que queiram trazer algum flagelo para a tribo, como também realizar curas de enfermidades através de rituais mágicos.

Por serem pessoas que habitavam nas florestas, os índios não possuíam os complexos sistemas de saúde dos grandes centros urbanos. Nas floretas não existem hospitais, postos de saúde, farmácias, ambulâncias, médicos, enfermeiros, etc. Se algum índio ficava doente o único remédio era o ritual mágico. E é nesse momento que o pajé assume a função de curandeiro da tribo. Talvez as curas eram feitas com o auxílio de bons espíritos e de ervas medicinais encontradas na floresta. O importante é levar saúde ao índio enfermo.
"A visão dos portugueses acerca dos nativos do Brasil está num documento que foi lido na corte de Portugal, em 4 de agosto de 1502, sendo aprovado pelo rei e seu conselho: "Os habitantes desse mundo não têm fé, nem religião, nem idolatria, nem conhecimento algum do seu Criador, nem estão sujeitos a leis ou a qualquer domínio, mas apenas ao conselho dos velhos...". Joaquim Fernandes, um tabelião público de Lisboa, produziu esse documento juntando as informações da Carta de Caminha e os relatos de Américo Vespúcio. E registrou-o em seu cartório" (DOMEZI, 2015, p. 27).
Os índios sempre tiveram fé e religião. A questão é que elas são diferentes da fé e religião dos invasores portugueses. Na visão dos portugueses os índios eram pagãos, ou seja, pessoas que desconheciam o Deus verdadeiro e a Jesus Cristo como único salvador. Era necessário evangelizá-los e tirá-los das trevas e da ignorância. No entanto, os índios não se viam como pagãos, eles apenas praticavam o que os seus antepassados passaram de geração a geração. Às várias tribos indígenas que viveram no Brasil, muito antes da chagada dos portugueses, eram civilizados segundo os seus costumes e crenças.

2. OS CONFLITOS ENTRE ÍNDIOS E PORTUGUESES.
Quando um povo ou grupo de pessoas se considera superior ou mais evoluído do que outros, sem dúvida, muitos problemas hão de surgir. Os indígenas que viveram no Brasil muito antes da chegada dos portugueses, eram os autênticos donos da terra. Caçavam, pescavam, casavam, tinham filhos e viviam suas crenças e costumes pacificamente entre si. Talvez nunca tenha passado por suas mentes a ideia de sair de seu habitat natural para invadir as terras de outros povos. 

Os conflitos começaram com a chegada dos invasores portugueses, que condicionados por uma visão de mundo cristã europeia, dão início a uma conquista predatória das novas terras e também da dominação e catequização das comunidades indígenas. A coroa portuguesa e a Igreja Católica estavam juntas na realização na exploração e colonização das novas terras recém "descobertas". Tudo para os portugueses era novo, e o estilo de vida das comunidades indígenas era o que causava mais espanto. De fato, tudo o que é novo e desconhecido pode gerar muito preconceito e medo!
"Os que chegaram da Europa Ocidental, com o olhar condicionado pela perspectiva monoculturalista e a mentalidade marcada pelo exclusivismo cristão, entenderam como barbárie esse mundo que lhes era estranho. No entanto, tratava-se de uma "alteridade". Ali estavam povos diferente e com diferentes cosmovisões. Eles tinham suas tradições antigas e viviam integrados na natureza, como pessoas humanas participantes da interligação de todos os seres, animados ou inanimados, no jogo das influências recíprocas, benéficas ou maléficas" (DOMEZI, 2015, p. 26).
Existiu logo no início uma certa cordialidade entre portugueses e índios. Mas com o passar do tempo essa atitude iria mudar. Na verdade, os portugueses estavam mais interessados em colocar seus planos de dominação e colonização em prática. Pouco importava o que os índios pensavam. Os índios não se submeteram à dominação dos invasores portugueses, e tomaram uma atitude de resistência. Mas infelizmente a história mostra que desse confronto muitos índios foram mortos e outros escravizados.
"Na consolidação do domínio português no Brasil, a cada novo território conhecido e a ser colonizado vinham as guerras de extermínio. A incompatibilidade entre colonizadores e índios parecia inevitável. A começar pela Bahia, em 1558, quando Men de Sá arrasou a resistência e rebeldia tupinambá, matando entre 15 mil a 30 mil índios, com a complacência e encorajamento de todos" (GOMES, 2012, p. 57).
O que é possível aprender com tudo isso? Acredito que várias coisas: 1. Todos os povos, por mais diferentes que sejam, possuem alguma crença religiosa. E essa crença traz alguma verdade para o povo que nela acredita; 2. O cristianismo não é a única religião do mundo, além dela existem outras; 3. A religião é caracteristicamente ambivalente, pode ser usada como instrumento de dominação ou de libertação; 4. Cada indivíduo tem o direito de viver, e ninguém tem o direito de tirá-lo; 5. Saber conviver com o diferente e algo que precisa ser buscado constantemente. 

Fontes:
DOMEZI, Maria Cecilia. Religiões na história do Brasil. São Paulo: Paulinas, 2015.
GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil: passado, presente e futuro. São Paulo: Contexto, 2012.

1 de junho de 2017

HISTÓRIA E RELIGIOSIDADE DO EGITO ANTIGO - O fascínio de uma antiga civilização.


História e religião andam juntas há muitos séculos. É quase impossível desassociar uma da outra. As antigas civilizações (Mesopotâmia, Egito, Roma, Grécia, etc.) ainda hoje causam fascínio, admiração e curiosidade em muitas pessoas, sejam elas cultas ou incultas. O Antigo Egito, especificamente, é uma dessas civilizações que tem atiçado o imaginário dos pesquisadores. Como esse povo antigo conseguiu construir as gigantescas e fascinantes piramides? E a esfinge? E tantas outras obras faraônicas? Quais foram os métodos arquitetônicos usados para criarem esses espetaculares empreendimentos? Eis um dos mistérios do Antigo Egito. Sem dúvida essa antiga civilização continua nos fascinando. 

