15 de novembro de 2020

DIVERSIDADE RELIGIOSA: Há uma religião verdadeira?

O universo religioso é fascinante, misterioso e complexo. Se você mora no Brasil, ou se já teve a oportunidade de viajar para outro país, provavelmente você deve ter visto como existe uma grande diversidade de religiões e crenças. E essa diversidade é provocadora. No sentido de que ela nos faz pensar o seguinte: será todas essas religiões são verdadeiras? Ou apenas uma é verdadeira e as outras falsas? E quais são os critérios que podemos usar para saber se aquilo que uma religião acredita é verdadeiro ou não? 

Descobrir a coerência e a racionalidade das crenças religiosas é tarefa da filosofia da religião, contudo essa área de conhecimento não pode ser confundida com a teologia. A teologia fundamenta-se na fé pessoal, ou seja, o teólogo quando analisa outra religião vai usar a própria fé como parâmetro de julgamento. Mas o filósofo da religião tentará fazer uma analise racional e imparcial da crença religiosa pesquisada, e esse exercício filosófico pode contribuir muito com o estudo cientifico das religiões. E para fundamentar este texto farei uso do excelente livro de Brendan Sweetman, Religião: conceitos-chave em filosofia

Nas palavras de Sweetman, 
Seguidores de cada visão religiosa de mundo devem fazer perguntas críticas não apenas sobre as verdadeiras afirmações de sua própria visão de mundo, mas também sobre como veem as afirmações de verdade de outras religiões. Esse é uma assunto de vital importância porque, embora estejam de acordo em algumas questões, as religiões também discordam em relação a muitas coisas (SWEETMAN, 2013, p. 154). 

Em um mundo globalizado que está constantemente conectado por meio da internet e das redes sociais, é impossível não se envolver em alguma discussão, por mínima que seja, em que crenças religiosas não estejam no centro da atenção. E também quando alguém tem a oportunidade de sair do Brasil e conhecer outros países e culturas, direta ou indiretamente conhecerá crenças religiosas que geralmente são diferentes das suas, e é nesse momento que as dúvidas e os questionamentos surgem. 

Existem três abordagens dentro da filosofia da religião que tentam analisar o problema da diversidade religiosa, são elas: 1. Exclusivismo  religioso; 2. Pluralismo religioso; 3. Inclusivismo religioso. Vejamos cada uma dessas abordagens de forma resumida. 

1. Exclusivismo religioso é visão que o caminho correto para a salvação só pode ser encontrado em uma única religião. Essa é a visão defendida pela Igreja Católica e por várias igrejas protestantes. Para esses grupos somente os acreditam em Jesus Cristo podem ser salvos e com isso alcançar a eternidade. Em outras palavras, "fora da fé cristã não existe salvação". Mas como ficariam os milhões de judeus, muçulmanos, budistas, hindus que não acreditam em Jesus como os cristão creem? E sem falar da multidão de pessoas que durante a história nunca souberam da existência de Cristo? 

Sweetman diz que:

Os exclusivistas religiosos defendem que pode haver verdades profundas em outras religiões, mas a sua principal afirmação é de que não se pode alcançar a salvação seguindo a religião errada. Só porque uma religião está certa em alguns pontos não significa que, em geral, contenha as crenças e ações corretas que levariam à salvação. Para o exclusivista, julgar se a outra religião está certa em algumas questões vai depender de ela concordar com a religião correta nessas questões; por exemplo, um muçulmano que apoia o exclusivismo pode crer que o cristianismo esteja certo ao acreditar que Deus é todo-poderoso, mas negar o cristianismo possa conduzir à salvação (SWEETMAN, 2013, p. 158). 

Podemos ver que quando um grupo religioso defende a visão exclusivista, ele pode ter atitudes de intolerância religiosa. E a história ocidental é cheia de relatos de guerras, mortes e massacres feitos em nome de alguma religião. Isso tudo simplesmente porque algum grupo religioso se diz detentor da verdade divina, mas que verdade divina é essa que não consegue enxergar a diversidade que existe no mundo? É realmente uma verdade divina ou um mero capricho humano? Deixo essa resposta com você que está lendo este texto. 

