10 de março de 2018

ATEÍSMO: Visão de mundo, moral e espiritualidade.

Teoricamente a principal característica de um Estado laico é ser neutro em relação a religião e a fé. Ou seja, um Estado laico não tem, não persegue e nem defende qualquer tipo de religião. Ele apenas permite que as pessoas sob sua jurisdição tenham a liberdade de crer ou não crer em algum tipo de religiãoMas sabemos que nem todos os países seguem esse modelo. Existem nações que possuem uma religião oficial. E nem sempre o direito à liberdade religiosa é permitido. O nativo deve se submeter a religião oficial do Estado, caso contrário, poderá sofrer sanções.

Diferentemente, em um Estado laico o crente tem a liberdade de praticar a sua fé. E os descrentes, sejam eles ateus e agnósticos, podem manifestar a sua descrença com relação as religiões e deuses. É importante saber que sempre existiu na história da humanidade pessoas que questionavam e negavam a existência das divindades populares. Por exemplo, na Grécia antiga havia pensadores que não davam muito crédito aos deuses que constituíam o panteão mitológico grego.

E na atualidade a situação não é muito diferente. Milhões de pessoas que por algum motivo seja intelectual, emocional e psicológico, abraçaram o ateísmo como filosofia de vida. E afirmam que estão muito satisfeitas com a escolha que fizeram. 

O presente texto tem como objetivo oferecer ao leitor um conhecimento básico sobre a visão de mundo ateísta e também pensar sobre a possibilidade de haver uma moralidade e uma espiritualidade sem Deus.

1. COMO O ATEÍSTA VÊ O MUNDO?
Podemos dizer que o ateísta é um indivíduo que nega à existência de qualquer tipo de divindade. Para ele é incoerente acreditar em seres divinos cuja à existência não pode ser comprovada. Tudo que o acontece no mundo deve ser entendido e compreendido a partir da racionalidade humana e da ciência. Qualquer coisa que fuja desse padrão deve ser descartada. As várias ideias sobre divindades, segundo o ponto de vista ateístas, não podem ser comprovadas e por isso são irrelevantes.

Assim como no universo religioso existem crentes radicais e moderados; semelhantemente entre os ateístas existem esses dois grupos. Os ateístas radicais odeiam as religiões e não poupam esforços para combatê-las e destruí-las. Eles procuram convencer as pessoas sobre a inutilidade das crenças religiosas e do mal que elas podem fazer. Geralmente os radicais são fundamentalistas e intolerantes. 

Já os ateístas moderados seguem outro caminho. Eles apesar de olharem para as divindades e as religiões como meras superstições humanas; não se sentem incomodados com a presença delas. Para que perder tempo tentando destruir algo que não existe? E se as crenças religiosas, de certa forma, ajudam as pessoas para que combatê-las? Geralmente os moderados são mais inclinados a serem tolerantes e democráticos.

Mas seja radical ou moderado o ateísta não vê o mundo como o teísta vê. O teísta olha para mundo fundamentado em suas crenças religiosas. O ateísta olha para mundo fundamentando-se no naturalismo.
A visão de mundo através da qual o ateísta ponderado examina o mundo à sua volta é o “naturalismo”. Em contraste, a visão de mundo do teísta é o “supernaturalismo” (Walter, 2015, p. 49).
Quando se fala em naturalismo isso remete à ideia de que tudo no mundo tem uma explicação natural e cientifica. Ou seja, se quisermos saber como o universo, a vida animal e vegetal começaram a surgir; temos que encontrar as respostas com base no que observamos no mundo, e não fora dele. Mas, caso não exista respostas para determinados fenômenos naturais, o ateísta crerá que com o avanço da ciência uma resposta poderá surgir futuramente.

Em contraste, o supernaturalismo é a ideia de que além do mundo natural existe um mundo espiritual. Essa visão não nega a importância do mundo natural e do avanço cientifico, entretanto, o mundo natural limita-se as coisas terrenas e não satisfaz os anseios mais íntimos dos homens. Nesse sentido, os teístas defendem que a crença na existência de Deus pode proporcionar respostas para os indivíduos.
“O naturalismo pode ser descrito como a crença em que o mundo natural é um sistema fechado: nada existe fora dele, assim nada de fora o influencia. Em contraste, os supernaturalistas adotam uma visão de mundo cuja crença mais profunda é que a realidade é dualisticamente aberta, divisível em domínios naturais e supernaturais que interagem de uma forma ou de outra. [...] Saber exatamente como o natural e o sobrenatural interagem um com o outro e onde os limites de um termina e o outro começa é até certo ponto um mistério (Walter, 2015, p. 56) ”.
Pode-se perceber que não existe um combate entre ciência e religião, mas sim entre crenças pessoais subjetivas. Contudo, a visão de mundo naturalista tende a ser menos confusão do que a visão de mundo sobrenatural. Isso porque a primeira procura ser mais lógica e coerente com a realidade; já a segunda tem muitas dificuldades em explicar certos fenômenos “sobrenaturais” com base em pressuposto científicos, ela parte mais da fé religiosa pessoal. 