O presente texto tem como fundamento a história das religiões. E objetivamente descreve um pouco da história do Antigo Egito e sua religiosidade. Preferencialmente, esse material se destina a ser usado como uma proposta para aulas de Ensino Religioso, nos anos finais (8° e 9°ano) do Ensino fundamental. Caberá ao professor adaptar esse material a realidade de sua classe.    

1. ASPECTOS GERAIS DA SOCIEDADE EGÍPCIA.
Na época do antigo Egito, Estado, religião e cultura estavam completamente entrelaçados. Era praticamente impossível falar de um sem mencionar os outros. E também se um caísse os outros teriam o mesmo destino. A história do Egito antigo é dividida em várias dinastias. Segundo os historiadores, o Egito teve ao todo trinta dinastias, que abrangeram um período de mais de três mil anos. O antigo Egito foi, em sua época, um dos mais poderosos e esplendidos impérios da humanidade.  
"O que caracteriza uma cultura é seu estilo. Nenhuma cultura na história mundial foi tão completamente atravessada por um estilo de tamanho requinte quanto a egípcia. Esse estilo se estabeleceu para sempre durante o Antigo Império, sendo que, na maioria dos aspectos, se instalara desde seu principio. [...] Os egípcio talvez tenham sido o povo mais autoconfiante do mundo: comparativamente, o egocentrismo cultural do "Império Celestial" da China foi menos exclusivista. Os egípcios não se viam como povo escolhido; eles eram, simplesmente, gente, categoria na qual não enquadravam os outros povos" (JOHNSON, 2002, p. 58).
Os egípcios eram um povo essencialmente agrícola. Eles viviam da colheita da terra, da criação de animais e do comércio. Pelo pouco que sabemos à ascensão do Egito como potencia econômica, deu-se por causa de sua localização geográfica e estratégica. O antigo Egito se desenvolveu às margens do rio Nilo. Foi a partir da utilização e exploração dos recursos deste rio que os egípcios foram desenvolvendo o seu domínio. Onde tem água tem vida. Sem água não poderia existir plantações, nem animais e muito menos população. 

Quando se fala ou se escreve sobre o antigo Egito, inevitavelmente, vem a nossa mente à imagem do Faraó. Politicamente o Egito foi uma "teocracia totalitária", onde o faraó ditava as regras. Em suma, a palavra do faraó era lei.  

Mas por trás disso existia à crença de que o faraó era divino. Ele foi uma espécie de mediador entre o povo e os deuses. Historicamente, uma das principais funções do faraó era preservar a ordem cósmica do universo (maat), para os antigos egípcios se essa ordem não fosse preservada o cosmos cairia no caos e na desordem. E isso explica o porquê do faraó ser reverenciado como um ser divino.
"Em seu apogeu, a teoria da monarquia sacrossanta apresentava o rei como deus manifesto. Ele era representante da terra entre os deuses, o único intermediário oficial entre o povo e os deuses, o sacerdote oficial exclusivo de todos os deuses" (JOHNSON, 2002, p. 64).
Desde a primeira até a trigésima dinastia vários faraós governaram o Egito. Uns se destacaram mais do que outros. E esses que se destacaram foram os que construíram as monumentais pirâmides, é possível afirmar que elas eram as tumbas sagradas dos faraós. No momento em que um faraó era embalsamado e enterrado, todos os seus pertences deveriam ser enterrado juntamente com ele. Por trás disso existia à crença de que a vida terrena era apenas uma "sombra" da vida eterna. Os egípcios eram muito obcecados pela imortalidade. No além (onde os deuses viviam) a vida é bem melhor do que essa. 

Algo que até hoje tem atiçado a curiosidade, principalmente de arqueólogos e historiadores, é o modo como os egípcios conseguiram construir as grandes pirâmides. Sem dúvida eles não possuíam as maquinas de construção e a tecnologia que temos hoje. Tudo indica que eles usaram métodos rudimentares de sua época, e mais especificamente a força braçal masculina.
"Sabemos que no Antigo Império o grupo de trabalhadores usados na construção das pirâmides consistia sobretudo em pedreiros treinados, organizados como em linhas de batalha, divididos em tropas nomeadas e comandadas por "generais". Esses homens habilidosos eram mantidos permanentemente ocupados, e o próprio Estado os provia, e suas famílias, de moradia e farta provisões de comida, roupas e outras necessidades. [...] De qualquer maneira, tem de ser lembrado que esses trabalhos eram de inspiração e intenção religiosa; tratá-los benignamente também parece ter sido uma tarefa religiosa" (JOHNSON, 2002, p. 81).
Para os antigos egípcios dar à sua parcela de contribuição na construção das pirâmides, se constituía em um tipo de devoção religiosa. Não era um trabalho penoso, mas prazeroso e sagrado. Isso porque na mente de um nativo egípcio, essa obra de construção garantia a posse da vida eterna e da imortalidade. Diferente do conceito cristão de redenção individual, o conceito de redenção egípcio era coletivo. A imortalidade da alma abrange toda à sociedade egípcia, e não indivíduos particulares. Servir e obedecer ao faraó era a porta de entrada para à vida eterna.
"Nesse sentido, O Egito era composto por uma sociedade coletivista de um tipo bastante rigoroso. O rei personificava o coletivo. Se ele adentrasse a eternidade em segurança, como um deus alado, a imortalidade de todo seu povo - servindo-o na próximo mundo como o serviram nesse - estava garantida" (JOHNSON, 2002, p. 87). 
Outro aspecto da sociedade egípcia (que muita gente desconhece) foi o seu amor à natureza. Como tudo ao seu redor era sagrado, a fauna e a flora não poderiam ficar de fora. É possível dizer que os egípcios eram naturalistas, no sentido de cuidarem da natureza. Se fosse possível, todo o nativo egípcio teria um jardim em sua casa.
"Os egípcios amaram a natureza mais que qualquer povo da antiguidade, parecendo ansiosos por levá-la, quando possível, para dentro de casa. Eles foram também os que melhor a representaram. Como mostram muitos exemplos de sua religião, eles adoravam os bichos, mantendo inúmeros animais de estimação, como cães, gatos, gansos e macacos. [...] Os egípcios de todas as classes se devotavam a jardins, fazendo todo o possível para cultivar um nas proximidades de suas residências, transportando terras, escavando poços, canais e tanques artificiais onde colocavam aves aquáticas" (JOHNSON, 2002, p. 169).
A modernidade precisa aprender com a antiguidade. Nem tudo o que é moderno é bom, e nem tudo o que é antigo é ruim. Amar e preservar à natureza é uma atitude que, progressivamente, está desaparecendo. O homem "moderno" que é obcecado pelo progresso industrial e pelo cientificismo, se transformou em um grande destruidor da natureza. O desmatamento das florestas tropicais, o alto índice de poluição nos oceanos e rios, a matança e extinção de animais silvestres. Em parte mostram, que os antigos egípcios eram mais evoluídos ecologicamente do que o homem moderno de hoje. 