2. Pluralismo religioso é o oposto do exclusivismo. Citemos mais uma vez as palavras  de Sweetman:
O pluralismo religioso é a visão de que há muitos caminhos diferentes à salvação nas várias religiões do mundo, e, assim, todas elas têm certa legitimidade. (SWEETMAN, 2013, p. 161). 
Segundo a visão pluralista não existe "a verdade real", mas sim "várias perspectivas sobre a realidade". Ou seja, cada religião tem sua própria perspectiva da realidade, e cabe a cada um escolher a perspectiva que lhe seja mais conveniente. Essa é a visão que tem dominado a sociedade contemporânea, pois ela dá voz ao relativismo cultural. O pluralismo religioso está presente na cultura brasileira e em países que defendem a liberdade religiosa. 

Entretanto, essa visão gera alguns problemas. Até que ponto as pessoas conseguem viver bem sem ter uma "certeza"? O pluralismo religioso não garante nenhuma tipo de certeza. Viver sempre em dúvida sobre o destino é algo que incomoda muitas pessoas. Por exemplo, para os cristãos (católicos/ortodoxos/evangélicos), Jesus Cristo é a verdade, e de modo semelhante o Corão é o registro da verdade divina para a comunidade muçulmana. Com muita probabilidade a abordagem do pluralismo religioso entra em conflito com as religiões tradicionais que defende uma verdade real. 

3. Inclusivismo religiosoSweetman nos diz o seguinte:
Essa posição, portanto, sustenta que a salvação depende de um ato especifico - a morte e ressurreição de Jesus, por exemplo - ser metafisicamente verdadeiro (realmente aconteceu na história e realmente teve determinado efeito), mas não é necessário acreditar que esse evento tenha ocorrido, nem mesmo ser membro da religião que tem a visão correta do que tinha que acontecer para a salvação ser possível (metafisicamente). O que importa é que se viva uma vida moral, o que é possível fazer em muitas visões de mundo diferentes (não necessariamente em todas), e que se lute por estabelecer uma relação verdadeira com Deus, que se revela em muitas religiões, em certa medida, mesmo que imperfeitamente (SWEETMAN, 2013, p. 165). 
O inclusivismo tenta ser uma espécie de "meio-termo" entre o exclusivismo e o pluralismo religioso. Um defensor dessa abordagem foi o teólogo católico jesuíta Karl Rahner (1904-1984). O inclusivista acredita que existe uma religião verdadeira, e mesmo que milhões de pessoas não acreditem nessa religião, isso não é obstáculo para que elas sejam agraciadas por ela. 

Por exemplo, suponhamos que o islamismo seja a religião verdadeira e que uma das crenças fundamentais dessa religião seja a "submissão à vontade de Deus", mesmo que milhões de pessoas ao redor do mundo não façam parte dessa religião, mas em suas vidas diárias vivem como se Deus existisse e se submetem sua vontade, essa atitude faz delas "muçulmanos anônimos". Ou seja, elas estão "incluídas" na religião mesmo sem saberem. 


Considerações finais.
Depois de apresentarmos de forma resumida as três visões sobre a diversidade religiosa, será que existe uma religião verdadeira? Infelizmente essa pergunta é difícil de responder, ainda mais em um mundo que existe um grande número de religiões e crenças. Para o cristão o cristianismo é verdadeiro, e de modo semelhante o judaísmo para os judeus, o budismo para os budistas, etc. Pessoalmente acredito que temos de encontrar um "elo de ligação" entre as várias religiões e crenças, e esse elo se chama SAGRADO. Por exemplo para muitas religiões A VIDA HUMANA É SAGRADA. E acredito que esse é um passo importante para se começar um bom diálogo. 


Fonte.
SWEETMAN, Brendan. Religião: conceitos-chave em filosofia. Porto Algre. Penso, 2013.