2. MORAL SEM DEUS.
Será que os ateístas por negarem a existência de qualquer tipo de divindade devem ser vistos como pessoas imorais e cheia de maldade? E os crentes seriam sempre amáveis e moralmente corretos só porque acreditam na existência de um Deus transcendente? Certamente não. A vida tem mostrado que tanto os ateus como os crentes são capazes de praticar atos de benevolência, altruísmo e caridade; como também serem capazes de matar e fazer injustiças. Em outras palavras, com ou sem Deus qualquer ser humano pode fazer o bem ou o mal.

Mas isso levanta uma pergunta: será que Deus é necessário para a moralidade? Fundamentando-se em suas respectivas visões de mundo e em suas “convicções pessoais”, ateístas e teístas teriam respostas muito divergentes. Sem dúvida os primeiros afirmariam que é perfeitamente possível existir uma boa conduta moral sem Deus; mas os segundos rebateriam dizendo que se Deus não existe, tudo é permitido. Infelizmente temos que reconhecer que no campo da moral não existe convergência entre ateísta e teístas.

Quais são as características de uma moral sem Deus? Essencialmente ela é naturalista, humanista e relativista.
É naturalista, firmemente fundamentada no entendimento do que significa ser uma pessoa. [...] A moralidade ateísta é humanista, fortemente centralizada no ser humano, não em Deus. Suas metas são terrenas, não celestes. Uma moralidade independente de Deus defende valores objetivos no sentido de estarem racionalmente fundamentados e não serem subjetivos. Mas esses valores também são flexíveis o bastante para levar em consideração circunstancias atenuantes que surgem de contexto, agente e situação. Em suma, os valores ateístas são relativos, não absolutos” (Walters, 2015, p. 168).
É possível ver que em uma moral sem Deus o indivíduo está livre para criar os seus próprios padrões de conduta moral e ética. Esse tipo de moralidade parte do pressuposto de que “o homem é o centro de todas as coisas”. Ele é senhor e juiz de sua própria vida, e não deve satisfação a nenhum tipo de divindade. Não existe a ideia de um suposto céu ou inferno que o constranja a mudar de conduta. Tudo depende dele e de mais ninguém.  

3. ESPIRITUALIDADE SEM DEUS.
O “ateísta místico” é uma nova categoria de descrente que tem surgido na sociedade contemporânea. Entretanto, a espiritualidade ateísta não é religiosa, mas secular. Ou seja, é uma espiritualidade que “religa” com à natureza e faz com que o mistico seja unido a ela. E isso produz o que alguns especialistas chamam de “experiência de pico”.  
“Essas experiências de pico trazem uma sensação de interligação com o universo e também de profundo deslumbramento com o puro mistério da existência, o fato inescrutável, mas maravilhoso, de que as coisas são. Apreço, gratidão e o sentimento de ter aprendido algo importante e libertador acompanhada tipicamente as experiências” (Walters, 2015, p. 198). 
Talvez a área da espiritualidade possa ser uma ponte de aproximação entre ateístas e teístas. Mas a diferença é que o ateísta se “religa” com a natureza e não com alguma divindade. Supostamente, as experiências de pico nascem da contemplação que o ateísta místico faz do universo. Há um tipo de mistério no universo que faz o místico se sentir parte do todo.

Considerando todos esses fatos, podemos dizer que existe uma certa aproximação entre a espiritualidade ateísta e o Budismo. Mas por que? No Budismo (mais especificamente no Zen budismo) não há necessidade de comunicação com nenhuma divindade. Ao meditar, o budista procura “limpar” a sua mente de todos os pensamentos negativos que lhe possam causar algum sofrimento. Nesse exercício meditativo o budista procura estar em harmonia com o seu “eu” interior o qual está ligado ao universo.

Podemos concluir que é possível, sim, existir uma espiritualidade sem Deus. Uma espiritualidade que é terrena e não celestial, que faz o indivíduo ficar admirado com a beleza e a grandeza do universo.

Fonte.
WALTERS, Kerry. Ateísmo: um guia para crentes e não crentes. São Paulo: Paulinas, 2015.