2. RELIGIÃO E MITOLOGIA EGÍPCIA.
"Mesmo escrevendo em uma época na qual o dinamismo da fé do povo tinha se esgotado e apenas as formas, em vez da essência, prevaleciam, Herótodo descreveu os egípcios como as pessoas mais religiosas do mundo" (JOHNSON, 2002, p. 22).
A religiosidade egípcia foi caracteristicamente politeísta e coletiva. Politeístas porque os egípcios prestavam culto há várias divindades, ou seja, havia uma pluralidade de deuses. E coletiva no sentido de que à imortalidade era algo público e não particular. O conceito de "religião privada" era algo estranho para os egípcios. Na medida em que o Faraó (como líder de Estado) adentrava na imortalidade, toda a população egípcia teria a imortalidade garantida. É possível afirmar que à religião era um bem do Estado, e com isso, acessível a qualquer pessoa.

A relação entre os faraós e os deuses é um ponto importante quando se quer entender a religião dos antigos egípcios. Desde o momento da coroação de qualquer faraó, ele era reverenciado com um deus e "filho de deus". 
"Desde o momento de sua elevação ao trono, um faraó egípcio (rei) desempenhava o papel de um deus. Ele era uma manifestação do deus do céu Hórus e filho do deus-sol Rá. [...] Os títulos de um rei proclamavam esses e outros relacionamento. Seu nome-trono, único para cada soberano, anunciava a maneira pela qual ele manifestava o deus-sol. Assim, Tutmósis IV era Menkheprura, "A Mais Duradoura das Manifestações de Rá" (WILLIS, 2007, p. 52)
A mitologia egípcia tem a sua forma própria de explicar a "suposta" criação do mundo. Houve, nos tempos primordiais, um deus solitário que teve à iniciativa de criar uma família. E foi a partir da criação dessa família divina, que o mundo e os seres vivos passaram a existir. Essa família é conhecida como os "Nove deuses de Heliópolis" ou Ennead.    
"O relato egípcio mais detalhado da criação diz respeito às divindades conhecidas como os Nove Deuses de Heliópolis ou o Ennead. O primeiro deles foi Rá-Aton, que passou a existir no outeiro primitivo e planejou a multiplicidade da criação em seu coração. Ele fez a primeira divisão entre macho e fêmea quando colocou o próprio sêmen na boca e desovou ou espirrou Shu, o deus do ar, e Tefnut, a deusa da umidade. [...] Da união sexual de Shu e Tefnut resultaram Geb, o deus da terra, e Nut, a deusa do céu. [...] Os filhos de Nut eram dois pares de gêmeos, Osíris e Ísis, e Seth e Néftis. Dizia-se que Osíris e Ísis haviam se apaixonado ainda no útero, mas Néftis desprezava seu irmão Seth. Como filho mais velho de Geb e Nut, Osíris estava destinado a governar o Egito" (WILLIS, 2007, p. 40).
2.1. Osíris, Ísis e Horus.
Quando o assunto é o poder, até entre os deuses pode existir desentendimentos e brigas. O deus que governa o Egito, governa o mundo. Segundo a mitologia egípcia Osíris seriam o governante, no entanto, seu irmão Seth queria o poder. A partir disso começa-se dentro da "sagrada família" uma luta pelo poder. 

O mito de Osíris, Ísis e Horus é uma das principais narrativas da mitologia egípcia. Osíris era reverenciado como o deus da agricultura, que ensinou aos homens o segredo do cultivo e da civilização. Osíris seria o deus que governaria o Egito, no entanto, seu irmão o deus Seth queria para si o poder. Segundo o mito, Seth matou e esquartejou o seu irmão Osíris, para com isso assumir o seu lugar no trono. Aqui vale ressaltar que qualquer semelhança entre Abel e Caim não é mera coincidência. 
"Os primeiros relatos dizem que Osíris foi derrubado por seu irmão Seth na margem do rio em Nedyert, local místico às vezes identificado com parte de Abidos, o sitio sagrado onde os mistérios de Osíris eram celebrados. Versões posteriores do mito afirmam que Osíris foi afogado no Nilo, e Seth é apontado como o assassino" (WILLIS, 2007, p. 42).
Ísis irmã e esposa de Osíris teve um papel importante na narrativa mitológica egípcia.  Foi ela quem procurou as partes do corpo do marido, juntou-as e depois com o ser poder o ressuscitou. Depois disso Ísis ficou gravida e pariu um filho divino chamado Hórus o deus-falcão. Por causa disso Ísis é considerada como "mãe de deus"
"Desde tempos remotos, Ísis, consorte de Osíris, desempenhou papel importante nos mitos. Recuperou o corpo de seu marido para conceber um filho dele: pairando em forma de um pequeno gavião, ela atiçou o sopro da vida nele com suas asas. Em outra versão da história, Ísis foi engravidada pelo fogo divino. [...] Ísis pariu um filho divino, Hórus, em Chemmis, perto de Buto. Lá o criou, protegida por divindades, tais como a deusa-escorpião Selqet, e esperou Hórus crescer o suficiente para vingar seu pai" (WILLIS, 2007, p. 43). 
Hórus com o herdeiro do trono, lutou contra o seu tio Seth, que de forma ilegitima tomou o trono de seu pai Osíris. Essa luta dos deuses é algo importante na mitologia egípcia. Segundo o mito, Hórus vai ao tribunal divino reivindicar o seu direito como herdeiro legitimo do trono do Osíris. Os deuses declaram que Hórus tem direito ao trono. Seth não satisfeito desafia Hórus para um duelo. A mitologia não é muito clara sobre essa suposta "luta dos deuses". É possível supor que Hórus tenha conquistado o seu lugar como herdeiro do trono de Osíris, e Seth tenha se transformado no deus da tempestade. No final não houve vencedor e perdedor.

Fontes: 
JOHNSON, Paul. História ilustrada do Egito Antigo. Rio de Janeiro, ediouro, 2002.
WILLIS, Roy. Mitologias. São Paulo, Publifolha, 2007.

16 de maio de 2017

SINTESE SOBRE A EXPANSÃO DO MOVIMENTO PENTECOSTAL NO BRASIL.


Passam-se os anos e as religiões sofrem algum tipo de mudança. Isso acontece por que às religiões são um pertencimento social, e na medida que à sociedade sofre mudanças, as religiões também são afetadas. O cristianismo de hoje é muitíssimo diferente do cristianismo antigo do 1° século d.C. Houve muitas mudanças, principalmente na teologia e no culto. Historicamente em 1054 aconteceu um cisma que deu origem à Igreja Ortodoxa Grega. Alguns séculos depois (mais especificamente em 1517), surge à Reforma Protestante na Alemanha, que tem como fundador o monge agostiniano Martinho Lutero. Depois desses cismas o cristianismo foi sofrendo mudanças e adquirindo novas faces. 

A partir da Reforma outras Igrejas e seitas foram surgindo, e se espalhando pelo Ocidente. Mas, se existe um ramo do protestantismo, que com o passar dos anos, conquistou uma significativa influencia religiosa no Brasil, este é o movimento pentecostal. Em quase todas as localidades do território brasileiro, existe uma comunidade que pertence a este movimento religioso. Mas quais foram os motivos que levaram esse movimento a ter tanta representatividade entre os brasileiros? O que ele oferece para ser tão cativante? Vamos descobrir.


O presente texto tem como fundamento à história das religiões, ele tenta analisar o movimento pentecostal com um olhar histórico e, com isso, deixa de lado o confessionalismo e o dogmatismo. E também, na medida do possível, ser uma fonte de conhecimento para à elaboração das aulas do Ensino Religioso. 


1. A ORIGEM PENTECOSTAL.

Quase todo novo movimento religioso é uma tentativa de retornar as origens primordiais, que com o passar do tempo foram ficando no esquecimento. A nomenclatura "pentecostal" é derivada de uma festa judaica cujo o nome é pentecostes ou festa da colheita. No segundo capítulo do livro dos Atos dos apóstolos relata um evento na cidade de Jerusalém, onde um pequeno grupo de cristãos estava participando dessa festividade. E de forma inesperada esse pequeno grupo teve uma experiência místico-religiosa, conhecida como "enchimento do Espírito Santo" ou "batismo no Espírito Santo". 

De forma inexplicável este pequeno grupo de cristãos começou à "falar em outros idiomas", de forma que as pessoas próximas a eles compreendiam o que eles falavam. A partir deste evento (segundo alguns especialistas e interpretes), dá-se inicio  à expansão do movimento cristão para outras partes do mundo. Mas, com o passar do tempo essa "experiência pentecostal" foi se arrefecendo e caindo no esquecimento. 


O moderno movimento pentecostal procura ser um resgatador dessa experiência que aconteceu nos tempos primordiais. Mas, historicamente o pentecostalismo que existe no Brasil, é um movimento religioso importado dos Estados Unidos. O movimento pentecostal originou-se em Los Angeles, mais especificamente na Rua Azuza, em uma comunidade de negros. Onde o pastor negro Willam Seymour foi o seu dirigente. 
"De qualquer forma, o começo do pentecostalismo tem um tempo e um espaço demarcados: uma comunidade de negros na Azuza Street em Los Angeles, 1906. Essa comunidade, dirigida por William J. Seymour, um negro ecumênico que animava uma espiritualidade entusiasta acima de raça e classes, produz uma interpretação da tradição metodista da santidade e presencia um fenômeno que se tornará o estopim dos fatos que se sucederão posteriormente. Seymour desenvolveu uma interpretação da passagem de At 2,4 que diz: "Todos ficaram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar novas línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem". [...] No dia 06 de abril, após longa jornada de oração e imposição das mãos, um menino fala em línguas, sendo seguido por outros fieis. O fenômeno alastra-se pela cidade e atrai um número cada vez maior de fieis protestantes, que vêm presenciar o milagre. Chicago será um centro divulgador do movimento, que vai, então apresentar-se como um grupo autônomo denominado pentecostal" (PASSOS, 2005, p.50). 
Com o surgimento do pentecostalismo à religião cristã sofre mais uma mudança de paradigma. Antes somente existia à Igreja Católica, Igreja Ortodoxa e as Igrejas protestantes históricas (Luterana, Presbiteriana, Batista, Anglicana e Metodista). O pentecostalismo passa a ser outro sub-grupo cristão. Pode-se dizer que à principal distinção entre as comunidades pentecostais e as outras Igrejas, é a sua ênfase na experiência pessoal do Batismo no (ou com) Espírito Santo, que tem como evidência, o falar em outras línguas. Quando se tira esses elementos, as comunidades pentecostais perdem à sua identidade. 

2. O PENTECOSTALISMO NO BRASIL.
Ser dinâmico e místico são características do pentecostalismo. Ele é capaz de se moldar e se recriar conforme o contexto social onde está localizado. Por ser místico e apelar muito para a emoção do que para a razão, o pentecostalismo conquistou o seu espaço entre os brasileiros. Principalmente entre as classes mais pobres da sociedade. 

As maiores representantes do pentecostalismo clássico no Brasil são: 1) Assembleia de Deus; 2) Congregação Cristã no Brasil (conhecida com "Igreja do véu"); 3) Igreja do Evangelho Quadrangular; e 4) Igreja o Brasil para Cristo. Existem outras, mas essas são as que logo no início tiveram mais representatividade. 
"De 1910 a 1950 a presença pentecostal no Brasil foi discreta. Entre 1910 e 1911 surgiram no Brasil as duas principais Igrejas pentecostais - Assembleia de Deus e Congregação Cristã do Brasil -, que ao longo desses quarenta anos desenvolveram-se discretamente. A partir dos anos 1950 até os primeiros anos da década de 1970 as Igrejas pentecostais floresceram no Brasil a ponto de ser difícil, hoje, fazer um levantamento completo delas, principalmente por causa da efemeridade e da itinerância de alguns grupos" (MENDONÇA; FILHO, 2002, p. 46).
De todas as comunidades pentecostais no Brasil a Assembleia de Deus foi a que mais cresceu em número de adeptos. Já as outras não se tornaram tão populares. A Assembleia de Deus foi fundada por dois missionário suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, que no início realizaram o seu trabalho missionário, especificamente, no norte e nordeste do Brasil. A Congregação Cristã do Brasil foi fundada por um imigrante italiano chamado Luigi Francesco. Francesco iniciou suas atividades no bairro do Brás, em São Paulo. 
"As Assembleias de Deus se diferenciam da Congregação Cristã no Brasil porque fazem concessão à comunicação escrita. Têm sua casa publicadora, que edita livros, revistas e o semanário "O Mensageiro da Paz". Tem institutos bíblicos que preparam sua liderança a já começam a sistematizar a teologia através de sucessivas publicação de textos teológicos. O preparo teológico ainda não resultou, nas Assembleias de Deus, em diferença de classe entre liderança e povo. Pode ser que isso ainda venha a acontecer na medida em que a educação intelectual provoque sensível desnível de mentalidade entre líderes e liderados" (MENDONÇA; FILHO, 2002, p. 51).
O ponto fraco do pentecostalismo é não dar tanta atenção à formação teológica superior de seus fieis, principalmente dos líderes. A principal exigência para ser líder de uma comunidade pentecostal é ter sido "batizado no (ou com) Espírito Santo", e, consequentemente falar outras línguas. Não há tanta necessidade de ter curso superior ou algum tipo de educação formal. Talvez isso tenha contribuído com à expansão do pentecostalismo na periferia das grandes cidades brasileiras. Não precisava ser formado para ser um pastor pentecostal, basta apenas falar em línguas.  

Diferentemente, as Igrejas protestantes históricas (que já estavam em atividade no Brasil antes do advento do pentecostalismo), sempre deram muita importância à formação teológica de seus líderes. O aspirante a ser pastor de uma comunidade protestante histórica não pode ser leigo em questões de doutrina e teologia. No entanto, várias comunidades protestantes históricas se estagnaram com o passar do tempo, e não tiveram a mesma expansão numérica das comunidades pentecostais. Esse é o ponto fraco das Igrejas protestantes históricas. 

3. AFINIDADES PENTECOSTAIS
Será que existe alguma afinidade entre o pentecostalismo e o catolicismo popular? Em parte sim. Catolicismo e pentecostalismo são duas tendencias religiosas que tem muito influenciado a vida dos brasileiros. O catolicismo é mais antigo, e o pentecostalismo é mais recente, no entanto, ambos tem algo em comum: o misticismo

O brasileiro sempre está em busca do miraculoso. E isso faz parte de sua cultura. Ele quer de imediato à solução para os seus problemas e angústias. Teorias e estudos teológicos sistematizados não são atrativos. 

As missas de cura e libertação católicas, como as campanhas de oração pentecostais, são meios sagrados pelos quais as pessoas buscam à ajuda de Deus, e também a esperança de encontrarem uma solução para as suas agruras. Podemos dizer que o misticismo une o pentecostalismo e o catolicismo popular. Na medida em que ambos buscam, cada um a seu modo, aliviar os problemas da população. 


Fontes:
MENDONÇA, Antônio Gouvêa; FILHO, Prócoro Velasques. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo, Loyola, 2002.
PASSOS, João Décio. Pentecostais: origens e começo. São Paulo, Paulinas, 2005.

19 de abril de 2017

APOCALIPSE - Uma breve introdução a um dos livros mais controvertidos da literatura cristã

Se existe um livro que causa medo em algumas pessoas esse é o Apocalipse. Uma das principais causas para isso é talvez o sensacionalismo que o cinema e alguns meios de comunicação tem feito em cima deste livro durante algum tempo. E também (que não poderia deixar de ser mencionado), os sermões apavorantes e mal preparados de certos líderes religiosos. Agora, por trás de tudo isso existe uma "complexidade hermenêutica", ou seja, o Apocalipse não é um texto de fácil compreensão e interpretação. Ele é tão complexo que durante à história da análise bíblica surgiram várias escolas de interpretação. Que diga-se de passagem, mais atrapalham do que ajudam. 

O objetivo deste texto é tentar fazer do Apocalipse uma literatura simples e de fácil compreensão. E mostrar que de forma alguma ele fala do "fim do mundo", pelo contrário, à sua mensagem é voltada principalmente para à vida presente, aqui e agora.  

1. O CONTEXTO HISTÓRICO.
Segundo à tradição cristã o autor do Apocalipse foi o apóstolo João. Mas, existe outro ponto de vista de que foi outra pessoa (que também era conhecido como João, mas não era um dos apóstolos de Cristo) que escreveu as revelações do Apocalipse. O maior argumento para isso é que se compararmos o estilo literário do Apocalipse com o estilo literário do evangelho de João, se constatará uma grande diferença entre ambos. O Apocalipse é essencialmente simbólico, e o evangelho é narrativo. Com isso levanta-se a hipótese de que não foi o mesmo autor que escreveu as duas literaturas, mas pessoas diferentes. No entanto, não vamos perder tempo com esse detalhe. O foco principal é tentar compreender o texto apocalíptico. 

Cronologicamente (mas sem muita comprovação) o apocalipse foi escrito entre os anos 80 e 90 d.C., ou seja, quase no final do primeiro século da era cristã. Se realmente foi o apóstolo João quem escreveu essa literatura, então ele foi o último dos apóstolos que ainda nesta época estava vivo. Ele se encontrava exilado em uma ilha chamada Patmos. A causa deste exílio foi à perseguição feita pelo imperador Domiciano. Os cristãos não veneravam as divindades pagãs dos romanos e nem reverenciavam o imperador com deus. Esta atitude dos antigos cristãos gerou antipatia e a hostilidade do governo contra eles. Assim, muitos foram presos, mortos ou exilados, como foi a caso de João.

"O repúdio à autoridade mais elevada no império era considerado traição punível por meio de execução ou exílio. Para os cristãos, a mais elevada autoridade sobre a terra e no céu era o Senhor Jesus Cristo. render homenagem ao imperador equivalia a abandonar o Mestre que os redimiu. Para os romanos, o Cristianismo se tornara uma religião exclusivista que não tolerava nenhuma compromisso, pois seus seguidores falavam do reino de Deus, no qual Jesus governava como rei. Em virtude de sua adesão à fé cristã, os cristãos como uma classe tinham que suportar perseguição nas mãos do oficiais romanos que eram designados a reforçar a religião do estado em cada cidade e vila. Esses oficiais tinham a autoridade de punir as pessoas que se recusassem a honrar a César, executando-os ou os exilando-os" (KISTEMAKER, 2004, p. 57).

A forma mais coerente de se entender o Apocalipse é justamente entendendo o contexto histórico, político e social onde ele foi gerado. Quando isso é levado em consideração muitas "crendices" e "superstições" são desfeitas. O Apocalipse de João é endereçado a sete comunidades cristãs que estão passando por vários problemas internos e externos. São elas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia. Mas é necessário afirmar que as únicas coisas que existem dessas comunidades hoje são somente as ruínas. Essas comunidades deixaram de existir há muito tempo. 

Boa parte do simbolismo do Apocalipse deve ser entendido como uma resposta de Deus à opressão política e religiosa que os cristãos estavam sofrendo por parte dos romanos. A mensagem apocalíptica não está falando, essencialmente, das coisas do futuro que ainda iriam acontecer. Mas sim, da realidade do mundo presente. Em suma, à mensagem apocalíptica é para a vida presente e não para um futuro distante. 

2. AS CHAVES PARA LER E INTERPRETAR O APOCALIPSE.
A palavra Apocalipse significa ”revelação”, mas quando ele é aberto parece que não há muita coisa para ser revelada. Este livro tem um emaranhado simbólico e figurativo que causa muita confusão na cabeça das pessoas. Esse é o principal motivo que faz o Apocalipse não ser uma literatura de fácil compreensão, e com isso as pessoas desistem de lê-lo.  

"Ao abrir o Apocalipse ficamos impressionados. Muita gente se assusta e desiste. Alguns acham que o fim do mundo está próximo. Outros utilizam esse livro para condenar pessoas e religiões. Outros, ainda, acham que o Apocalipse aconselha os empobrecidos a desistir da luta, pois só na outra vida é que as coisas poderão mudar. [...]. Então a gente se pergunta: Será que vale a pena começar a ler o Apocalipse? E se vale a pena, quais são as chaves que abrem as portas dessa "casa"? E, uma vez abertas as portas, o que fazer, de modo que o Apocalipse não se torne uma "casa assombrada", cheia de fantasmas e de pesadelos? (BORTOLINI, 2016, p. 7).

Sem dúvida os destinatários para os quais o Apocalipse foi endereçado, compreendiam muito bem todo o simbolismo dele. No entanto, o leitor contemporâneo não consegue entender muita coisa. A explicação para isso é que o autor do Apocalipse não tinha o propósito de escrever para às futuras gerações de cristãos. O objetivo dele era resolver uma situação especifica do seu tempo e contexto. 

Mas isso não é motivo para desanimar. Felizmente há uma vasta literatura escrita que auxilia na pesquisa e estudo do Apocalipse. Com isso vejamos as sete chaves para se ler e entender o Apocalipse de um modo simples e prático.

a) O Apocalipse como um livro de resistência: Resistir contra quem? Contra à opressão e injustiça do imperialismo romano. Quando o Apocalipse foi escrito as comunidades cristãs estavam sendo oprimidas e perseguidas pela tirania do Império romano. O simbolismo do Apocalipse servia como uma espécie de "código secreto" que somente os cristãos entendiam. A mensagem apocalíptica é um estimulo para que as comunidades se unissem e resistissem contra o governo romano opressor. Essa chave mostra que o Apocalipse não é um livro que incentiva à alienação, ou seja, que os cristãos ficassem parados apenas "sonhado" com uma vida melhor no céu, e que tivessem uma atitude de indiferença para as coisas da vida presente. O Apocalipse é um livro de resistência e não de alienação. 

b) O Apocalipse como um livro de denúncia profética: A denúncia é uma característica dos profetas.  Os profetas do Antigo Testamento denunciavam a injustiça e a opressão por parte dos governos injustos. O autor do Apocalipse toma emprestado essa virtude dos antigos profetas e a aplica à situação em que ele e os outros cristãos estavam enfrentando. "E isso que o livro do Apocalipse deseja ser: um livro de denúncia profética que leva a resistir. Sem essa chave ele perde toda a força que estimulou os profetas do passado e do presente" (BORTOLINI, 2016, p. 9). 

c) O Apocalipse como livro de celebração"Feliz aquele que lê e aqueles que escutam as palavras desta profecia, se praticarem o que nela está escrito. Pois o tempo está próximo" (Ap. 1.3). Se Cristo venceu, os seus servos também venceram. Essa é a mística do Apocalipse. E essa mística trás para os cristãos que estavam (e estão) sendo perseguidos e oprimidos à certeza que de a vitória sobre toda injustiça chegará. O Apocalipse fala de um novo céu e uma nova terra aqui e agora. O Apocalipse não afirma que o mundo acabará um dia. 

"O Apocalipse não deixa dúvida: a nova sociedade não é algo que Deus prepara na outra vida; pelo contrário, ela tem suas bases em nossa história. [...] O Apocalipse, portanto, não fala do fim do mundo, e sim do modo como Deus quer que seja a nossa sociedade hoje" (BORTOLINI, 2016, p. 10).

d) O Apocalipse como livro de testemunho: O cristão que resiste e denuncia o sistema político opressor, está colocando sua vida em risco. O martírio é um exemplo de testemunho de fé e de resistência contra à opressão e a injustiça do imperialismo romano. Sempre que o Apocalipse fala sobre a "besta, falso profeta e a Babilônia", ele está diretamente se referindo ao poder político e religioso dos romanos. Qualquer pessoa que não recebesse a marca da Besta, que talvez pudesse se referir ao culto ao imperador romano. Seria severamente perseguido e morto. Provavelmente vários cristãos perderam suas vidas por testemunharem que Jesus era rei e não César. 

e) O Apocalipse como livro de felicidade: O Apocalipse chamada de bem-aventurados, ou seja, felizes todos os que ouvem e aceitam a sua mensagem. Existem 7 bem-aventuranças por todo o livro do Apocalipse (1.3; 14.13;16.15; 19.9;20.6; 22.7; 22.14). O número 7 é sinônimo de perfeição. Isso mostra que à mensagem de felicidade apocalíptica é perfeita. 

f) O Apocalipse é um livro de urgência: A urgência não está atrelada à crença no fim literal do mundo. Isso é algo sem fundamento. A urgência apocalíptica está ligada as questões existências terrenas. É urgente resistir e denunciar contra à opressão do imperialismo romano. Não somente deste, mas também de qualquer tipo de imperialismo que apareça durante a história.

g) O Apocalipse um livro de esperança: O Apocalipse não traz medo. Pelo contrário, ele tem uma mensagem de esperança para os cristãos oprimidos. As comunidades que lutam por um mundo melhor são consoladas pela mensagem de esperança apocalíptica. O Apocalipse mostra que os inimigos da Igreja serão derrotados pelo poder do "Cordeiro de Deus", e Ele reinará pelos séculos dos séculos. Tudo isso está ligado a vida presente, e não a um futuro distante.   

Estas sete chaves tem o objetivo de proporcionar um entendimento mais simples e prático do Apocalipse. Elas procuram fazer do Apocalipse um livro mais imanente, isto é, mais perto da terra. E também mais próximo da realidade social e religiosa das comunidades cristãs contemporâneas. 


Fontes:
BORTOLINI, José. Como ler o Apocalipse. São Paulo. Paulos, 2016.
KISTEMAKER, Simon. Apocalipse: comentário do Novo Testamento. São Paulo. Cultura cristã, 2004.

2 de abril de 2017

A PRESENÇA PROTESTANTE NO BRASIL: Uma breve síntese histórica.


O protestantismo brasileiro foi gerado pelo protestantismo norte americano, que por sua vez foi gerado pelo puritanismo calvinista britânico do século XVII. Ou seja, os puritanos colonizaram, evangelizaram e implantaram sua cultura religiosa na América do norte, tornando-se assim um país culturalmente protestante. Muitos anos depois vários missionários americanos foram enviados para o Brasil. Com o objetivo de darem continuidade à missão de evangelizar os nativos brasileiros na fé cristã protestante.

O objetivo do presente texto é ser uma concisa fonte de conhecimento histórico para todos os interessados em saber como as Igrejas protestantes históricas chegaram ao Brasil e também, na medida do possível, servir de auxílio nas aulas do Ensino religioso. 


1. Protestantismo imigratório.

Houve durante o período do Brasil colônia duas tentativas  de colonização protestante. Uma feita pelos franceses que durou de 1555 a 1560, e outra realizada pelos holandeses que vai de 1630 a 1654. Entretanto, essas duas expedições caíram no fracasso. Só a partir de 1810, mais ou menos dois século depois, é que os protestantes vão conseguir conquistar algum espaço nas terras brasileiras. 

Os luteranos alemães foram os primeiros a imigrarem para o Brasil. Logo no inicio eles não estavam interessados em realizar alguma atividade proselitistas, isto é, conquistas novos adeptos para sua religião. Estavam com o objetivo de fixar residência, de preferência nas regiões sul e sudeste. 

"Esses luteranos, especialmente da região Sul do Brasil, não tiveram quase nenhum apoio de sua matriz na Alemanha. Eles eram agricultores de pouca escolaridade e a religião era o seu espaço de identidade social. Por isso, organizaram-se numa forma popular de religião, através de Igrejas autônomas que não foram consideradas plenamente igrejas. Permanecendo em grupos, conservando sua língua e tradição. Desse modo, constituíram um protestantismo de imigração, camponês e de língua alemã, que praticavam através de arranjos possíveis" (DOMEZI, 2015, p. 146).
Não era fácil ser imigrante luterano em um país majoritariamente católico. A legislação brasileira de 1824 concedia uma certa liberdade religiosa para os estrangeiros, no entanto, os imigrantes luteranos não usufruíam plenamente de todos os direitos constitucionais. Além disso existia também o preconceito da população, que olhavam os luteranos como hereges e inimigos da Igreja. 

Com o passar do tempo os imigrantes luteranos foram se adaptando ao contexto brasileiro, e começaram lentamente a implantar a cultura protestante em várias regiões do Brasil. Além do Rio Grande do Sul foram progressivamente fixando residencia no Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Espírito Santo e no sul de Minas Gerais.


No inicio duas igrejas luteranas foram implantadas no Brasil: A Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB), e a Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB).  


Essas duas comunidades são as maiores representantes da fé protestante luterana no Brasil. No entanto, é possível que com o passar do tempo elas podem ter feito ou sofrido algum tipo de mudança teológica e litúrgica. Antropologicamente é possível afirmar isso. Toda religião que sai do seu lugar de origem, e se expande para lugares e contextos diferentes, será obrigada a fazer algum tipo de mudança. Caso contrário ela não conseguirá se adaptar ao novo contexto. Para mais informações sobre essas comunidades acesse esses links: IECLB , IELB   

2. As missões protestantes.

As missões protestantes só tiveram um avanço significativo com à chegada dos missionários americanos na segunda metade do século XIX. As comunidades luteranas que nesta época já estavam instaladas no Brasil, ficaram um tanto que fechadas entre si. Eram comunidades de alemães para alemães. Entretanto, com o passar dos anos, os luteranos perceberam à necessidade de terem um envolvimento mais próximo com os brasileiros, e abrindo suas portas para recebê-los.

Como falei no início desta postagem, o protestantismo brasileiro é "filho" do protestantismo americano. Os missionários americanos das mais diversas denominações (congregacionais, presbiterianos, metodistas, batistas, episcopais e como muito tempo depois os pentecostais), encontraram um momento muito oportuno para realizarem o seu trabalho missionário no Brasil.


Um dos fatores para essa abertura (que estrangeiros de igrejas não-católicas fossem recebidos no Brasil), foi o clima de tolerância religiosa que à legislação brasileira da época proporcionava. Ainda que catolicismo fosse à religião majoritária entre o povo brasileiro. Mas diga-se de passagem que essa tolerância não foi plena. Uma religião dominante nunca vai perder o seu status para outra religião concorrente.

"Essa imigração fez com que a Constituição brasileira de 1824, mesmo mantendo o catolicismo como religião do Estado, estabelecesse uma tolerância em relação aos outros cultos, como convinha a uma sociedade burguesa. Porém, era proibido a prática pública desses cultos, e os imigrantes não católicos eram considerados de segunda categoria, sem acesso a diversos dos direitos sociais" (DOMEZI, 2015, p. 142).
Como qualquer religião institucional o protestantismo tem dentro de si várias vertentes. Assim, é mais coerente falar em "protestantismo" no plural, do que protestantismo no singular. 

Essa postagem ficaria muito extensa se cada uma dessas vertentes fosse analisada. Um ponto convergente entre todas essas vertentes do protestantismo é que elas tem o mesmo objetivo: conquistar o maior número possível de pessoas para a fé cristã


Então darei ênfase ao trabalho missionário dos presbiterianos calvinistas. Mas por que? Por possuir um conhecimento histórico mais sólido sobre eles, e também pela significativa atuação na área da educação entre as pessoas mais pobres da sociedade. 


2.1. Ashbel Green Simonton - O implantador do presbiterianismo no Brasil.


O missionário americano Ashbel Green Simonton (1833-1867), foi o responsável pela implantação do presbiterianismo no Brasil em 1859. Essa vertente do protestantismo é muito fiel ao pensamento teológico-religioso do reformador francês João Calvino (1509-1564). 
Simonton começou suas atividades no Rio de Janeiro, onde, em 1862 fundou a primeira Igreja Presbiteriana no Brasil. O presbiterianismo foi o ramo do protestantismo que mais de expandiu em meados do século XIX. No entanto, foi sendo superado pelos batista já no inicio do século XX.
"Os presbiterianos brasileiros são fieis a João Calvino quanto ao governo eclesiástico. Organizam-se a partir de relativa autonomia da congregação local, num sistema federativo e piramidal de concílios. Cada congregação local tem um conselho de presbíteros leigos eleitos poe ela; um grupo de congregações locais forma um presbitério; um grupo de presbitérios forma um sínodo, e todos os presbitérios formam o supremo concílio ou assembleia geral" (MENDONÇA;FILHO. 2002, p. 36).
Como o passar do tempo, o presbiterianismo brasileiro foi se dividindo e engendrando outras denominações. No início haviam somente seis denominações presbiterianas, são elas: Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPI), Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU), Igreja Presbiteriana Conservadora (IPC), Igreja Presbiteriana Fundamentalista (IPF) e Igreja Presbiteriana Renovada (IPR).  Para mais informações sobre o presbiterianismo no Brasil acesse este link: Presbiterianismo no Brasil

2.2. A educação como estratégia missionária. 
O protestantismo histórico é essencialmente "uma religião do livro", ou seja, a Bíblia é a principal coluna da fé protestante. Então, para poder lê-la e interpretá-la é necessário que o individuo seja alfabetizado. Os missionários protestantes, e mais especificamente os presbiterianos, ao chegarem ao Brasil viram a carência educacional da população mais pobre. As pessoas eram, em sua maioria, analfabetas.
"A carência de instrução também era um notável empecilho ao aprendizado da doutrina protestante, todo ele calcado na leitura da Bíblia, livros, revistas e jornais, que logo começaram a ser publicados por iniciativa das missões. O cultos protestante, especialmente como foi introduzido aqui, é, ao contrário do católico essencialmente simbólico e ritualizado, caracteristicamente informal e discursivo. [...] Daí não ser difícil concluir que a evolução do protestantismo dependia, em grande dose, da alfabetização de seus adeptos atuais, e em potencial da criança" (MENDONÇA, 2008, p. 148).
Mas que tipo de educação foi essa? Quais foram os seus métodos pedagógicos? Essa educação conseguiu erradicar o analfabetismo entre as camadas mais pobres? Há pouquíssimos dados históricos que nos conduzam a uma afirmação concreta. Entretanto, é possível supor que essa educação seguia os padrões norte-americanos. 
"É justo pensar que parecia estar presente no espírito missionário a necessidade de reproduzir no Brasil o acontecido na América do Norte: se o êxito americano podia ser atribuído à colonização por povos protestantes, o Brasil podia ser colocado no mesmo caminho por via de um transplante cultural em todos os seus aspectos" (MENDONÇA, 2008, p. 163).
Será que se o Brasil tivesse sido colonizado pelos americanos, logo no início, ele seria um país melhor do que é hoje? Talvez sim. A America do Norte ainda é a maior potencia econômica do mundo. Logo no início à sociedade americana foi moldada por princípios éticos protestantes que até hoje fazem parte da vida de muitos americanos. É característico do protestantismo valorizar a educação. Quando um país não tem interesse pela educação a tendencia dele é ser um país atrasado e subdesenvolvido. 

Não é possível comprovar se as missões protestantes conseguiram introduzir à Bíblia como leitura habitual do povo brasileiro. Existiram muitos obstáculos como a intolerância por parte do catolicismo, que era a religião dominante, como o alto índice de analfabetismo da população. E sejamos sinceros, de lá para cá, à situação não mudou muito!



Fontes:

DOMEZI, Maria Cecilia. Religiões na história do Brasil. São Paulo. Paulinas, 2015.
MENDONÇA, Antonio Gouvêa. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo. Edusp, 2008.
MENDONÇA, Antonio Gouvêa; FILHO, Prócoro Velasques. Introdução ao protestantismo no Brasil. São Paulo. Loyola, 2002.